Discurso no Senado Federal

RESULTADO DA REUNIÃO COM O PRESIDENTE DA REPUBLICA, JUNTAMENTE COM OS SENADORES FLAVIANO MELO E NABOR JUNIOR, PARA TRATAR DA CRISE NO ESTADO DO ACRE, COM O EMBARGO DAS OBRAS DAS BR-364 E BR-317.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • RESULTADO DA REUNIÃO COM O PRESIDENTE DA REPUBLICA, JUNTAMENTE COM OS SENADORES FLAVIANO MELO E NABOR JUNIOR, PARA TRATAR DA CRISE NO ESTADO DO ACRE, COM O EMBARGO DAS OBRAS DAS BR-364 E BR-317.
Publicação
Publicação no DSF de 06/07/1996 - Página 11564
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • INFORMAÇÃO, RESPONSABILIDADE, GOVERNADOR, ESTADO DO ACRE (AC), SUSPENSÃO, RODOVIA, FALTA, APRESENTAÇÃO, RELATORIO, IMPACTO AMBIENTAL, PROTESTO, ACUSAÇÃO, SENADOR.
  • INFORMAÇÃO, GESTÃO, SENADOR, ESTADO DO ACRE (AC), ORADOR, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEFESA, PAVIMENTAÇÃO, RODOVIA, RESSALVA, NECESSIDADE, POLITICA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REGIÃO.
  • NECESSIDADE, REFORÇO, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), BANCO DA AMAZONIA S/A (BASA), ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), COOPERATIVA, SINDICATO, CENTRO DE PESQUISA, PARTICIPAÇÃO, PROJETO, DESENVOLVIMENTO.

A SRª MARINA SILVA (PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, vou aqui registrar alguns resultados da reunião que tivemos, eu e os Senadores Flaviano Melo e Nabor Júnior, no dia 3 do corrente, com o Senhor Presidente da República.

Tratamos de assuntos referentes ao nosso Estado, mais particularmente à crise que o vem assolando a partir do embargo da BR-364 e da BR-317. Foi criada uma situação de tensão muito grande na população do interior, sobretudo na do Vale do Juruá, em função de calúnias que assacam aos três Senadores, atribuindo-lhes a responsabilidade pelo embargo.

Em primeiro lugar, devo dizer que o principal responsável pelo embargo das estradas foi o Governador Orleir Cameli, por não ter cumprido as determinações da lei: a exigência de que, para se realizar uma obra que cause grande impacto ambiental, se faça um relatório de impacto, para evitar danos ao meio ambiente e, principalmente, às populações que tradicionalmente habitam essas regiões.

Com essa introdução, devo dizer que, se existe alguém que deva ser responsabilizado política, pública e judicialmente pelo prejuízo que causará a essas populações isoladas, em função do embargo da obra, esse alguém é o Governador Orleir Cameli, o principal ator de inúmeras irregularidades que acontecem nesse Estado.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na reunião que tivemos - eu e os demais Senadores do Acre - com o Presidente, entregamos a Sua Excelência um documento assinado pelos representantes da Bancada do Acre no Senado Federal. Era um documento baseado em discussões que tivemos, nas quais foi possível chegarmos a um consenso com relação aos problemas e aos temas para cuja solução gostaríamos de receber apoio do Presidente da República. 

Como não poderia deixar de fazer, e por ser uma pessoa historicamente ligada à luta pela defesa do meio ambiente, à luta pela melhoria da qualidade de vida e pelo respeito às populações tradicionais, principalmente seringueiros e índios que habitam o meu Estado, levei também, em meu nome e com o apoiamento do Prefeito Jorge Viana, da Fundação SOS Amazonas, da Comissão Pastoral da Terra, do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Diocese de Rio Branco, do Centro de Defesa dos Direitos Humanos e Educação Popular, do Comitê Chico Mendes, do Conselho Nacional de Seringueiros, da Federação dos Trabalhadores Rurais do Acre, a Fetacre, e a Central Única dos Trabalhadores, um documento ao Senhor Presidente onde enumero as minhas contribuições e advertências no que se refere à pavimentação das BRs às quais me referi anteriormente.

Por que fiz questão de apresentar esse documento, Sr. Presidente? Primeiro, por entender que a obra é fundamental para o desenvolvimento do Estado do Acre; segundo, por entender que ela é uma faca de dois gumes: pode trazer benefícios, mas pode também vir a ser apenas um corredor de exportação pelo qual a nossa população desolada, como sempre, verá o tão esperado progresso passar sem ficar em suas casas, em seus bairros, em seus hospitais, em suas escolas.

