Discurso no Senado Federal

ANALISE DA PARTICIPAÇÃO DA DELEGAÇÃO BRASILEIRA NA CONFERENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE ASSENTAMENTOS HUMANOS, O HABITAT II, EM ISTAMBUL, NA TURQUIA.

Autor
Coutinho Jorge (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PA)
Nome completo: Fernando Coutinho Jorge
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO.:
  • ANALISE DA PARTICIPAÇÃO DA DELEGAÇÃO BRASILEIRA NA CONFERENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE ASSENTAMENTOS HUMANOS, O HABITAT II, EM ISTAMBUL, NA TURQUIA.
Aparteantes
João Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 12/07/1996 - Página 11916
Assunto
Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO.
Indexação
  • ANALISE, CONFERENCIA INTERNACIONAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), PAIS ESTRANGEIRO, TURQUIA, DEBATE, ASSENTAMENTO POPULACIONAL, ZONA URBANA, CRESCIMENTO, POPULAÇÃO URBANA, INSUFICIENCIA, URBANIZAÇÃO, SANEAMENTO BASICO, TRANSPORTE COLETIVO, SANEAMENTO AMBIENTAL.
  • OBJETIVO, CONFERENCIA, DEFINIÇÃO, PLANO DE AÇÃO, RESPEITO, DIREITOS HUMANOS, HABITAÇÃO, ASSENTAMENTO POPULACIONAL, ZONA URBANA, LEGALIDADE, DESPEJO, NECESSIDADE, COOPERAÇÃO, AMBITO INTERNACIONAL, MANUTENÇÃO, ORGANISMO INTERNACIONAL, ORGANISMOS REGIONAIS, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO, PARTICIPAÇÃO, ESTADO, SETOR PRIVADO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), SOCIEDADE.

O SR. COUTINHO JORGE (PSDB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no último mês de junho, foi realizado em Istambul, na Turquia, a Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos, o Habitat II.

Para esse grande encontro mundial, esta Casa designou cinco Senadores como delegados do Senado e como membros da delegação brasileira. Além deste Senador, participaram os Srs. Senadores Iris Rezende, Lúcio Alcântara, Esperidião Amin e Júlio Campos.

Tentarei, de forma bastante sucinta e didática, apresentar as linhas preliminares do relatório que essa comissão está apresentando à consideração do Senado Federal. Quero lembrar também que o Senado Federal criou, em função da importância desse grande encontro mundial, em março do corrente, a Comissão Temporária para acompanhar os preparativos dessa grande reunião. Dela participam nove membros, inclusive a nossa Presidente atual. Na última sessão do Senado Federal, foi aprovada a prorrogação do funcionamento dessa Comissão para que ela atue até 31 de dezembro e possa discutir o que é mais importante de tudo isso; um projeto de lei que debata a política urbana para o País.

Quero lembrar também que há vinte anos foi realizada a primeira grande conferência mundial sobre assentamentos urbanos em Vancouver, no Canadá, onde se definiu a necessidade de se discutir políticas urbanas para os vários países. A grande recomendação de então era exatamente a necessária participação dos habitantes no planejamento, na construção e na gestão dos assentamentos urbanos.

Passados vinte anos, no entanto, os especialistas, avaliando o que se passou, chegam a algumas conclusões que mostram que a problemática urbana em âmbito mundial em muitos casos piorou. Os problemas se agravaram.

Temos consciência de que a urbanização é um fenômeno irreversível no século XX e faz com que a maioria das populações dos vários países do mundo passe a viver nas cidades.

O Brasil, só para dar um exemplo, na década de 40 tinha uma população urbana em torno de 25% de sua população total.

Hoje, temos mais de 75% e no ano 2000 cerca de 80% da população brasileira será urbana. Não podemos esquecer que o problema da habitação é sério. Não só a ausência, a falta de habitação, mas sobretudo a qualidade da habitação é um problema sério, sobretudo nos países em desenvolvimento como o Brasil. A problemática ligada aos transportes coletivos é muito grave e muito séria. Além disso, o grande problema ambiental se dá muito mais nas cidades, sobretudo em relação às poluições aéreas, hídricas etc. A ausência de saneamento básico - água, destinação final do lixo e esgoto sanitário - é um problema gravíssimo não só do Brasil, mas na maioria das grandes metrópoles e cidades do mundo.

