Discurso no Senado Federal

RELATORIO DA VISITA DE S.EXA. A AFRICA DO SUL. LIÇÕES QUE O BRASIL PODERA APRENDER COM AQUELE PAIS, ESPECIALMENTE NO QUE CONCERNE A TEMATICA DA REELEIÇÃO PRESIDENCIAL.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • RELATORIO DA VISITA DE S.EXA. A AFRICA DO SUL. LIÇÕES QUE O BRASIL PODERA APRENDER COM AQUELE PAIS, ESPECIALMENTE NO QUE CONCERNE A TEMATICA DA REELEIÇÃO PRESIDENCIAL.
Aparteantes
Epitácio Cafeteira.
Publicação
Publicação no DSF de 14/01/1997 - Página 2115
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • COMENTARIO, VIAGEM, ORADOR, PAIS ESTRANGEIRO, AFRICA DO SUL.
  • COMENTARIO, OPOSIÇÃO, NELSON MANDELA, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, REELEIÇÃO, COMPARAÇÃO, OPINIÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Jefferson Péres, Srªs e Srs. Senadores, no último dia 27 de dezembro de 1996, encaminhei requerimento ao Presidente José Sarney no sentido de solicitar autorização para realizar missão política de interesse parlamentar e cultural na África do Sul, de 28 de dezembro de 1996 a 10 de janeiro de 1997, para visitar as cidades de Joanesburgo, Pretória, Sowetto, Cabo, Porto Elizabeth e outras.

Viajei de automóvel e com a assistência da Embaixada do Brasil. Procurei ter contatos com representantes do Executivo e do Legislativo para conhecer e compreender melhor o importante processo de transformação social por que passa a África do Sul, especialmente após o fim do apartheid, o que ocorreu durante o atual Governo do Presidente Nelson Mandela.

Voltei da África do Sul no último dia 10, sexta-feira passada, e gostaria, inicialmente, de agradecer a assistência que a Embaixada do Brasil a mim dispensou, por intermédio do Embaixador Oto Agripino Maia bem como do Ministro Orlando Galveas Oliveira, do Secretário Vilmar Coutinho e do Cônsul do Brasil, Fontinelli, na Cidade do Cabo, que procuraram dar-me toda assistência durante a viagem que fiz, por conta própria, com minha família.

Sr. Presidente, temos muito o que aprender com a África do Sul hoje, pois aquele país tem um paralelo com o Brasil. Como o nosso País, a África do Sul é bastante industrializada e apresenta extraordinários contrastes. Assim como o Brasil, encontra-se entre os países em que há maior disparidade de renda e de riqueza, ainda que sejam diversas as razões que levaram a África do Sul a ser tão desigual e a ter também uma economia dinâmica. Ela possui grandes recursos naturais, na forma de minérios como o ouro e outros, e forte agricultura, além de ter hoje a possibilidade de receber grande número de turistas - há enorme interesse por parte de pessoas em todo o mundo em conhecer as transformações sociais e política lá verificadas. Há, também, na África do Sul belezas naturais formidáveis. É interessante conhecer lugares como o Park Kruger, seus arredores e outros lugares onde se pode observar - de forma bastante preservada, devido ao grande cuidado nesse sentido - animais selvagens como leões, zebras, girafas, macacos, hipopótamos, rinocerontes, elefantes, antílopes e tantos outros, de forma organizada e bastante segura. Para quem não está acostumado a ver isso, é algo extraordinário.

Sr. Presidente, nessa visita à África do Sul, tive o cuidado de ler uma obra extraordinária do Presidente Nelson Mandela, denominada A Longa Caminhada em Direção à Liberdade - Long Walk to Freedom -, um livro que eu gostaria de recomendar a todos os membros do Congresso Nacional. Trata-se da história de vida de Nelson Mandela, hoje com 78 anos, que se dedicou inteiramente à luta pela libertação de seu povo, pelo fim do apartheid, pela criação de uma sociedade mais justa. Pude ali perceber porque Nelson Mandela é hoje um dos maiores estadistas vivos, uma pessoa tão querida e respeitada em seu país, bem como em todos os países do mundo, inclusive aqui no Brasil, onde foi recebido com grande carinho pelos brasileiros de todos os segmentos.

