Discurso no Senado Federal

HOMENAGENS AOS 150 ANOS DE NASCIMENTO DO POETA, TRIBUNO DAS LIBERDADES E ULTIMO GRANDE ROMANTICO, CASTRO ALVES.

Autor
Joel de Hollanda (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Joel de Hollanda Cordeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGENS AOS 150 ANOS DE NASCIMENTO DO POETA, TRIBUNO DAS LIBERDADES E ULTIMO GRANDE ROMANTICO, CASTRO ALVES.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Jefferson Peres, Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 05/04/1997 - Página 7087
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, SESQUICENTENARIO, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, ANTONIO DE CASTRO ALVES, POETA, ESTADO DA BAHIA (BA).

O SR. JOEL DE HOLLANDA (PFL-PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no último dia 14 de março completaram-se 150 anos do nascimento do grande poeta baiano Antonio de Castro Alves, na cidade de Curralinho, interior da Bahia. O último dos grandes românticos da poesia brasileira viveu apenas 24 anos antes de ser vitimado pela tuberculose, quando estava em Salvador. Passou boa parte de sua vida em Recife, mas esteve também no Rio de Janeiro e em São Paulo. No período em que viveu no Recife, Castro Alves escreveu 41 poemas. Foi a cidade em que ele mais produziu. São Paulo lhe deu inspiração para 24 poemas, inclusive Vozes d´África e Navio Negreiro. Em Salvador, ele compôs 17 poemas.

A obra de Castro Alves, contudo, não pode ser medida pelo número de peças literárias que ele produziu numa existência tão curta, entre 14 de março de 1847 e 6 de julho de 1871. As lutas sociais e políticas, transformadas em versos arrebatados, foram os temas que o tornaram popular, venerado por toda a gente, especialmente os jovens. Esses poemas incendiários propugnam contra o escravagismo, incentivam as lutas pela independência do País e auxiliam insurreições no estilo de Palmares e de outros tantos movimentos libertários. Castro Alves foi o grande poeta das liberdades.

Ao lado desse conteúdo explosivo para a época, devemos lembrar que seus versos foram quase sempre declamados em teatros, sacadas de edifícios, praças públicas ou nas chamadas grandes salas. Essa característica fez de Castro Alves o grande poeta-tribuno, e a cidade do Recife certamente foi o palco principal desses arroubos de patriotismo e alto nível de civismo. Além dessa característica, Castro Alves foi um romântico inimitável. Ele sofria da angústia do infinito, que lhe determinava um impulso sobre-humano para suprimir distâncias e limitações perante o desconhecido e os enigmas da vida.

Por essas razões, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a cidade do Recife também comemora o sesquicentenário de nascimento do poeta. Lá, ele viveu entre janeiro de 1862 e maio de 1867. Fez o curso anexo à Faculdade de Direito. Foi reprovado na primeira tentativa. Conseguiu aprovação na segunda vez, em fevereiro de 1864. Retornou à Bahia no ano seguinte e de lá voltou, em companhia de Fagundes Varela, para as festas de aniversário da instalação dos cursos jurídicos no Brasil. Em 1866, quando cursava o segundo ano de Direito, fundou uma sociedade abolicionista com Rui Barbosa, Regueira Costa, Plínio de Lima. Lançou, então, o jornal de idéias A Luz, origem de sua polêmica pela imprensa de Tobias Barreto. Em junho daquele ano, passou a residir numa cela do Convento de São Francisco, onde compôs, entre outras, a poesia "Horas do Martírio".

Em dezembro de 1866, Castro Alves divulgou, sem assinatura, no jornal O Tribuno, a poesia "O Povo ao Poder", que era um protesto contra a dissolução de um comício republicano.