As Nações Unidas, em função dessa realidade, de Vancouver para cá, decidiu pela realização do segundo grande encontro mundial, a Habitat II, que, ao lado de outras grandes reuniões, como é o caso da Conferência Rio 92, das grandes conferências realizadas em Viena, Cairo, Pequim, Copenhague, vem analisando problemas globais, visando a procurar indicadores das várias realidades que afetam a humanidade e tentar, junto com os países e a sociedade civil desses países, encontrar estratégias e caminhos para a solução desses graves problemas mundiais.

Nesse sentido, a conferência Habitat II teve como objetivo maior a formulação de um plano de ação capaz de orientar, nas primeiras duas décadas do próximo século, os esforços nacionais e internacionais, visando a melhorar os assentamentos urbanos; além de definir a participação importante dos vários segmentos afastados do processo decisório em muitos centros urbanos do mundo.

O Sr. João Rocha - Permite V. Exª um aparte, nobre Senador Coutinho Jorge?

O SR. COUTINHO JORGE - Concederei o aparte a V. Exª logo após dar o encaminhamento sobre a conferência, com todo prazer.

A assembléia decidiu que essa conferência deveria se concentrar em dois temas fundamentais: os assentamentos urbanos sustentáveis do mundo e urbanização e habitação adequada para todos.

É bom lembrar que todas as reuniões das Nações Unidas exigem reuniões preparatórias para que os países possam discutir os temas relevantes e tentem chegar a um consenso em relação às problemáticas, mas sobretudo em relação às políticas que deverão ser implantadas a nível mundial. Nesse sentido, tivemos reuniões preparatórias em Nairobi, Genebra e, a última, em Nova Iorque.

Rapidamente, tentarei sintetizar os aspectos da conferência em si. Em primeiro lugar, é bom lembrar que toda conferência das Nações Unidas tem, além da conferência formal, oficial, uma série de eventos paralelos muito importantes, realizados antes ou durante a conferência.

Com relação à Habitat II, realizada em Istambul, houve quatro grandes grupos de conferências paralelas: a primeira foi a Assembléia Mundial de Cidades e Autoridades Locais, realizada nos dias 30 e 31 de maio, portanto, antes da conferência; o Fórum de Parlamentares para a Habitat II, realizado em 31 e 1º de junho; os Diálogos do Século XXI, com a presença de grandes especialistas mundiais, que ocorreu no período de 4 a 10 de junho; e o Fórum Paralelo das Organizações Não-Governamentais, cujas reuniões aconteceram durante a grande conferência.

O programa oficial, iniciado no dia 3 de junho, presidido pelo Presidente da Turquia - a conferência foi inaugurada pelo Secretário-Geral da ONU, Boutrus-Ghali -, definiu passos muito importantes. Além dos aspectos organizacionais do encontro, ficou definido que, naquela oportunidade, seriam discutidos os assuntos ligados à situação dos atuais assentamentos urbanos em todos os países, um programa Habitat que sintetizaria objetivos, princípios e compromissos que as nações assumiriam naquele grande encontro e, sobretudo, um plano de ação que seria implantado pelos países que aprovassem essas teses.

O Sr. João Rocha - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. COUTINHO JORGE - Vou apenas concluir o raciocínio.

Esse plano de ação contaria com a participação das autoridades locais, do setor privado, das entidades não-governamentais, dos parlamentares, no conhecimento dessa problemática urbana e sobretudo a implementação desse grande plano de ação.

Vou conceder o aparte, lembrando que, em seguida, irei tecer considerações sobre o desenvolvimento das várias reuniões e as decisões mais importantes aprovadas por consenso naquele grande encontro de Istambul.