Interessei-me também por saber a natureza do diálogo entre o Presidente Fernando Henrique Cardoso, que retribuiu a visita de Nelson Mandela ao Brasil por ocasião de sua posse, e o Presidente Mandela, em novembro último, na África do Sul. Não sei exatamente o teor da conversa que tiveram privadamente. Mas, se o nosso Presidente teve o interesse de perguntar a Nelson Mandela a sua opinião sobre a reeleição, tema que hoje chama a atenção da opinião pública brasileira e do Congresso Nacional, certamente ouviu algo de grande relevância.

Ao fazer uma visita ao Parlamento da África do Sul, encontrei-me com a Senadora Tembeka Gamndana, membro do Congresso Nacional Africano, partido presidido por Nelson Mandela, e depois com o Senador Zimasile Wilton Mkwayi, companheiro do Congresso Nacional Africano e pessoa de grande afinidade com o Presidente Nelson Mandela - por 26 anos, Mkwayi também permaneceu preso na Ilha Robben, onde Nelson Mandela ficou a maior parte dos seus 27 de prisioneiro.

A Constituição da África do Sul, promulgada pelo Presidente Nelson Mandela em 10 de dezembro de 1996, explicita em seu art. 88, § 2º, que nenhuma pessoa pode exercer a presidência por mais de dois termos. Mas o Senador Zimasile Wilton Mkwayi revelou-me que Nelson Mandela, que poderia ser candidato à reeleição, conforme a Constituição, tomou direção em outro sentido. Contou-me o Senador Mkwayi que ele e alguns Senadores do Congresso Nacional Africano estavam considerando a hipótese de Mandela, que foi eleito com 80% dos votos e que continua muito querido, ser novamente candidato em 1999, quando termina seu mandato de cinco anos. Imaginaram, considerando que Mandela estará, então, com 80 anos, que poderia exercer a Presidência por um período aproximado de um ano, quando então renunciaria em favor do vice-presidente, que seria de sua total confiança. Mandela chamou Mkwayi a Pretória - lembro que a capital do Parlamento da África do Sul é Cape Town, enquanto Pretória é a capital administrativa, onde fica a sede do Executivo - para dizer-lhe que havia pensado muito a respeito do assunto. Lembrou que muitos presidentes e chefes de Estado em outros países africanos haviam feito de tudo para permanecer no poder, vindo depois, em função dessas ações, a se desgastar. Disse, assertivamente, que preferia concluir seu mandato com o povo querendo muito que continuasse.

Em outubro de 1996, Nelson Mandela anunciou publicamente que em dezembro de 1997 deixará seu cargo de presidente do Congresso Nacional africano e que em 1999 concluirá seu mandato de Presidente da África do Sul, não se candidatando à reeleição.

Perguntei à Senadora Tembeka Gamndana, também do CNA, se achava que havia pessoas capazes de suceder Nelson Mandela e realizar um bom trabalho. Ela respondeu que conhecia pelo menos cinco pessoas na África do Sul que poderiam exercer a presidência tão bem ou até melhor do que Nelson Mandela.

Certamente temos muito o que aprender uns com os outros. O Presidente Fernando Henrique Cardoso deveria ouvir com mais atenção as reflexões de Nelson Mandela do que as de Menem ou Fujimori.