Em abril de 1867, de uma das janelas da Rua do Imperador, o poeta improvisou versos de crítica à polícia, que havia espancado o estudante Torres Portugal - o que mostra a atualidade do pensamento de Castro Alves, quando assistimos também à polícia espancando cidadãos civis indefesos em São Paulo. Pois bem, ainda em abril desse ano, diante de um círculo de intelectuais reunidos no Teatro Santa Isabel, ele fez a primeira leitura da peça "Gonzaga ou A Revolução de Minas".

Em Recife, Castro Alves compôs o livro de poemas "Os Escravos", quando morava na Rua do Lima, em Santo Amaro. Em agosto de 1865, ele se alistou no Batalhão Acadêmico de Voluntários para a Guerra do Paraguai, apesar de jamais ter tido a intenção de lutar naquele conflito. Castro Alves deixou Recife, em definitivo, em maio de 1867, com destino a Salvador, na companhia de Eugênia Câmara. Lá, ele encenou, pela primeira vez, a peça "Gonzaga".

Na opinião de Afrânio Peixoto, "o entusiasmo de Castro Alves por Eugênia Câmara tomou decisão e resolução em 1866, quando a mocidade do comércio e das escolas se dividiu em dois grupos, sendo um partidário da atriz Adelaide Amaral, musa de Tobias Barreto, e outro apologista da também atriz Eugênia Câmara, inspiradora e, depois, amante do poeta baiano". As discussões públicas, verdadeiras tertúlias, terminaram por separar definitivamente Tobias Barreto e Castro Alves, que, antes, eram bons amigos.

Em verdade, Castro Alves veio para o Recife, em 1862, cumprir o destino da maioria dos "filhos de família" daquela época: estudar Direito. Mas não buscou esse objetivo, porque, no íntimo, sua vontade era outra. Ele preferiu namorar, fumar e fazer versos. As mulheres se apagaram como brasas de cigarro, mas os versos continuam vivos. Castro Alves permanece como um elo de ligação entre os adoradores da beleza sem preconceito. Somente uma poesia realmente sólida, densa, despojada pode sobreviver a gerações tão diversas.

O Sr. Josaphat Marinho - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOEL DE HOLLANDA - Com muita alegria, Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho - A Bahia lhe é grata pela voz de um dos seus representantes nesta Casa, pelo recordar da passagem de Castro Alves por Pernambuco. Pode assinalar-se, como V. Exª está fazendo, que boa parte da glória de Castro Alves é devida a sua presença em Pernambuco. Ali, ele viveu um período excitante de sua vida, que V. Exª tão bem descreve.

O SR. JOEL DE HOLLANDA - Agradeço com muita alegria o aparte que me acaba de fazer, nobre Senador Josaphat Marinho, e incorporo, com muita satisfação, as observações lúcidas e inteligentes com que me distinguiu. E eu diria, nobre Senador Josaphat Marinho: Pernambuco também se orgulha muito de ter sido hospedeiro desse grande poeta que foi Castro Alves.

Prossigo, Sr. Presidente: e a poesia de Castro Alves passou pelos simbolistas, parnasianos e modernistas. Vive até hoje, mais de cem anos após a sua morte. Esse poeta da liberdade, preocupado em viver com intensidade a sua vida, deixou sua marca indelével no improviso, feito de uma das janelas da Rua do Imperador, no Recife, em abril de 1866, em protesto contra o espancamento, pela polícia, do estudante cearense Torres Portugal. É o seguinte o improviso:

Moços! A inépcia nos chamou de estúpidos!

Moços! O crime nos cobriu de sangue!

Vós, os luzeiros do país, erguei-vos!

Perante a infâmia ninguém fica exangue!

      Protesto santo se levanta agora;

      De mim, de vós , da multidão, do povo;

      Somos da classe da justiça e brio,

      Não há mais classe ante esse crime novo!

      Sim! mesmo em face da Nação, da Pátria,

      Nós nos erguemos em soberba fé!

      A lei sustenta o popular direito,

      Nós sustentamos o direito em pé!"

