Discurso durante a 194ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

QUESTÃO DOS MENORES ABANDONADOS. COMENTARIOS A RESPEITO DO ARTIGO INTITULADO 'RUTH CARDOSO LANÇA AÇÃO PRO-CRIANÇA', PUBLICADO NA COLUNA COISAS DA POLITICA, DA JORNALISTA DORA KRAMER, DO JORNAL DO BRASIL, DE HOJE.

Autor
Romeu Tuma (PSL - Partido Social Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • QUESTÃO DOS MENORES ABANDONADOS. COMENTARIOS A RESPEITO DO ARTIGO INTITULADO 'RUTH CARDOSO LANÇA AÇÃO PRO-CRIANÇA', PUBLICADO NA COLUNA COISAS DA POLITICA, DA JORNALISTA DORA KRAMER, DO JORNAL DO BRASIL, DE HOJE.
Aparteantes
Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 14/11/1996 - Página 18403
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, MENOR, MENOR ABANDONADO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, CRIANÇA, ADOLESCENTE, PAIS.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, DORA KRAMER, JORNALISTA, PUBLICAÇÃO, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), REFERENCIA, INICIATIVA, RUTH CARDOSO, ANTROPOLOGO, COMBATE, ABANDONO, MENOR, PAIS.

O SR. ROMEU TUMA (PSL-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, vamos então manter a sessão. Vou fazer o meu discurso e espero que outros também ocupem os microfones até que V. Exª receba as informações desejadas.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Suplicy) - É possível que o Ministro esteja aguardando o término da sessão para encaminhar-me o documento, porque o Dr. Hugo Braga perguntou-me se a sessão já havia terminado. Acho que há uma certa preferência para que a resposta não seja lida em plenário. De qualquer maneira, estou aguardando as informações, que são de interesse não apenas da população de São Paulo, mas também de todo o Brasil.

O SR. ROMEU TUMA - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem ocupou esta tribuna o ilustre Senador Lúcio Alcântara, que se pronunciou a respeito do abuso do uso do álcool, inclusive por menores de 12 anos de idade. Recentemente, o nobre Senador Pedro Simon relatou um projeto na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional sobre tráfico e abuso com menores.

Tive oportunidade de levar ao conhecimento dos países que participaram da 65ª Assembléia Geral da Interpol o teor desse relatório, já que um dos temas principais da reunião daquele organismo de polícia internacional tratou dos crimes praticados contra menores. A propósito, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, brevemente estarei trazendo ao conhecimento desta Casa os resultados dessa Assembléia, da qual participei em cumprimento de missão oficial.

Quero, nesta oportunidade, falar sobre um dos mais graves problemas sociais e morais que enfrentamos, que nos humilha e envergonha: o abandono da infância. O Brasil, que acumula uma dívida quase impagável com os seus menores, tem cerca de 30 milhões de crianças em situação de carência, segundo estatísticas divulgadas pela imprensa. Nada menos do que uma Argentina vive aqui em estado de pobreza ou de miséria absoluta. No campo, desassistidos, meninos e meninas penam longas e desumanas jornadas de trabalho. Na cidade, entregues à própria sorte, perambulam pelas ruas, sem esperança e sem futuro.

São crianças sem família ou crianças que abandonaram a família tangidas pela fome, pela miséria e pelos maus-tratos. São as vítimas indefesas das mazelas sociais vividas por nossa sociedade neste final de milênio. Elas pagam o preço do desemprego, da violência urbana e rural, do crescimento desordenado das cidades e da falência quase completa da assistência básica aos necessitados.

Desamparadas e carentes de provisões essenciais à sobrevivência, tornam-se alvo fácil de traficantes de drogas, exploradores do lenocínio, grupos de extermínio e criminosos de calibres diversos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, muitas violências vêm sendo praticadas contra os nossos menores. A maior delas - bem o sabemos - é fechar-lhes a única porta que lhes garantiria a passagem para o futuro. Sem dar-lhes acesso à escola, carimbamos-lhes o passaporte da prostituição, da cadeia e da morte.

