Discurso no Senado Federal

ASSINATURA DE MANIFESTO AO POVO BRASILEIRO, INTITULADO 'A VALE DO RIO DOCE E O INTERESSE NACIONAL' ASSINADO EM MINAS GERAIS, CONTRARIAMENTE A VENDA DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE.

Autor
Junia Marise (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MG)
Nome completo: Júnia Marise Azeredo Coutinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • ASSINATURA DE MANIFESTO AO POVO BRASILEIRO, INTITULADO 'A VALE DO RIO DOCE E O INTERESSE NACIONAL' ASSINADO EM MINAS GERAIS, CONTRARIAMENTE A VENDA DA COMPANHIA VALE DO RIO DOCE.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/1996 - Página 18682
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • LEITURA, MANIFESTO, OPOSIÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), ASSINATURA, AUTORIDADE, LIDERANÇA, AMBITO NACIONAL, JUSTIFICAÇÃO, PREJUIZO, VENDA, EMPRESA ESTATAL.
  • LEITURA, OFICIO, PRESIDENTE, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), DESTINATARIO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), REFERENCIA, SIGILO, INFORMAÇÃO, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO.
  • DEFESA, PROJETO DE LEI, AUTORIA, JOSE EDUARDO DUTRA, SENADOR, OBRIGATORIEDADE, AUTORIZAÇÃO, SENADO, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD).
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE RESOLUÇÃO, AUTORIA, ORADOR, OBRIGATORIEDADE, APRECIAÇÃO, SENADO, EDITAL, ALIENAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), ANALISE, DOCUMENTAÇÃO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES).

A SRª JÚNIA MARISE (PDT-MG. Como Líder, para uma comunicação. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nasceu em Belo Horizonte, através de um ato realizado na Câmara de Vereadores, com a presença de várias lideranças políticas do nosso Estado, como o ex-Vice-Presidente Aureliano Chaves, algumas autoridades e lideranças militares, sindicalistas, Vereadores, Deputados, um manifesto que foi assinado inclusive pelo ex-Presidente Itamar Franco e também pelo Presidente José Sarney e que está sendo assinado por todas as lideranças representativas da sociedade.

Nesta oportunidade, gostaria de ler este "Manifesto ao povo brasileiro", que tem como título "A Vale do Rio Doce e o Interesse Nacional":

      "O Presidente da República, sem ouvir a sociedade e sem consultar o Parlamento, decidiu vender as ações ordinárias da Vale do Rio Doce que asseguram o controle público sobre uma das mais importantes empresas nacionais, e das primeiras do mundo no setor de mineração.

      Podemos definir a Vale - disse o Sr. Francisco Schettino, Presidente da Companhia, em depoimento à Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados - como uma empresa que trabalha com recursos naturais e logísticos de transporte. Opera em 9 Estados diretamente ou através de suas empresas controladas e 26 coligadas. Os negócios a que esse conglomerado se dedica são a exploração do minério de ferro, manganês, ouro, bauxita e caulim; operação dos sistemas interligados mina-ferrovia-porto, no Pará, no Maranhão, em Minas Gerais e no Espírito Santo; navegação transoceânica; atividades nas áreas de peletização, siderurgia, ferro-liga e alumínio; manejo de maciços florestais para produção de madeira, celulose e papel.

      A Vale custou aos brasileiros mais do que os investimentos financeiros. Ela foi criada pelos Acordos de Washington, que estabeleceram a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, com o envio da Força Expedicionária Brasileira à Itália e o tributo de sangue de nossa gente naquele conflito. Conforme esses convênios assinados entre o Brasil, a Inglaterra e os Estados Unidos, o nosso País reassumiu, há mais de meio século, o pleno controle sobre as jazidas minerais de Itabira - que era contestado pela Itabira Iron - e iniciou a construção da grande empresa de economia mista.

      Não há argumento que justifique a transferência de seu controle acionário, conforme confessa o próprio Presidente do BNDES, ao anunciar o propósito de aliená-la.

      "É uma usina integrada, líder no mercado brasileiro. É competitiva no mercado internacional. Não dá prejuízo. Tem um nível de atividade excelente - é moderna e atualizada tecnologicamente".

      A Vale do Rio Doce é conquista política e técnica dos brasileiros. Seu patrimônio maior são suas jazidas que não podem, dentro dos recursos técnicos de medição de hoje, ser avaliadas com exatidão, a par da inteligência operacional, construída pelos seus engenheiros e administradores".