As minhas contribuições são no sentido de que, em vez de se transformarem num vetor de problemas sociais, ambientais e culturais, as estradas possam ser propiciadoras do desenvolvimento econômico e social desse povo tão esquecido no interior da Amazônia.

Sr. Presidente, o documento diz mais ou menos o seguinte:

      "Ao lado de companheiros como Chico Mendes, movimentos e entidades sociais do Acre, tenho lutado por alternativas de inserção do nosso Estado no desenvolvimento nacional que considerem a sustentabilidade ambiental e a justiça social."

Eu me refiro também à justiça social, porque não consigo compreender a preservação do meio ambiente sem que se trabalhe a situação das pessoas que habitam esse meio e que fazem parte dele.

      "Contrapondo-nos desde o início à idéia-força do "vazio populacional a ser ocupado", presente nos programas de integração do período totalitário recente, temos priorizado a garantia de qualidade de vida das populações rurais, indígenas e extrativistas, propondo sempre políticas públicas voltadas ao incentivo de atividades produtivas sustentáveis. Foi nesse sentido que recentemente conquistamos uma importante vitória, representada pelo Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Extrativismo (PRODEX) (...)."

O Prodex foi apresentado por mim, pelo Prefeito Jorge Viana, pelo Governador do Estado do Amapá, pelo Secretário de Planejamento do Estado de Rondônia e pelo Deputado Confúcio, de Rondônia, por entidades do movimento social e pelo Conselho Nacional dos Seringueiros à diretoria do Basa, sendo que hoje ele está regulamentado por decreto assinado por Sua Excelência o Senhor Presidente.

      "Com relação ao tema das estradas, a partir deste referencial, venho me posicionando contrariamente à noção de estrada como mero "corredor de exportação". Entendemos que as rodovias hoje se colocam como necessidade de um programa de transformação da realidade regional e como um elemento maior de desenvolvimento regional sustentável, capaz de contribuir para a melhoria das condições de vida das parcelas populacionais deserdadas pela ocupação promovida pela pecuária extensiva, o latifúndio, o desmatamento e a política de terra arrasada empreendida pela extração irregular de madeira.

      A pavimentação das estradas federais no Acre modifica completamente as condições de acesso e exploração dos recursos naturais na região. Abre possibilidades para novos deslocamentos de população, acelera o comércio de terras, coloca em contato próximo e permanente populações indígenas e não-indígenas até agora relativamente isoladas.

      As condições atuais da economia regional, da sociedade e do Governo demandam intervenções planejadas, caso contrário, a pavimentação, ao lado de evidentes progressos, pode trazer também impactos desastrosos.

      As responsabilidades do Governo Federal não se resumem à exigência de obediência à legislação ambiental. O Relatório de Impacto Ambiental é instrumento necessário, porém insuficiente para minimizar os impactos negativos e potencializar os impactos positivos da pavimentação. É necessário que seja desenvolvida uma política regional, com ações de curto, médio e longo prazos, para garantir que a estrada seja elemento constitutivo de um desenvolvimento integral e sustentável.

      Em função disso, pensamos que ações básicas quanto às estradas deveriam compreender quatro aspectos:

      a) Regularização fundiária: os títulos de propriedade não correspondem à ocupação efetiva da terra. É especialmente preocupante a situação de milhares de famílias de seringueiros, que não têm garantias de posse ou propriedade das terras que ocupam há várias gerações. É necessário proceder a estudos para uma revisão, o mais rápido possível, da titulação hoje existente, a fim de evitar conflitos futuros.

      b) Demarcação e regularização das áreas indígenas: existem diversas aldeias nas áreas de impacto imediato. Muitas estão com processo de demarcação e regularização interrompido há anos. Nas cabeceiras dos rios Envira e Tarauacá existem até mesmo tribos nômades parcialmente ainda não contactadas.

      c) Apoio à economia rural e florestal: a migração para as cidades tem sido intensa. O extrativismo e a agricultura, tal como praticados hoje, têm sérias dificuldades para se viabilizar economicamente. Necessitam de financiamento, tecnologia e processamento industrial ou semi-industrial.

      d) Exploração madeireira: as estradas podem se transformar apenas numa rota de exploração predatória da madeira. É preciso garantir que a legislação do manejo florestal seja efetivamente cumprida através de uma fiscalização e um controle eficazes.