O Sr. João Rocha - Nobre Senador Coutinho Jorge, estava eu em meu gabinete, ouvindo o pronunciamento de V. Exª sobre a conferência recentemente realizada - na qual V. Exª teve presença marcante - para tratar dos problemas básicos da humanidade. A nossa preocupação é exatamente trazer soluções para os nossos problemas, que são tão pequenos. Falo pequenos, porque tivemos o grande defeito de nascer grande. Somos um país de 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Neste instante, vejo a Senadora Marina Silva nos olhando, talvez querendo dizer aquilo que queremos falar. A região que V. Exª representa, que a Senadora Marina Silva representa, que o Senador José Bonifácio, aqui ao meu lado, representa, é a maior em área territorial. Na mesma proporção, tem também uma grande miséria. Talvez porque o País, que é tão grande, se restrinja ao Sul e ao Sudeste. Será que vale a pena ser um país tão grande? Será que vale a pena defender a unidade nacional, enquanto o Sul e o Sudeste nos consideram como pária. Por que pária? A Amazônia é pária porque ela não produz. Ela mantém o pulmão do País e não está gerando nada. Então, o que vale a Amazônia para a atividade produtiva do País? Aquele cidadão que decide, em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, em resumo, na Região Sudeste, não tem a dimensão verdadeira de que representamos 46% da área territorial do País. Percebo que o nobre Senador está muito preocupado. E V. Exª que tem uma bagagem tão grande da realidade, como ex-Prefeito de Belém, como ex-Secretário de Planejamento do Estado do Pará, e aí me pergunto - pois sou humilde Senador do Estado de Tocantins - o nosso Estado do Tocantins tem uma área territorial de 287 mil quilômetros quadrados; e o que é o Tocantins? É um Estado que tem uma área maior do que muitos Estados do Sul e Sudeste do País. O que ele faz? Ele mantém a integridade ecológica, mantém aquela preocupação da defesa da ecologia do País, mas mantém um povo miserável, um povo humilde, que não dispõe de um serviço educacional nem de saúde eficientes. Aí vejo que entre nossos amigos, nossos irmãos do Sul, como V. Exª tocou no assunto, uma polêmica fundamental, e importante. Há cidadãos que defendem as macrocidades, os pólos de desenvolvimento vão ser necessários às macrocidades, como São Paulo, que possui hoje - para V.Exª ter uma dimensão - 4 milhões de miseráveis. Vamos dimensionar isso por varejo: o que são 4 milhões de miseráveis em São Paulo? É a população de Goiás e Tocantins. Quando vejo aqueles teóricos defendendo que a saída para a humanidade está na macrocidade, me faço uma pergunta e peço o raciocínio de todos nós: se defendemos a macrocidade, por que Tocantins tem que ser uma unidade federada do País? Se Tocantins fosse um Estado independente, teria a maior reserva mineral do País. Eu diria a V. Exª que o Tocantins, dentro de uma pesquisa estimativa da Vale do Rio Doce será, a partir de 1997, o primeiro produtor de ouro do País, a um custo 60% menor do que o ouro que hoje a Vale do Rio Doce extrai em Serra Pelada. Logo, este País tem um grande defeito, porque é grande, e a maioria dos brasileiros não tem noção da geopolítica, da geoeconomia do País. Então, V. Exª que participou desse Congresso tão importante para o País e para o mundo, temos que trazê-lo para a realidade do Brasil. O Tocantins, hoje - dentro do contexto, esquecendo essas macrocidades que aqueles teóricos defendem -, seria um grande Estado, o maior produtor de grãos do mundo em área territorial, porque o Tocantins tem hoje a grande reserva de várzea do País. E para viabilizar essa reserva de várzea, digo a V. Exª que o dispêndio de recurso seria muito pequeno, seria só de US$200 milhões. Tenho certeza absoluta que no intercâmbio comercial seria muito pouco para o Japão e para a China Comunista saber que hoje o País todo produzindo onze milhões de toneladas de arroz, só o Estado do Tocantins, com investimento de US$200 milhões poderia produzir cinco milhões de toneladas de grãos. Então, digo a V. Exª que temos que sair da teoria e começar a partir para a prática. Vejo a Senadora Marina Silva que conseguiu junto ao Presidente Fernando Henrique viabilizar recursos de US$20 milhões junto ao BASA por meio do FNO.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy) - Perdão, Senador João Rocha, se V. Exª se entusiasmar muito pelo aparte, sobrará pouco tempo para que o orador conclua o seu pronunciamento da tribuna. Regimentalmente, o aparte tem uma limitação de tempo. V. Exª sabe disso.