Ainda neste manifesto:

      "Segundo a avaliação disponível, pretendem transferir o controle acionário da empresa por menos de 10 bilhões de dólares. Isso é muito menos do que valem as suas instalações portuárias e suas duas grandes ferrovias.

      Não procede o argumento de que a privatização da Vale é necessária para resolver o problema do Tesouro. O déficit público tem registrado somas mensais equivalentes à prevista na alienação da empresa. Não temos uma Vale do Rio Doce para ser privatizada todos os meses.

      Por tudo isso, os cidadãos que assinam este documento, conscientes de sua responsabilidade política na defesa do interesse do povo brasileiro, convocam a sociedade a fim de que manifeste sua firme oposição à transferência do controle acionário da Vale do Rio Doce a grupos privados.

      Dirigem-se sobretudo aos Senadores e Deputados Federais, representantes da vontade nacional, a fim de que, no exercício de seus deveres constitucionais, que são os de fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo, impeçam o imenso prejuízo econômico e o irreparável erro político que seria a privatização do controle acionário da Companhia Vale do Rio Doce".

Este manifesto, Sr. Presidente, que já está sendo assinado por várias e várias lideranças, a começar pelos ex-Presidentes Itamar Franco e José Sarney, pelo ex-Vice-Presidente Aureliano Chaves, além de lideranças militares e representantes da sociedade civil, contou também com o apoio e a manifestação de Dom Luciano Mendes, que representou a Igreja naquele ato de mobilização da sociedade contra a privatização da Companhia Vale do Rio Doce.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acrescentando a este manifesto, tenho em mãos um documento que considero da maior importância e da maior gravidade, uma correspondência dirigida ao Sr. Luiz Carlos Mendonça de Barros, Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, que foi assinada e encaminhada pelo Presidente da Companhia Vale do Rio Doce, Sr. Francisco José Schettino, que diz o seguinte:

      "Dirijo-me a V. Sª para tratar de assunto que reputo de extrema relevância para a companhia e seus acionistas. Refiro-me às informações que serão disponibilizadas no "data room" a iniciar-se no próximo dia 11 de novembro.

      Em cumprimento à legislação sobre desestatização, a CVRD - após tranqüilizar os seus diversos parceiros e associados com o argumento de que os dados seriam prestados unicamente às autoridades brasileiras - forneceu, em tempo hábil, as informações requeridas pelo BNDES através dos Consórcios responsáveis pelos serviços "A" e "B". E, ao fornecê-las, fez constar a indicação de "confidencial" nos documentos e informações que julgou cabíveis.

      Este procedimento, praticado em consonância com o disposto no item 19.2 do Edital PND/CN - 02/95, visou, na sua execução, não somente o atendimento da cláusula referida, como também a classificação das informações para a elaboração dos relatórios públicos e os de acesso restrito às autoridades, conforme esclarecimentos prestados por ambos os Consórcios e, inclusive, pelo BNDES.

      A razão básica e fundamental deste procedimento foi e permanece sendo a preservação da Companhia e de seus acionistas, uma vez que a divulgação de informações sigilosas pode, sem dúvida, acarretar prejuízos futuros à empresa.

      No entanto, o BNDES encaminhou à CVRD uma relação contendo o rol de informações que serão disponibilizadas no "data room", na qual consta uma série de informações/documentos que, a nosso ver, podem colocar em risco os negócios da Companhia e acarretar, por conseqüência, prejuízos a seus acionistas.

      Com efeito, duas ordens de questões estão a preocupar esta administração.

      A primeira refere-se ao dever legal de sigilo sobre qualquer informação que não tenha sido divulgada para o mercado e que seja capaz de influir na cotação de valores mobiliários. Como é de seu conhecimento, a CVRD é uma companhia aberta, que tem sua ações negociadas na Bolsa de Valores do País e está registrada junto a Securities Exchange Comission dos EUA, não podendo fornecer dados e ou informações privilegiadas, sob pena de incorrer em infração punível pela legislação de ambos os países."

Ainda nesta correspondência o Sr. Schettino diz o seguinte:

      "É notório que situações de venda de controle, em processos de privatização ou não, ocorridas no exterior, os níveis de "disclosure" de dados são realizados passo a passo, disponibilizando-se os de ordem estratégica somente ao final do processo, quando os verdadeiros interessados firmam compromisso de aquisição, sujeito a elevadas multas pelo descumprimento das obrigações assumidas."