      Entretanto, os instrumentos do Governo Federal para a execução dessas políticas estão fragilizados. É necessário estruturar e equipar órgãos como Ibama, Incra, Funai, Embrapa e Basa, para que possam dar suporte ao novo ordenamento do território e aos programas de desenvolvimento."

Quero fazer aqui um alerta. Tive informações de que a agência do Basa do meu Estado está fechada, inclusive está sendo leiloada, e de que há concordância por parte da agência central no Estado do Pará. Entrarei em contato com a Drª Flora Valadares para fazer apelos para que a nossa agência seja mantida, porque ela é fundamental para o desenvolvimento do nosso Estado.

      "Não se pode desconhecer ou desprezar a importância das administrações municipais, das organizações não-governamentais, das instituições de pesquisa, das associações, cooperativas e sindicatos. O governo deve aproveitar a experiência dessas instituições e estimular sua participação no planejamento e execução das ações.

A partir dessas considerações, proponho:

      1. O EIA-RIMA: Que as obras tenham continuidade nos trechos acordados com o Ibama, simultaneamente à elaboração do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental para toda a área a ser pavimentada, conforme determina a lei. Que o Governo Federal, através do Ibama-MMA, preste toda a colaboração necessária à elaboração rápida e apropriada do EIA-RIMA. O Estado do Acre possui instituições independentes e capacitadas para coordenar esses estudos de maneira a garantir que a mitigação dos impactos redundem em garantias ambientais, que deverão propiciar a melhoria das condições de vida e de produção para as populações que serão atingidas pelas estradas;

      2. PROGRAMA DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: Que o governo federal tome as medidas necessárias à viabilização de um programa de desenvolvimento sustentável no Estado, que acompanhe a pavimentação da BR-364 no trecho até Cruzeiro do Sul, a exemplo do PMACI (Plano de Proteção do Meio Ambiente e das Comunidades Indígenas) e também à luz das propostas do PRODESAP (Programa de Desenvolvimento do Vale do Acre e Purús). Este programa proveria as prefeituras e comunidades ao longo da estrada para fortalecer os impactos positivos das rodovias."

Ou seja, ao invés de impactos negativos da obra, como degradação ambiental, expulsão das populações das suas tradicionais colocações, estaríamos potencializando a ação dos prefeitos no sentido da melhoria e da qualidade de vida dos seus munícipes.

      "3 - COMISSÃO: formação de uma Comissão constituída por organismos governamentais (federal e estadual e municipais) e não-governamentais para o acompanhamento tanto das obras de pavimentação quanto do planejamento e execução dos programas de desenvolvimento. Esta Comissão deve recolher todos os estudos realizados no sentido de retomar a elaboração do Zoneamento Ecológico-Econômico da região.

      Nesta concepção, não tem medida os benefícios que um programa rodoviário poderia trazer para a região. No entanto, é preciso que se criem e se desenvolvam mecanismos de controle social das condições sob as quais se processará a sua construção.

      É preciso dizer ainda a Vossa Excelência que o atual Governo do Estado, de uma forma irresponsável, tem ameaçado as próprias estradas que tanto diz defender, tomando iniciativas irregulares, conforme denúncias correntes de que os processos licitatórios e a execução das obras não têm obedecido à legislação e aos princípios éticos, morais e de transparência. Somado a isso, o recente embargo às obras tornou evidente irregularidades também quanto à legislação ambiental.

      A imediata resolução do impasse criado pelo embargo, evitando assim o tensionamento entre a população que necessita da pavimentação das estradas e os órgãos ambientais e demais setores interessados, pode ser o caminho para uma solução adequada a todos."

No final, manifesto ao Presidente da República, mediante esse documento, o quanto pode ser importante a ação do Ministério do Meio Ambiente, o quanto pode ajudar na coordenação do estudo sobre impacto ambiental. Dessa forma, as populações não seriam prejudicadas pelo cumprimento da lei ambiental, que é correta e justa. Caso contrário, essa exigência legal poderá ser apresentada apenas como relatório de fachada, sem que seja executada realmente.

Acredito que o Ministério do Meio Ambiente, através do IBAMA, juntamente com a sociedade organizada, pode fazer com que o relatório de impacto ambiental possa contribuir para o desenvolvimento do nosso Estado.

Essas sugestões estarei levando para uma audiência com o Ministro do Meio Ambiente, no sentido de mostrar que o nosso posicionamento é favorável não à construção da estrada por si só, mas à estrada acoplada a um plano de desenvolvimento do nosso Estado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/07/1996 - Página 11564