Discurso no Senado Federal

O PROBLEMA DE MORADIA EM NOSSO PAIS. EDITORIAL DO JORNAL O ESTADO DE S.PAULO, DE ONTEM, INTITULADO SURGIMENTO DE NOVO FOCO DE AGITAÇÃO.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA HABITACIONAL.:
  • O PROBLEMA DE MORADIA EM NOSSO PAIS. EDITORIAL DO JORNAL O ESTADO DE S.PAULO, DE ONTEM, INTITULADO SURGIMENTO DE NOVO FOCO DE AGITAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 12/06/1996 - Página 9663
Assunto
Outros > POLITICA HABITACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, EDITORIAL, PUBLICAÇÃO, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REFERENCIA, URGENCIA, ADOÇÃO, POLITICA, OBJETIVO, REDUÇÃO, DEFICIT, HABITAÇÃO, HABITAÇÃO POPULAR, INCENTIVO, INVESTIMENTO, SETOR, CONSTRUÇÃO CIVIL, AUMENTO, NUMERO, EMPREGO, PAIS.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB-GO. Pronuncia o seguinte discurso. ) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o princípio de que a moradia é direito do cidadão acaba de receber o carimbo consagrador em encontro internacional promovido pela ONU. Centenas de países reunidos no Habitat II, em Istambul, aprovaram a tese por consenso, obrigando os governos signatários do documento final a assumirem compromissos com programas que reduzam seus déficits habitacionais. Lá estava, como a mais ilustre integrante da delegação brasileira, Dona Ruth Cardoso, Presidente do Programa Comunidade Solidária. E foi dela, segundo relato da imprensa, a seguinte observação:

      Se nós não quisermos ser demagógicos, temos que aceitar que o direito à moradia seja implementado progressivamente. Ninguém acredita que possamos declarar o direito hoje e dar casa para todo mundo amanhã. Isso é demagogia.

Nada a reparar no que disse Dona Ruth Cardoso no foro adequado e sob a responsabilidade singular de alguém que, ao mesmo tempo, tem a autoridade formal do cargo e o privilégio de ser a conselheira mais íntima do Presidente da República. Em suas palavras, ela imprimiu o reconhecimento do direito à moradia, e isso é o que importa na criação da expectativa de que, no seu retorno ao País, colocará todo o seu prestígio a serviço da habitação como prioridade inadiável nas preocupações das políticas oficiais. Com isso, é legítimo esperar que tenhamos em breve um programa nacional de habitação, que simplesmente não existe na forma de projeto claro, com comando centralizado e recursos expressamente definidos.

E é bom que o Governo ande depressa e dê respostas rápidas à sociedade. O Poder Público foi longe demais nas suas omissões. Segregamos tanto os sem-teto, multiplicados pelo desemprego, pela migração descontrolada e pelo êxodo rural, que em breve poderemos tornar-nos reféns de novas formas violentas de pressão.

Editorial de ontem do jornal O Estado de S. Paulo, que peço à Mesa considere parte de meu pronunciamento, lança a seguinte advertência:

      Seguindo as lições dos sem-terra, os sem-teto avisam que vão invadir áreas urbanas nos próximos dias.

O jornal apontando para o surgimento de novo foco de agitação, lembra o episódio sangrento de Eldorado dos Carajás e prenuncia os efeitos desestabilizadores das invasões urbanas em grandes metrópoles, como São Paulo. Não são ameaças utópicas, mas perigos reais. É duro admitir que, mais uma vez, estamos próximos daquela rotina de trancar a porta depois de arrombada.

O fato objetivo e incontestável é que a questão tem sido tratada como preocupação de varejo, com medidas tópicas pingadas em conta-gotas, enquanto o problema cresce e assusta.

Os programas até agora lançados pela Caixa Econômica Federal carecem de realismo e de praticidade. Ou são excessivamente burocratizados, impedindo o acesso da população aos financiamentos, ou os convênios não chegam aos Municípios. A maioria dos Municípios brasileiros foi levada à inadimplência pela recessão econômica, e, pelas leis da burocracia, não podem por isso receber os repasses. Isso acaba por transformar-se num jogo de faz-de-conta. E tais fatos ocorrem num País onde os bancos recebem 15 bilhões de reais para cobrir os rombos dos próprios desmandos. A um custo médio de 30 mil reais, isso seria dinheiro suficiente para financiar 500 mil residências. Com o crescimento do desemprego, o FGTS tem influência decadente no volume dos financiamentos, enquanto persistem muitas dúvidas sobre repasses efetivos da massa de poupança concentrada na rede bancária.

A grande síntese de tudo isso é que falta uma política de habitação. E com isso temos pelo menos três efeitos perversos: o efeito social, com a classe média migrando para as periferias e os miseráveis multiplicando a paisagem da indigência sob pontes e viadutos; o efeito econômico, com o fechamento das empresas de construção civil e as repercussões de escala em todo o setor. Só em Goiânia, aproximadamente 30 construtoras encerraram suas atividades de um ano para cá, demitindo 1.650 trabalhadores empregados diretamente. Computando-se os últimos dois anos, os efeitos são ainda mais dramáticos: os 30 mil trabalhadores empregados em 1994 estão reduzidos a apenas 15 mil. O desemprego é o terceiro efeito nevrálgico nesta conjugação de causas e conseqüências, pois é lugar comum a convicção de que a construção civil é o setor da economia que mais gera empregos.

Os dirigentes da Câmara Brasileira da Indústria da Construção estimam em 10 milhões os atuais números do déficit habitacional, embora os técnicos do setor público reduzam esse número à metade. Só em Goiânia, o déficit de moradias é de 100 mil. Pelos cálculos do setor privado, os recursos atualmente disponíveis no sistema nacional de poupança é de 50 bilhões de reais. Ainda de acordo com a ABIC, com a aplicação de 50% desses recursos, no prazo de dez anos, seria possível resolver pelo menos o problema atual, sem considerar a demanda vegetativa do período. Os números são grandes demais e refletem os efeitos da paralisação dos investimentos nos últimos anos. O primeiro dos governos militares, que criou o BNH, acabou por condenar o programa de habitação à inviabilidade, quando instituiu a correção monetária. E nada foi feito depois para resolver a questão, num clima de inflação galopante e de salários achatados.

Não cabe aqui enumerar as medidas tópicas que têm sido tomadas para reduzir o drama dos sem-teto. Somando-se tudo, inclusive os 830 milhões anunciados na semana passada pelo novo Ministro Antonio Kandir, eu diria que estamos apenas implantando um único dente na boca de um desdentado. É importante e inadiável repensar o modelo e buscar uma política de curto, médio e longo prazos, com recursos orçamentários de custos baratos, alternativas de construção de baixo custo, parcerias com o setor privado, implantação de sistemas de mutirão, como os que foram implementados em Goiás pelo então Governador Iris Rezende, e considerar, enfim, que a habitação é questão social, como consagrou a Habitat II, na Turquia.

De minha parte, pretendo apresentar nos próximos dias emenda constitucional incluindo a moradia como dever social do Estado, dentro dos princípios estabelecidos pela ONU, e seguro de que esta é a única solução para colocar o tema na agenda de compromissos indelegáveis dos poderes públicos.

Ao encerrar este meu pronunciamento, peço que os colegas do Senado reflitam sobre o tema e leiam, com atenção, as advertências feitas ontem pelo editorial de O Estado de S. Paulo.

Muito obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/06/1996 - Página 9663