Discurso no Senado Federal

DECLARAÇÕES DO SR. PIO GUERRA, NOVO PRESIDENTE DO SEBRAE, IDENTIFICADAS COMO MANIFESTAÇÃO EXPLICITA DE DISCRIMINAÇÃO E RACISMO CONTRA S.EXA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • DECLARAÇÕES DO SR. PIO GUERRA, NOVO PRESIDENTE DO SEBRAE, IDENTIFICADAS COMO MANIFESTAÇÃO EXPLICITA DE DISCRIMINAÇÃO E RACISMO CONTRA S.EXA.
Publicação
Publicação no DSF de 29/11/1996 - Página 19324
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, PIO GUERRA, PRESIDENTE, SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO AS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS (SEBRAE), DISCRIMINAÇÃO RACIAL, NEGRO, ESPECIFICAÇÃO, ORADOR.

A SRª. BENEDITA DA SILVA - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

      "No Congresso, nós sabemos como entra a coisa. Como sai, ninguém sabe. Entra uma fotografia da Marilyn Monroe e sai uma de Madonna. Madonna...foi boa a comparação. É uma coisa mais Benedita da Silva ou coisa assim."

Essa foi a declaração dada à imprensa pelo novo Presidente do Sebrae, Pio Guerra, durante entrevista coletiva hoje. Suas palavras causaram mal-estar profundo, inclusive entre os muitos jornalistas presentes e que posteriormente buscaram uma declaração minha, identificadas que foram como manifestação explícita de discriminação e racismo, feita por uma personalidade recém-eleita para representar os interesses dos pequenos e microempresários. Representam o que estamos tentando combater no seio da sociedade brasileira e que até pouco tempo atrás, mitificada por termos como "democracia racial", esgueirava-se entre labirintos e becos da mente e do comportamento: o racismo, a discriminação, o estereótipo, a ignorância.

Depois que passa a indignação, nossa reação foi no sentido de racionalizar o fato. A palavra realmente é força criadora. A palavra é mágica. Pode ser bálsamo ou veneno, alento ou desespero. Pode redimir ou condenar. A palavra é fragmento de expressão (muitas vezes inconscientemente proferida para além do seu enunciado), de pensamentos inconfessáveis, de medos paralisantes, de desejos da alma humana. A palavra busca comunicar aquilo que está mais próximo do que somos, busca materializar nossa energia pensante, busca representar-nos na tentativa de entendimento com o próximo. Não é instrumento fácil de usar. É multifacetada e complexa.

O que seriam projetos com cara de Marilyn ou de Madonna? Projetos delicados, puros, perfeitos, bonitos? Ou seriam projetos vazios, feitos para estrangeiro ver e aplaudir, distanciados da realidade brasileira, recheados de ingredientes importados de outras culturas que nada têm a ver com a nossa brasilidade, que nada tem a ver com as necessidades do nosso povo?

Seriam projetos carregados de mistério, de significados inexatos, dados à interpretações sub-reptícias? Ou, ao referir-se a Marilyn e Madona, estaria tipificada uma modalidade grotesca do erotismo masculino, na sua forma mais primitiva? Há um comportamento clássico, que é hoje objeto de estudo e estatística em pesquisas psicanalíticas: o prazer alcançado tão-somente a partir da mulher objetalizada.

O que são projetos com a cara da Benedita? Seriam projetos negros ou - quem sabe? - projetos cariocas? Femininos, representativamente populares? Seriam projetos humanistas, verdadeiramente identificados com a Nação?

A Filosofia, a Sociologia, a Ética nos mostram que hoje a luta pelo eros, pela vida, é uma luta política. Os modelos culturais impostos já não se enquadram nos debates civilizatórios, incapacitando aqueles que rançosamente os mantêm, em desrespeito às diferenças e, portanto, ao convívio democrático.

Se a intenção era levianamente fazer graça, ser moderno, ferir gratuitamente, tentar humilhar ou diminuir, pode ser que tal destempero acabe por atingir profunda e verdadeiramente aquele que a profere, como um bumerangue que atiramos e desaparece momentaneamente, mas que retorna certo e pode nos atingir.

A declaração dada foi lamentável, preconceituosa e demonstra a idéia de elites que realmente questionam a representação popular no Congresso Nacional. Isso atinge também a imagem do Congresso Nacional como um todo, pois critica a atuação dos Congressistas que modificam os projetos do Governo, e essa é uma atribuição constitucional.

Várias leituras da declaração podem ser feitas. Na concepção do novo Presidente do Sebrae, o Estado do Rio de Janeiro deve ser indigno de ter representação no Senado Federal, pois o mandato da Senadora Benedita da Silva estaria associado à desorganização.

Tenho certeza de que essa declaração não expressa o pensamento da direção do Sebrae, pois aqui sou uma defensora incansável daquela instituição e das pequenas e microempresas.

Quero dizer ao novo presidente do Sebrae que ele terá que conviver com a democracia, que garantiu a Marilyn Monroe, Madonna e Benedita da Silva o direito de exercerem sua cidadania.

Quero agradecer a benevolência de V. Exª, Srª Presidente. Eu não poderia deixar de me expressar, pois esta tribuna é o meu instrumento para, sempre que necessário, levantar a minha voz contra qualquer tipo de discriminação que possa atingir não apenas o Congresso Nacional, mas também a minha pessoa como cidadã brasileira.

A SRª PRESIDENTE (Emilia Fernandes) - Senadora Benedita da Silva, a Presidência solidariza-se com V. Exª, pedindo escusas por não ter concedido antes a palavra a V. Exª. Estávamos cumprindo o Regimento, em um processo difícil de votação.

Queremos crer que a declaração feita pelo novo presidente do Sebrae, Sr. José Pio Guerra - eleito com uma votação expressiva -, será melhor esclarecida, uma vez que não representa o pensamento do Sebrae.

Em nome do Senado Federal, pedimos que o Sr. José Pio Guerra faça um esclarecimento da sua manifestação à imprensa.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/11/1996 - Página 19324