O Sr. João Rocha - Sr. Presidente, o assunto é muito importante. Eu gostaria de citar o exemplo da Senadora Marina Silva, que é da nossa Região. O Senhor Presidente da República ficou empolgado, porque a Senadora Marina Silva conseguiu US$20 milhões para que aqueles empresários da Região Norte do País - não os do meu Norte, mas os do Norte de S. Exª - gerassem projetos auto-sustentáveis na Região Amazônica. Nesse aspecto, percebemos como somos incompetentes nesta Casa. O Banco da Amazônia administra mal o nosso recurso. Fiz um relatório, que, inclusive, distribuí aos nossos Colegas Senadores, para mostrar-lhes que os recursos do BASA são mal distribuídos na Região Amazônica. Acompanho o FNE e o FCO e percebo que uma migalha empolgou a Senadora Marina Silva. O nosso Presidente, o nosso aliado, realizou uma grande festa no Palácio do Planalto, liberando US$20 milhões para as empresas auto-sustentáveis da Amazônia. Eu gostaria de dizer a V. Exª que o Norte do País é composto por sete Estados - o meu Estado está presente nesse contexto. Temos muitas coisas a fazer por Tocantins, pelo Acre, por Roraima, pelo Amapá, por Rondônia, por Manaus, mas, lamentavelmente, estamos assumindo um comportamento das macrocidades, das macroeconomias, esquecendo-nos de que se formos viabilizar, nobre Senador Coutinho Jorge, as soluções das grandes cidades, temos de transportar este País para micropaíses.

Muito obrigado a V. Exª.

O SR. COUTINHO JORGE - Senador João Rocha, comungo de suas inquietudes, o que mostra que este País precisa não só de uma política de desenvolvimento regional justa, mas também de uma política urbana que resolva problemas gravíssimos como o do momento atual: 113 milhões de pessoas urbanas vivem no Brasil, 75 milhões não possuem esgoto sanitário, 20 milhões não possuem água encanada e 60 milhões não possuem coleta de lixo, só para dar idéia de três grandes indicadores.

Além disso, é irreversível o processo de urbanização no mundo e no Brasil. O Brasil praticamente já está chegando a 80% da população na área urbana.

Então, nesse aspecto, centraliza-se a nossa preocupação de que a problemática urbana é irreversível em nível mundial e, particularmente, em nível dos países subdesenvolvidos como o Brasil. Temos que definir políticas que tentem enfrentar essa problemática e minimizar os seus efeitos negativos, como me referi. Mas as suas inquietudes são pertinentes. Concordo, como homem daquela região, de que mereceriam por certo um grande debate, que talvez, em parte, fuja do escopo do meu pronunciamento.

Volto ao que dizia. As reuniões oficiais desenvolveram-se em três grandes fóruns: o Plenário Oficial, o Comitê 1 e o Comitê 2. No Plenário Oficial aconteceram as reuniões mais importantes em termos das personalidades lá presentes. Chefes de Estado manifestaram suas inquietudes. Houve também naquele fórum o Encontro em que se premiaram as iniciativas consideradas as melhores do mundo. A experiência brasileira foi uma das 12 selecionadas pelas Nações Unidas entre as 100 experiências lá apresentadas. Refiro-me àquela realizada em Fortaleza, Ceará, por uma ONG, um trabalho importante que já foi debatido na Comissão Temporária do Senado Federal.

O Comitê 1 foi aquele responsável pela discussão dos documentos fundamentais do grande Encontro, ou seja, a Declaração de Istambul e a Agenda Habitat com o plano de ação que deverá ser seguido por todos os países signatários.

Esse Comitê enfrentou uma série de dificuldades. Questões já resolvidas foram levantadas pelos países asiáticos islâmicos e tiveram de ser novamente debatidas.

Devo dizer que, dentre os temas objeto das discussões mais importantes, destacam-se aqueles que se referem ao direito à habitação e às obrigações de responsabilidade dos governos na solução dos problemas específicos dos assentamentos urbanos. Esse foi um tema importantíssimo, além, é claro, do assentamento urbano implantado de forma sustentável nas várias regiões do mundo.

Outro tema importante diz respeito às formas inovadoras de cooperação internacional para os assentamentos urbanos. Foi também feita uma revisão do papel do Centro do Habitat, que hoje é em Nairóbi, África.

É importante salientar que o Brasil foi agraciado com uma nova sede, que será implantada este ano na cidade do Rio de Janeiro, onde se vão discutir os assuntos relativos ao Habitat na América Latina.

Também quero referir-me ao terceiro grande fórum: o Comitê 2, que foi o responsável por recolher as teses e propostas apresentadas nos fóruns paralelos, aos quais já me referi anteriormente. A forma de participação representou uma inovação internacional, pois a sociedade civil organizada, todas as entidades que participaram daquele encontro puderam ser ouvidas nos vários fóruns paralelos e, posteriormente, essas teses foram sintetizadas e encaminhadas para o grande debate no Comitê 2.