Os números, Sr. Presidente, falam alto. Mais que falam: gritam. Há estatísticas que nos apontam como campeões mundiais de prostituição infantil. Seriam 500 mil crianças entregues ao comércio do corpo. Outras dizem que a cifra é 10 vezes menor do que se divulga.

Oito ou oitenta, uma coisa é certa: a prostituição nas áreas urbanas, principalmente nos locais onde circula muito dinheiro, é escancarada, oferecida até a quem não quer enxergar. Os pacotes turísticos vendidos a estrangeiros que visitam sobretudo o Nordeste incluem programas com meninas e meninos de até 12 anos de idade.

Aliado à prostituição, outro mal dá sua cruel pincelada no imenso painel que mancha o mapa do Brasil, colocando-o no rol dos países que sistematicamente desrespeitam os direitos humanos: é o assassinato de crianças e adolescentes.

Alguns episódios, como a chacina da Candelária, ganharam repercussão internacional. Pesou aí a magnitude do delito. Mas matar menores - marginais ou não - tornou-se algo banal, merecedor, quando muito, de uma curta nota na página policial de algum periódico sensacionalista.

Claro que a impunidade conta muito nesse estado de coisas. Sabe-se que não mais que R$40 são suficientes para contratar a morte de um menor indefeso, à mercê do humor dos fortes. Sabe-se também, Sr. Presidente, que 90% dos crimes cometidos contra crianças e adolescentes permanecem sem solução, convite tentador à continuidade dessas práticas ilegais.

Há mais. Vem aumentando assustadoramente a incidência de agressões contra crianças. Das 20.400 denúncias de maus-tratos que chegam anualmente ao conhecimento da Justiça, 13% referem-se a situações de abuso sexual. São 2.700 novas vítimas todos os anos. As meninas são as preferidas - 83% dos registros.

Pior: 62% dos casos ocorrem dentro da família. Metade dos abusadores são os pais ou padrastos. A outra metade fica por conta de tios, primos e irmãos. Esse tipo de violência, Sr. Presidente, tem um nome: é incesto, um dos mais sagrados tabus da civilização, que diferencia o homem dos animais e garante o equilíbrio fundamental de uma pessoa.

Afora a violência sexual, há a violência comum. O mais grave é que vem sendo praticada em casa, por familiares. Pai, mãe, padrasto, irmão, tios respondem por, pelo menos, 500 mil casos de agressões domésticas contra menores no País a cada ano. Desses, 150 só em São Paulo.

No Rio de Janeiro, há registro dramático. Nada menos que 63% dos homicídios dolosos contra menores de 12 anos foram de autoria de parentes próximos. Saiba, Senador Romero Jucá, que os motivos são aparentemente banais: criança que chora muito ou que desobedece a uma ordem, ou que chega atrasada, ou que tira nota baixa na escola.

Por fim, mas não menos importante, está o trabalho infantil. Na cidade ou no campo - e cada vez mais -, o trabalho de menores de até 5 anos é imperativo de sobrevivência. Em vez de saírem de casa para irem à escola, nossos infantes vão colher cana, tomate ou laranja; cuidar de carros em estacionamentos; carregar sacolas em supermercados.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, tenho dúvidas quanto à eficácia da proposta do Presidente Fernando Henrique Cardoso de proibir o trabalho de menores até 14 anos.

Saiu hoje, no Jornal do Brasil, à página 2 do primeiro caderno, matéria sobre o Programa de Ação Pró-Crianças, liderado pela Primeira-Dama, Dª Ruth Cardoso. Chamo a atenção dos Srs. Senadores para o artigo intitulado "Coisas da Política", de autoria da jornalista Dora Kramer.