Esse foi o improviso magistral, da janela de uma das ruas do Recife, mediante o qual o moço Castro Alves, já naquela época, Sr. Presidente, repudiava a violência da Polícia Militar contra jovens estudantes.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOEL DE HOLANDA - Com prazer, nobre Senador.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador Joel de Holanda, primeiramente, cumprimento-o porque, como tenho notado, ao longo do tempo em que somos colegas, V. Exª normalmente fala sobre temas mediante os quais pode mostrar sua sensibilidade para a realidade de injustiça social no Brasil. Noto que há uma consistência na escolha de temas que V. Exª traz à tribuna do Senado Federal, ora preocupando-se com as desigualdades sociais regionais, ora preocupando-se, como neste instante, com o desrespeito aos direitos à cidadania, aos direitos humanos. Dessa vez, invoca V. Exª a palavra tão bela do poeta Castro Alves, de quem recorda episódios de vida. Hoje temos, diante de um episódio como o de Diadema, a felicidade da divulgação pelos modernos meios de comunicação. Uma emissora levou ao ar o flagrante da violência, da tortura, da extorsão e do assassinato por PMs de populares em Diadema. Ao tempo de Castro Alves, não havia a televisão, mas a sua palavra era tão forte, tão bela, quando denunciava o espancamento de um rapaz em Recife, que provocou à época repercussão de natureza semelhante. Há pouco, o nobre Senador Jefferson Péres comentava o episódio de Diadema. Percebo que esse episódio está alcançando reação cada vez maior. Ainda ontem, nobre Senador Joel de Hollanda, telefonaram-me de São Paulo para informar que nas diversas favelas de São Paulo começa a haver um extraordinário movimento no sentido de que as pessoas que tantas e freqüentes vezes são espancadas pelo abuso de autoridades policiais se encorajem e denunciem o cotidiano de violência a que são submetidas. O episódio de Diadema não é isolado. Ainda ontem as emissoras de televisão, e hoje os jornais, denunciaram que cerca de 12 soldados e oficiais da PM, daqueles que agiram em Diadema, estavam indiciados em inquérito por violências que haviam cometido. Entretanto, a Comissão da Assembléia Legislativa, em visita à delegacia e ao distrito policial em Diadema, constatou que aqueles inquéritos estavam sendo arquivados em virtude do procedimento que normalmente ocorre na Polícia Militar. O Senador Jefferson Péres mencionou há pouco o projeto do Deputado Hélio Bicudo, que infelizmente no Senado Federal acabamos distorcendo. Eu gostaria que esse projeto tivesse sido aprovado da maneira como propôs inicialmente Hélio Bicudo. Mas, graças a Deus, esse episódio ganhou extraordinária repercussão, devido ao trabalho corajoso de um cinegrafista amador, com o seu aparelho de vídeo. As palavras de Castro Alves correspondem àquilo que foi também detectado pelo cinegrafista. Passadas tantas décadas, as palavras de Castro Alves, aqui trazidas por V. Exª, constituem uma força muito grande ao justo grito de justiça que ecoa de todas as favelas, não apenas da Grande São Paulo, mas de todas as cidades brasileiras.

O SR. JOEL DE HOLLANDA - Agradeço, com satisfação, ao nobre Senador Eduardo Suplicy pelo aparte que incorporo, com muita alegria, ao meu modesto pronunciamento.

Na verdade, nobre Senador Eduardo Suplicy, como nordestino, até porque trago na alma a marca das desigualdades, das injustiças que a minha região sofre, tenho pautado a minha presença no Senado com medidas que buscam alertar para essas injustiças, para essas desigualdades. Tenho tentado mostrar ao povo brasileiro os exemplos de homens e mulheres que procuraram também, ao seu tempo, denunciar essas injustiças, essas violações dos direitos humanos.