Para que V. Exªs tenham uma idéia da importância desses encontros, quero dizer que, do Comitê 2, além, é claro, das várias Organizações Não Governamentais, participaram e levaram sua contribuição representantes de associações internacionais e autoridades locais, como prefeitos de várias cidades do mundo.

Também estiveram presentes o fórum das empresas, o fórum das fundações, o fórum dos parlamentares, o fórum de academias de ciência e engenharia e o fórum dos profissionais e pesquisadores, como também o fórum sindical, que levou a sua grande declaração relativa à ação global para moradia e para emprego, além do fórum destinado aos vários sistemas das entidades que compõem as Nações Unidas.

Não vou me alongar, pois estamos encaminhando o nosso relatório e vamos discuti-lo exaustivamente durante o segundo semestre, no plenário da Comissão Temporária. Ela teve o seu período prorrogado para que pudéssemos discutir uma política urbana de interesse para o Brasil.

Os pontos polêmicos apresentados nesse grande Encontro resumidamente foram: família, endividamento externo, comércio e a transferência de tecnologia como elementos relevantes para o assentamento urbano e, sobretudo, o direito à moradia, um tema altamente polêmico e favoravelmente resolvido pelas delegações.

Particularmente, a delegação brasileira teve um papel relevante, porque coordenou a parte relativa ao direito de moradia de forma muito inteligente e sutil.

A atuação da delegação brasileira nos encontros oficiais e paralelos foi altamente positiva. Deram a sua contribuição efetiva não só os parlamentares ali presentes mas também as entidades não-governamentais e os representantes de prefeituras e governos estaduais.

Tivemos, no dia 3, uma reunião com a primeira-dama do País, D. Ruth Cardoso, que discutiu com toda a delegação brasileira. Nessa oportunidade, pudemos mostrar as nossas inquietudes.

A participação da delegação brasileira foi exemplar. Talvez a delegação brasileira tenha sido a mais harmônica: parlamentares, membros do Governo e entidades ambientalistas discutiram os assuntos de forma coerente. Foi uma grande vitória do País, não tenho dúvida.

Em síntese, quero dizer que um dos resultados mais relevantes foi o documento, produzido pela Assembléia Mundial das Cidades, chamado Declaração Final sobre a problemática urbana mundial.

O Fórum Mundial dos Parlamentares assumiu o compromisso de que seus parlamentos discutiriam as teses, as estratégias ali adotadas, implantando-as por meio de políticas específicas a cada realidade. É um compromisso que temos, os Parlamentares do Senado e da Câmara que ali estivemos, de, dentro da nossa comissão e, posteriormente no plenário deste Senado e da Câmara, discutir o que chamamos de uma Política Urbana Global, que vai tratar da gestão urbana, da habitação, de saneamento urbano, de transporte coletivo, da problemática ambiental urbana, como subsegmentos fundamentais dessa grande política.

Informo que já há uma linha básica do Governo Federal, mas que, a partir dos compromissos que o Brasil assumiu em Istambul, temos, como parlamentares, o dever de discutir, de forma urgente, essa política urbana, para que, ainda este ano - se tudo leva a crer que haja o entendimento entre as duas Casas -, essa discussão se faça a nível global no País. Desse grande encontro mundial participaram vários segmentos da sociedade brasileira, voltados para a problemática urbana.

Teremos condição de discutir e aprovar uma política urbana para o Brasil que envolverá - claro - a problemática das grandes metrópoles, como São Paulo e Rio de Janeiro, mas também atenderá à problemática relacionada às pequenas e médias cidades.

Não tenho dúvida de que é um momento importantíssimo, oportuno para que possamos discutir esses temas relevantes para o Brasil. Não podemos continuar sem uma política urbana que envolva uma política de saneamento, habitação e transporte coletivo, fundamentais para superar problemas gravíssimos que afligem o nosso País e, particularmente, as populações que vivem nas grandes, pequenas e médias cidades.