Por isso, Sr. Presidente, Francisco José Schettino diz ao final:

      "Reitero a minha permanente disposição para identificar uma solução que, a um só tempo, satisfaça as necessidades de "disclosure", com vistas a obter os melhores resultados na venda..."

Na verdade, o Sr. Schettino está alertando a Direção do Banco Nacional de Desenvolvimento Social, cuja tarefa está afeta à publicação do edital de alienação da Companhia Vale do Rio Doce. Essa correspondência marca, acima de tudo, uma preocupação em razão das informações que deveriam ser consideradas sigilosas em qualquer processo de privatização e alienação de empresas estatais e que, certamente, estariam privilegiando possíveis compradores da Companhia Vale do Rio Doce.

Sr. Presidente, diante dessas informações, mais uma vez, consideramos ser de fundamental importância que o Senado da República assuma a responsabilidade de discutir, de analisar, de aprofundar e de verificar todos os dados e todas as informações que dizem respeito ao processo de alienação da Companhia Vale do Rio Doce. É importante, não apenas para o Senado Federal, mas principalmente para a sociedade brasileira, que todas essas informações e a avaliação a ser definida no próprio edital de alienação e privatização da Companhia Vale do Rio Doce sejam feitas com a maior transparência. O Presidente da República, qualquer integrante deste Governo e, particularmente, o Senado Federal não podem abrir mão dessa responsabilidade diante do nosso País.

Em todos os processos de privatização, sempre defendemos aqui que o Senado deve ter a oportunidade de opinar e de fiscalizar, de acordo com o art. 49 da Constituição Federal, que nos dá legitimamente essas prerrogativas para que possamos fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo e, principalmente, das empresas da Administração direta e da Administração indireta.

Se temos essas prerrogativas constitucionais, por que haveremos de abrir mão delas? Sr. Presidente, fica aqui a seguinte indagação: por que os responsáveis pelo programa de desestatização do Governo e o próprio BNDES resistem tanto a que essas informações venham para o Senado Federal a fim de que todos os Senadores possam se aprofundar na matéria e, acima de tudo, dirimir as suas dúvidas e analisar detidamente todos os dados e informações relativos à Companhia Vale do Rio Doce?

Sempre defendemos aqui, e continuaremos a defender, a aprovação do projeto do Senador José Eduardo Dutra. E agora apresentamos projeto de resolução que submete à apreciação do Senado Federal o edital de alienação da Companhia Vale do Rio Doce. Esse projeto define, entre outras coisas, que o Senado Federal terá 30 dias de prazo para examinar toda a documentação de posse do BNDS com a finalidade de alienar a Companhia Vale do Rio Doce. Após 30 dias, o BNDS terá ou não as condições legais para poder publicar o edital de alienação da CVRD.

Sr. Presidente, parece-me que nenhum dos Srs. Senadores se oporá à aprovação desse projeto, porque cada um de nós tem a consciência e a responsabilidade dos atos que praticamos.

Será que mesmo agora, que a sociedade brasileira se levanta, por intermédio de suas principais lideranças, contra a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, o Governo insistirá em manter o calendário de sua privatização? Será que o Governo se oporá a que o Senado Federal tenha a oportunidade de analisar as informações referentes à Vale e se deter nas avaliações feitas pelo BNDS sobre as empresas de mineração, os portos, as ferrovias, enfim, todo o patrimônio da Companhia Vale do Rio Doce?

Se o Governo assim proceder, deixará, sem dúvida alguma, a sociedade brasileira, o Senado Federal e o Congresso Nacional com grandes indagações: será que existe algo de que o País não pode tomar conhecimento? Será que existem interesses escusos ou preferências para a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, para entregá-la a este ou àquele grupo, estrangeiro ou nacional, a fim de que eles possam, amanhã, quem sabe - até mesmo os grupos estrangeiros -, conquistar o controle acionário da Companhia Vale do Rio Doce?

O que queremos, Sr. Presidente, é debater, discutir e analisar o edital de privatização da Vale do Rio Doce. Se não tivermos condições reais de admitir que esse edital contém as correções que deveria conter, certamente este Senado indicará ao BNDES todos os dados, todas as informações para que, mais uma vez, o Governo possa dar transparência às suas práticas, às suas atitudes e, principalmente, às ações que dizem respeito à privatização da Companhia Vale do Rio Doce. É por isso que, mais uma vez, insistimos na defesa da participação do Senado Federal, por meio do debate, nos atos de alienação e privatização da Companhia Vale do Rio Doce.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/1996 - Página 18682