Na verdade, ao trazer o tema dos cento e cinqüenta anos de nascimento de Castro Alves, preocupei-me em salientar, sobretudo para os estudantes que estão freqüentando as galerias deste Senado, o exemplo de Castro Alves, ora denunciando a escravidão, ora denunciando as desigualdades sociais, ora denunciando a violência e a arbitrariedade da polícia da época. E é como se hoje ouvíssemos o eco de sua voz dizendo: "A lei sustenta o popular direito, nós sustentamos o direito em pé". Trata-se da afirmação do Estado de Direito, trata-se do alerta que faz Castro Alves, no sentido de que todos devemos defender o direito em pé, o direito de o cidadão ser respeitado na sua dignidade e, sobretudo, de não sofrer, como aquele estudante cearense sofreu espancamento da Polícia em Pernambuco.

Sr. Presidente, retomo o meu discurso para dizer que, com esse pronunciamento, quero associar Pernambuco às comemorações dos 150 anos de nascimento desse genial brasileiro, Antonio de Castro Alves, autor, entre outros poemas memoráveis, de "Vozes D´África" e "Navio Negreiro".

Sr. Presidente, há algumas décadas, no tempo em que ainda se elegia o príncipe dos poetas, fizeram um concurso entre intelectuais para saber qual era o mais belo verso da poesia brasileira. Resultado: "Auriverde pendão da minha terra", que pode ser lido na entrada da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro. Faço questão de juntar minha voz, de pernambucano, às homenagens e comemorações dos 150 anos de nascimento desse excepcional poeta, o tribuno das liberdades e o último grande romântico: Castro Alves.

O Sr. Jefferson Péres - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOEL DE HOLLANDA - Ouço, com satisfação, o nobre Senador Jefferson Péres.

O Sr. Jefferson Péres - Senador Joel de Hollanda, lamento que o Senado não tenha realizado uma sessão especial para homenagear o sesquicentenário do nascimento de Castro Alves, o poeta que se torna mais atual do que nunca, como disse o Senador Eduardo Suplicy, na medida em que foi uma constante em sua poesia a indignação contra a tirania, a iniqüidade e a defesa da liberdade e da justiça. Castro Alves foi um ícone da minha juventude. Seus versos ficaram na memória e hoje são moeda corrente no País. Quem nunca usou da tribuna, de um palanque num comício, que é a praça do povo, como Serra do Condor? Como esquecer o "Deus! Ó Deus! onde estás que não respondes?" - para clamar contra a escravidão -, o "Auriverde pendão da minha terra", que V. Exª acaba de relembrar, e o "Eu sou pequeno, mas só fito os Andes"? Enfim, como esquecer aquele homem genial, que morreu aos vinte e quatro anos? À vezes me pergunto o que não teria produzido se tivesse vivido ao menos mais vinte e quatro anos e que formidáveis poemas não teria produzido hoje, ante as injustiças que todos continuamos a assistir. Era isso o que tinha a dizer, pegando carona no seu discurso.

O SR. JOEL DE HOLLANDA - Agradeço a V. Exª pela gentileza do seu aparte e o incorporo, com muita alegria, a este pronunciamento. Na verdade, a figura de Castro Alves marcou não somente nós, pernambucanos e baianos, mas também toda a juventude, a qual continua marcando, em todos os recantos do País, pela força dos seus poemas, pela sua capacidade de denúncia, pela sua capacidade de mostrar e demonstrar que este País precisa, definitivamente, diminuir as suas desigualdades e injustiças. Tanta atualidade nos versos de Castro Alves nos faz meditar sobre a sua importância cada vez maior e mais presente em nossa sociedade.

Sr. Presidente, concluo dizendo que Pernambuco se sente extremamente envaidecido por ter tido em sua terra, durante algum tempo, a presença de Castro Alves, ora estudando, ora debatendo, mas sempre buscando, por intermédio do seu gênio e da sua poesia, construir um Brasil melhor para todos os brasileiros.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/04/1997 - Página 7087