Não vou considerar os aspectos mais técnicos das teses ali apresentadas. Quero voltar a concentrar-me nos resultados. Oportunamente - quem sabe na próxima semana -, poderei fazê-lo, mas quero dizer a V. Exªs que a nossa Comissão, a partir de agosto, ouvirá o Sr. Jorge Villenhein, que foi Secretário-Geral Executivo Adjunto dessa grande Conferência, que nos vai trazer a síntese dessas grandes decisões. Ele é um grande planejador urbano, participou desse Encontro e será o primeiro grande companheiro que participará da fase final da comissão do Senado que vai discutir essa política.

Quero, sinteticamente, fazer uma avaliação final de pontos positivos resultantes do Encontro.

A conferência foi polêmica, e somente na madrugada do dia quatorze houve um consenso possível entre as delegações na tentativa de aprovar o documento final, que é a Declaração de Istambul e o Agenda Habitat, ou seja, o grande plano de ação.

A polêmica foi em função de problemas ligados a alguns conceitos que envolviam interesses islâmicos, católicos e de outros grupos. No final, entretanto, o bom-senso de todos fez com que se chegasse a um consenso razoável. Lembro que nas reuniões da Nações Unidas não há votação, porque a aprovação do documento tem de ser por consenso, mesmo que haja ressalvas, como ocorreu.

Entre as grandes conquistas daquele Encontro, tivemos como pontos positivos:

1 - a reafirmação universal do direito à moradia como um dos direitos humanos fundamentais;

2 - a afirmação de que os despejos forçados só devem ocorrer em última instância, de acordo com a lei, com respeito aos direitos humanos dos desalojados e com medidas compensatórias para resolver a sua situação;

3 - a reafirmação dos direitos humanos como elementos indispensáveis à consecução do desenvolvimento sustentável dos assentamentos urbanos;

4 - a confirmação da necessidade de cooperação internacional na esfera dos assentamentos urbanos;

5 - a sobrevivência e o provável fortalecimento do centro das Nações Unidas, na África, em Nairóbi, sobre assentamentos urbanos, e a sua regionalização por toda a terra, no sentido de termos instrumentos institucionais e operativos, como o que será instalado no Rio de Janeiro, para discutir essas grandes políticas, essas grandes propostas de interesse não só do Brasil, mas do mundo.

O Sr. João Rocha - Permite-me V. Exª um parte, nobre Senador?

O SR. COUTINHO JORGE - Se a Presidência me permitir, concedo a palavra mais uma vez ao Senador João Rocha.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy) - Eu solicitaria a V. Exª, Senador João Rocha, que fosse breve em seu aparte.

O Sr. João Rocha - Nobre Senador Eduardo Suplicy, penso que a tese que defendemos neste momento é a mesma de V. Exª: temos que buscar para o País uma solução que integre a sociedade, aquele volume expressivo dos desprezados, dos que não participam da receita, dos que não participam da cidadania. Vejo a empolgação do Senador Coutinho Jorge e retroajo ao pronunciamento do Senador Eduardo Suplicy, que preside esta Casa neste momento, quando S. Exª defendeu a renda mínima. Confesso que não dei muito valor, não me preocupei naquele momento, não me aprofundei naquilo que S. Exª estava defendendo e na dimensão do seu projeto. Vejo que o Brasil cresce na concentração de riqueza. Se analisarmos a última e a penúltima década, veremos que não crescemos nada na divisão de riqueza, na divisão da defesa do ser humano. Hoje, quando V. Exª, Senador Coutinho Jorge, expressa-se nesta Casa, trazendo um tema tão importante, quero dar uma dimensão muito maior, mais profunda. Não se resolve o problema de um país com as partículas, estas têm que fazer parte de um todo. E esse todo, chego à conclusão de que é a distribuição honesta e sincera da riqueza. O Plano Real está em vigência há dois anos. Sou um aliado do Presidente da República, mas me preocupa muito ver aqueles teóricos que não buscam solução, que não buscam a realidade. V. Exª, entretanto, retorna dessa conferência, afirmando que todo cidadão tem direito à habitação e à cidadania. Eu defendo a cidadania, mas vejo que hoje temos que sair do teórico e partir para o prático, que é buscar a solução na distribuição equânime da riqueza nacional. Não considero ideal nem essencial a forma e o modelo que temos hoje. Quando V. Exª fala que temos que aprofundar e buscar soluções práticas e objetivas para resolver o problema social do País, concordo com V. Exª, porque estamos cheios de teorias, de projetos, mas há pouca prática, poucas soluções. Há aquela expressão latina, que diz res non verba, ou seja, coisa não é palavra. Estamos, pois, cheios de palavra e com pouca ação. Gostaria que, neste momento, esta Casa, o Senado da República, começasse a aprofundar a discussão de soluções para o País, não ficando apenas na teoria, nobre Senador Coutinho Jorge. Tenho por V. Exª uma grande admiração e um grande apreço. Vejo que a participação de V. Exª neste Congresso é muito importante, como também é importante a preocupação do Senador Eduardo Suplicy de buscar uma forma prática para viabilizar aquilo que defendemos na teoria. Esta Casa, que representa 155 milhões de brasileiros, deve começar a sair das palavras, daquela preocupação teórica. Precisamos ser práticos, buscando soluções. Tenho certeza de que V. Exª, de que o Senador Eduardo Suplicy e de que a maioria desta Casa querem soluções para o País. Vamos ficar na seguinte tese: res, non verba - expressão que aprendi quando estudante ginasial -, ou seja, "fatos, não palavras". Muito obrigado pela oportunidade do aparte.