Nessas duas últimas semanas, a evolução dos fatos está a comprovar aquilo que muitos dos Srs. Senadores vinham alertando, inclusive V. Exª, Senador Jefferson Péres, que ainda na última sexta-feira, justamente quando eu retornava da viagem - não dava tempo de chegar em Brasília para a sessão das 9 horas, mas, graças à TV a cabo e à TV Senado, pude acompanhar a sessão e o pronunciamento de V. Exª -, mostrava a preocupação com o desgaste do atual Governo e do Presidente da República. Da mesma forma, tantos outros senadores. O Senador Pedro Simon e o Senador Epitacio Cafeteira têm alertado para o desgaste fantástico que começa a ocorrer com o Palácio do Planalto, com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, com as tentativas de estar procurando convencer deputados federais ou senadores por formas que, antes, Sua Excelência mesmo condenava. Por exemplo, quando da Constituição de 1988, quando da definição de duração do mandato do Presidente José Sarney, era Fernando Henrique Cardoso quem escrevia artigos com nomes como É dando que se recebe, condenando práticas como as que agora ele próprio, o seu governo, está a realizar.

Aqui está a lição de Nelson Mandela. O Presidente Nelson Mandela, repito, em outubro passado, ainda que a Constituição, já elaborada nessa época pelos seus deputados e senadores e promulgada, em 10 de dezembro pelo Presidente Nelson Mandela, ainda que defina o direito de reeleição.

Diz o art. 88, § 2º: "Nenhuma pessoa pode exercer a presidência por mais de dois termos". Mas quando alguém é eleito presidente, o período entre essa eleição e a próxima não é visto como um termo; portanto, ali se permite a reeleição. Disse-me o Senador Zimasile Wilton Mkwayi, amigo de Nelson Mandela, que em seu diálogo com o Presidente Nelson Mandela, em outubro último, este havia dito que havia considerado candidatar-se novamente em 99, quando completará cinco anos de mandato, mas ponderou e disse ao Senador em questão que tinha observado o comportamento de diversos chefes de estado e presidentes em outras nações africanas - citou inclusive diversos presidentes e chefes de Estado -, mas que não desejava desgastar-se em função dessas ações, preferindo completar meu mandato com o povo querendo muito que ele continuasse.

Essa foi a decisão de Nelson Mandela. Em outubro de 1996, Mandela anunciou publicamente que em dezembro de 1997 deixará a Presidência de seu partido no Congresso Nacional Africano e, em 1999, concluirá o seu mandato, assumindo o compromisso de não se candidatar à reeleição.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Eduardo Suplicy?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra, Senador Epitacio Cafeteira.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Nobre Senador Eduardo Suplicy, o Presidente Nelson Mandela é um homem sofrido, aprendeu com o sofrimento, conquistou muita sabedoria e, quando toma uma decisão como essa, sabe que o importante e o que marca a vida das pessoas não é a maneira de entrar, mas a maneira de sair. É preferível sair, deixando saudades no povo, a sair escorraçado pelo povo. Precisa fazer história. Muitos dos defensores da reeleição pensam apenas no atual Presidente, como se a eleição fosse somente para presidente, como se ter um bom presidente fosse tão importante que não pudesse ele sair ou ser substituído. Mas esses mesmos se esquecem de que o preço de uma medida que permita a reeleição é o desmontamento de todo o sistema democrático neste País, levando todos os prefeitos deste Brasil enorme a lutarem pela reeleição e elegerem a mulher, os filhos, enfim, e passarmos a ter um caciquismo desenfreado neste País. É preciso que não se fulanize o processo e que verifiquemos como pode ser dada continuidade ao Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, se acharmos que este é bom. Mas, para isso, não se deve desrespeitar a Constituição, que juramos cumprir e defender. Na realidade, muitos querem continuar rasgando a Constituição. Não sou contrário à reeleição porque o Presidente da República é Fernando Henrique Cardoso, mas por uma questão de princípio. Lembro a V. Exª que fui o único Senador desta Casa a encaminhar contrariamente a votação da CPMF e a expor o motivo de assim proceder. O que aconteceu? Todos votaram favoravelmente à matéria referente à CPMF por que o Ministro que a defendia era Adib Jatene, um homem sério e capaz de resolver aquela situação. Hoje, não é mais Jatene, mas "já tinha"; não está mais no Ministério da Saúde, e a CPMF passa a vigorar a partir de agora. É isso que temos que entender. Temos que lutar por teses e discutir leis que tenham embasamento em teses verdadeiras. Não devemos fulanizar as votações. O defeito do Presidente da República é ouvir maus conselhos. Sua Excelência poderia ouvir, por exemplo, o Senador Jefferson Péres, que agora preside esta sessão, que é seu correligionário, um homem lúcido, entende o que é ética, o que é moral e como se deve proceder. O Presidente da República não deveria ouvir determinados áulicos, que, não tendo vivência política, só pensam em dar a impressão ao Presidente Fernando Henrique Cardoso de que é um imperador e, como tal, pode atropelar a convenção do PPB e, não satisfeito, atropelar também a convenção do PMDB, fazendo tudo da forma que bem entende. Penso que um mau conselheiro é ruim, principalmente para quem está num cargo como o de Presidente da República. Estou acompanhando o pronunciamento de V. Exª, muito elucidativo, sobre esse homem que também aprendi a admirar, que é Nelson Mandela.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Epitacio Cafeteira. Suas recomendações deveriam ser melhor ouvidas pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Se os partidos que formam a base governamental querem a continuidade daquilo que hoje representa o Governo Fernando Henrique Cardoso, há muitas pessoas de extraordinárias qualidades que estão na própria base do Governo, a começar pelo Vice-Presidente Maciel e pela plêiade de Governadores, dentre os quais o Governador Tasso Jereissati, Presidente do PSDB, ou o Governador Mário Covas, de São Paulo, e tantos outros.