O Sr. Romero Jucá - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ROMEU TUMA - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Romero Jucá - Senador Romeu Tuma, V. Exª trata de uma questão fundamental no País, sob diversos aspectos, que é o abandono da criança, implicitamente a falta de planejamento familiar, a falta de política social e os caminhos necessários para se buscar um redirecionamento da questão do trabalho e do tratamento da criança, enfim, do futuro do nosso País. Gostaria de fazer alguns comentários sobre um tema tão amplo e registrar alguns pontos que considero da maior importância. Em primeiro lugar, quero dizer que a criança, hoje, no País, é vítima, sob vários aspectos, desde que nasce. Tivemos, como exemplo, há poucos dias, um triste episódio, ocorrido no Estado de Roraima, onde as crianças, na maternidade, foram vítimas de bactérias, de maus-tratos, do desrespeito e da falta de compromisso de uma estrutura de saúde, que matou - já se sabe - cerca de 400 crianças de janeiro até agora. Além disso, não nos podemos esquecer dos assassinatos de crianças, de chacinas como o que houve na Candelária - e quantas "Candelárias" no País são desconhecidas! Na verdade, o pequeno infrator, o delinqüente, o menor que está nas ruas abandonado é vítima de uma violência diária que não consta dos dados policiais. V. Exª fala sobre políticas de compensação e de busca de solução. Gostaria de lembrar e de fazer um comentário a respeito dessa proposta do Governo: não vejo como solução a simples proibição do trabalho da criança. Isso seria desconhecer a realidade brasileira, não saber que famílias hoje passam fome e usam as crianças para complementar a renda. Acredito que o caminho deve ser percorrido no sentido inverso. Temos um grande exemplo a esse respeito, que foi dado pelo Governo do Distrito Federal e acatado pela Prefeitura de Boa Vista, que é justamente uma política de compensação de renda voltada para o setor da Educação. Se quisermos que as nossas crianças pobres freqüentem as escolas, temos de procurar caminhos alternativos, e não proibi-las de trabalhar; vamos ter de procurar políticas compensatórias, como a Bolsa-Educação, do Distrito Federal, ou outras soluções que efetivamente dêem condição e tempo para a criança estudar e a família não morrer de fome. Em muitas das famílias cujas crianças estão nas ruas, não há sequer o cabeça do casal, mas apenas a mãe com 4, 5, 6 ou 10 filhos, buscando, nas ruas, diariamente, a sua sobrevivência. Portanto, entendo a preocupação do Governo Federal e das políticas sociais, mas espero que as ações sociais estejam sintonizadas com a realidade das ruas e que levem em conta essas propostas - inclusive a do Senador Eduardo Suplicy, de renda mínima, que tramita nesta Casa -, as sugestões e as experiências de várias prefeituras e de vários governos. A meu ver, não é proibindo o trabalho das famílias que alcançaremos esse objetivo, mas implementando programas que dêem prazos e condições de socorrer os que necessitam. Esse é um assunto extremamente amplo. Creio que a Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal deveria propor um seminário para se discutir a questão do Programa de Crianças e procurar soluções para esses problemas, porque é tão ampla e complexa essa matéria que, na verdade, um ou dois pronunciamentos a respeito não a esgotam. Parabenizo V. Exª pelo seu pronunciamento e espero que surjam programas que mudem efetivamente a realidade do atual quadro social brasileiro.

O SR. ROMEU TUMA - Agradeço a V. Exª, que está sempre pronto a ajudar o orador com seus conhecimentos, com sua experiência.

Encontrei-me com V. Exª em Boa Vista, quando a Comissão do Calha Norte resolveu, como preliminar de missão recebida desta Casa, visitar a Maternidade dessa cidade, não no sentido de investigar ou apurar o que realmente aconteceu, porque já havia sido definida pelo Plenário a criação de uma Comissão Especial para a referida missão, da qual V. Exª fez parte.