O SR. COUTINHO JORGE -  Senador João Rocha, agradeço suas colocações, mas lembro que a sua inquietude maior, com a qual concordo, é a de que o Brasil é o País da mais desigual distribuição de renda em nível mundial.

Gostaria de lembrar do seguinte dado: os 10% mais pobres recebem 0,8% da renda nacional, e os 1% mais ricos recebem 15% da renda nacional. Essa é uma disparidade brutal!

E não há dúvida alguma de que o grande problema, em nível mundial, entre outros, diz respeito ao desemprego. Como V. Exª colocou, o desemprego é uma realidade inquestionável não somente no Brasil, mas no mundo inteiro.

Estive em uma reunião em Bruxelas - apenas para dar um exemplo -, como representante do Parlamento Latino-Americano, juntamente com outros Parlamentares brasileiros, num encontro com o Parlamento Europeu, portanto, de países altamente desenvolvidos. Quando levantamos a nossa inquietude quanto ao problema do desemprego no Brasil, eles ironizaram.

Segundo Deputados alemães e italianos, na Europa desenvolvida haverá gerações inteiras que se formarão e não trabalharão.

Quando falei em 6%, 7% de desemprego, eles riram.

A Espanha está com 20% de desemprego e a perspectiva é aumentar, pelo simples dilema e contradição de que, à medida em que a tecnologia se incrementa, há desenvolvimento, mas há geração de desemprego. Trata-se de um ciclo, como o que ocorreu durante a Revolução Industrial, quando houve muitos desempregos. É a readaptação do ciclo econômico.

Mas o Brasil é um País grande - como V.Exª considerou - com potencialidades imensas de desenvolvimento; basta uma política coerente, que tente redistribuir a renda, uma política de desenvolvimento econômico, social, regional e urbano.

Como discutimos nesse Encontro, o nosso País é viável, tem possibilidades de resolver o problema de desemprego; a Europa desenvolvida, não, pois chegou ao topo e, conseqüentemente, tem pouquíssimas possibilidades de resolver esse problema gravíssimo.

O Brasil é um País grande, importante e tem potencialidades excepcionais. Cabe a nós, brasileiros, Parlamentares, homens públicos, lutar para definirmos políticas globais, regionais, justas, que superem ou reduzam a má distribuição de renda, que permitam a geração de emprego e que mudem a realidade injusta, não só do campo, como também da cidade, que ainda degrada a realidade brasileira.

Com essas considerações, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, encerro o meu discurso, lembrando que, oportunamente, farei um detalhamento maior dos grandes compromissos que o Brasil e todos os países do mundo assumiram nesse grande Encontro de Istambul.

Mas, após essa reunião, o mais importante não é a teoria, mas, sim, tentar conceber uma política urbana que tente, dentro de uma realidade brasileira, resolver os graves problemas urbanos e sociais que, infelizmente, ainda dominam a realidade brasileira. Esse é o nosso grande compromisso.

Esperamos que, no segundo semestre, o Governo brasileiro, juntamente com o Congresso Nacional e com a sociedade civil organizada, possa discutir uma política urbana global que possa resolver esses impasses graves, a fim de que possamos honrar os nossos compromissos assumidos na grande Reunião das Nações Unidas em Istambul. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/07/1996 - Página 11916