Fico preocupado de o Presidente, com a sua atitude, estar, inclusive, inibindo tais pessoas de dizer que gostariam de aspirar à Presidência da República, porque o imperador, o príncipe, não admite outro que não ele, como se estivesse dizendo, tal como Fujimori e Menem, que ele é a única pessoa capaz de exercer bem a Presidência neste País de quase 160 milhões de brasileiros.

Diante de um homem extraordinário como Nelson Mandela, será que haveria hoje, na África do Sul, alguém capaz de exercer tão bem a Presidência, de conseguir superar impasses tão importantes e difíceis entre brancos, negros, africanos e indianos ali? Perguntei à Senadora Tembeka Gamndana se ela conhecia pessoas que poderiam exercer a Presidência tão bem quanto Nelson Mandela. Ela me disse que pelo menos cinco pessoas que conhece poderiam ser também tão bons, ela que é do partido, companheira da luta de Nelson Mandela, e que o admira tanto, disse-me que sim, embora a imprensa nem sempre os apresente como tal.

É claro que, entre os brasileiros, há outros capazes também de exercer bem a Presidência como Fernando Henrique Cardoso. Se ele tanta vontade tem de exercer a Presidência, pode até fazê-lo quatro anos depois, de acordo com a Constituição presente. Não precisa desgastar-se, a ponto de realizar aquilo que ele tanto condenava, quando aqui era Senador.

Ah! Presidente Fernando Henrique Cardoso, debruce-se mais sobre as reflexões do grande estadista Nelson Mandela!

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Jefferson Peres) - Senador Pedro Simon, além de o orador ter atrasado cinco minutos, o próximo orador, Senador Mauro Miranda, comunicou-me que tem um compromisso importante a cumprir. Por isso, peço a sua compreensão.

O SR. Pedro Simon - Sr. Presidente, se V. Exª me permite, devo dizer que S. Exª não deve se sentir na obrigação de falar. Se o compromisso for muito importante, aguardamos que S. Exª volte para falar depois.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Sr. Presidente, tenho a quase certeza de que o Senador Pedro Simon irá falar, ocasião em que terei a oportunidade de dialogar com S. Exª, uma vez que tenho a impressão que retomará o assunto da reeleição.

O SR. PRESIDENTE (Jefferson Péres) - S. Exª está inscrito para falar, Senador Eduardo Suplicy.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Por essa razão, Sr. Presidente, embora eu tenha muita honra em ser aparteado por S. Exª, vou obedecer a Mesa.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/01/1997 - Página 2115