Realmente, foram entristecedoras as explicações do médico. Contávamos com a presença de dois Parlamentares médicos na comitiva, Senador Carlos Patrocínio e Deputado Giovanni Queiroz. Estes tiveram a oportunidade de conversar com o corpo clínico e de apurar as causas do surto, que teve, como conseqüência, 36 mortes, se não me engano.

As reformas estavam sendo desenvolvidas, mas sempre ocorre o tal problema: "a tranca só é colocada depois de a porta ser arrombada"!

V. Exª tem razão também quando diz que não adianta apenas proibir o trabalho. Sabemos que a questão do menor não se resolve com medidas direcionadas a ele. É imprescindível incluí-las num pacote de providências que contemple a questão social como um todo. A criança é a vítima da brutal concentração de renda, da falta da reforma agrária, da ausência de uma política habitacional, dos ajustes de modernização da economia, do êxodo rural, do inchaço das cidades. Enfim, do drama social brasileiro.

Esse programa a que a Primeira-Dama, Dª Ruth Cardoso, vem-se dedicando vai discutir o problema da proibição do menor, além de procurar ressuscitar a figura do aprendiz, segundo o qual o menor, em tese - e esse artigo deve ser lido com mais calma -, estaria trabalhando para uma profissão futura, deixando de ir às ruas para usar o crack ou envolver-se com grupos de criminosos que os usam porque são inimputáveis na prática de delitos graves como o latrocínio, que tanto tem assustando as populações das grandes cidades brasileiras.

Olhar para esse problema é chegar à miséria e à ignorância, que prostituem e escravizam o ser humano de qualquer idade. Ignorá-lo é querer curar tuberculose com aspirina.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, diante do quadro dramático pintado com as cores da dor e do sofrimento de nossos infantes, não perguntemos por quem os sinos dobram. Eles dobram por nós.

Que expectativa pode ter de si mesmo um país que convive com 30 milhões de menores carentes? As crianças são a parcela mais indefesa da sociedade. Paradoxalmente - e aí reside a nossa insânia - são o futuro dessa mesma sociedade. O que fazemos hoje por elas determinará nossa cultura, nossa história e nosso porvir.

Não é necessário ter estudado Freud para saber uma verdade elementar. As experiências nos primeiros estágios de vida determinam o sucesso ou o fracasso nas outras etapas de desenvolvimento. Nada menos que 80% do amadurecimento do cérebro é alcançado até os dois anos de idade. Metade do desenvolvimento intelectual é estabelecido por volta dos quatro anos.

Assim, as crianças que sobrevivem às doenças evitáveis como diarréia, sarampo, tuberculose ou à violência das ruas pagam um preço alto pela teimosia. Sofrem de deficiências que lhes prejudicam o desenvolvimento físico e as sujeitam a danos permanentes, herança da desnutrição. Mesmo que os ventos da sorte soprem em outra direção, elas estarão irreversivelmente condenadas à ignorância e à miséria.

Sem educação adequada e sem oportunidade de ter uma vida decente, meninos e meninas pervertem-se. Tornam-se problema ao convívio social. Prova disso pode ser vista nos presídios: a esmagadora maioria da população carcerária brasileira está na faixa dos 20 anos. São homens e mulheres que se viram privados da infância, entregues precocemente aos desafios e mazelas da vida adulta.

O mais doloroso, Sr. Presidente, é que a saída para o problema depende mais de decisão política que de mudanças estruturais. Prova disso é a experiência do Governo do Distrito Federal, do Partido de V. Exª. A bolsa-escola paga um salário mínimo para a família carente que mantém o filho na escola. Os meninos saíram das ruas e foram para o lugar deles, os bancos escolares.

A solução, repito, depende de vontade política. Só com essa decisão inadiável se poderá resgatar a infância carente, ressocializá-la, integrá-la e educá-la. Fugir a esse desafio é investir no caos.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/11/1996 - Página 18403