Discurso no Senado Federal

CHEGADA A BRASILIA DA MARCHA DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA PELA REFORMA AGRARIA, PELO EMPREGO E JUSTIÇA. COMENTARIOS AO DOCUMENTO BASES DE UMA PROPOSTA DO PT PARA O DESENVOLVIMENTO AGRICOLA NACIONAL.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • CHEGADA A BRASILIA DA MARCHA DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA PELA REFORMA AGRARIA, PELO EMPREGO E JUSTIÇA. COMENTARIOS AO DOCUMENTO BASES DE UMA PROPOSTA DO PT PARA O DESENVOLVIMENTO AGRICOLA NACIONAL.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Junia Marise.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/1997 - Página 7864
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • PROXIMIDADE, CHEGADA, MARCHA, SEM-TERRA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), REIVINDICAÇÃO, REFORMA AGRARIA, EMPREGO, JUSTIÇA, ANIVERSARIO, VIOLENCIA, MORTE, TRABALHADOR RURAL, MUNICIPIO, ELDORADO DOS CARAJAS (PA), ESTADO DO PARA (PA).
  • ANALISE, CONFLITO, TERRAS, BRASIL, COMENTARIO, PROPOSTA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA, ALTERAÇÃO, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA.
  • COMENTARIO, PROPOSTA, REFORMA AGRARIA, PRE REQUISITO, INCENTIVO, AGROINDUSTRIA, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, INTERIOR, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, REVERSÃO, EXODO RURAL.
  • ANALISE, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA.

A SRª BENEDITA DA SILVA - (PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesta quinta-feira, 17 de abril, como todos sabemos, chega a Brasília a marcha dos trabalhadores rurais sem terra pela reforma agrária, pelo emprego e justiça. Os agricultores sem terra que, neste momento, marcham sobre Brasília trazem consigo mais que mãos calejadas pelo duro trabalho ou pela pele curtida pelo sol. Com seus pés andarilhos, caminha a esperança de milhões e milhões de brasileiros em luta por um pedaço de terra e por dignidade.

São momentos de intensa emoção. Cerca de dois mil participantes, procedentes de três colunas principais, originadas dos Estados do Espírito Santo e Minas Gerais; do Mato Grosso e de São Paulo, estarão reunidos amanhã, dia em que se completa o triste aniversário do massacre de 19 trabalhadores rurais em Eldorado, sem que nenhum responsável tenha sido punido.

Essa luta diz respeito a todos nós. A manifestação de hoje lembra também que, há mais de dois anos, os servidores públicos não têm reajuste salarial, que o desemprego e o arrocho são o fardo pesado de milhões de trabalhadores e que a violência policial é uma ameaça permanente aos setores mais pobres da população.

De fato, apenas 1% dos latifundiários possuem 46% das terras, e 65 milhões de hectares estão nas mãos de tão-somente 50 mil fazendeiros.

Enquanto isso, contabiliza-se a existência de um número próximo de 40 mil famílias de sem-terra, acampadas em territórios públicos ou inaproveitados ou, ainda, abandonadas pelo Poder Público à beira das estradas, submetidas ao desabrigo e à fome.

Num quadro como esse, não surpreende que se tenham registrado, apenas no atual Governo, quase mil conflitos no campo, acarretando a morte de mais de uma centena de trabalhadores rurais.

Por isso mesmo, a questão agrária constitui preocupação permanente do Partido dos Trabalhadores. O PT faz um chamamento a todos os brasileiros comprometidos com a soberania nacional, a democracia e os direitos fundamentais do povo para lutar pela reforma agrária, a defesa do emprego e dos direitos sociais e trabalhistas.

O documento "Bases de uma proposta do PT para o desenvolvimento agrícola nacional", analisando "a conjuntura agrícola-agrária nacional", tendo como origem o Núcleo Agrário da Secretaria Agrária Nacional do PT, resume as propostas consensuais acerca dessa relevante temática.

Propõe uma "profunda alteração dos instrumentos de política agrícola" e que se deve garantir a máxima integração de valor aos produtos gerados pela agricultura, pressupondo renovada concepção de desenvolvimento agroindustrial, para o qual venham a contribuir, de forma diferente, os agricultores de base familiar, "organizados coletivamente nos agregados pós-produção", que assim teriam o controle das fases de elaboração e transformação industrial da produção agrícola.

Como conseqüência dessa estratégia, espera-se dinamizar as economias das cidades interioranas, de pequeno ou médio portes, elegendo-as como fator de "alavancagem dos níveis de atividade" da área rural, em seu conjunto considerada.

Dependendo do "grau de inclusão social e da escala de incorporação dos efeitos econômicos", criam-se as condições propícias à interiorização do desenvolvimento socioeconômico nas áreas rurais, indispensável à melhoria da existência, nelas e nas áreas urbanas.

Não se trata de uma concepção estritamente funcional da agricultura e do setor rural em torno da resolução da problemática urbana, mas sim da convicção do papel preponderante da área rural nas soluções requeridas. No processo de desenvolvimento marcado pelo esgotamento da capacidade de absorção de trabalhadores nos grandes centros urbanos, a marcha para o interior reverte o percurso histórico da mão-de-obra em demanda aos grandes centros, e o processo migratório nômade, em direção às fronteiras.

Em tal contexto, torna-se imperativa a implantação de um programa massivo e abrangente de reforma agrária, com prioridade para as áreas antigas do País. Adequado aos princípios políticos defendidos pelos movimentos sociais, os assentamentos de trabalhadores, sobretudo nas suas regiões originais, oferecem vantajosas condições econômicas e ambientais.

Parece-nos desarrazoada a alegação de impraticabilidade de se promoverem assentamentos nos locais de origem, à conta de inexistir nessas áreas suficiente estoque de terra improdutiva. Esse entendimento, que ocorre também em setores progressistas, corresponde à aceitação passiva de que se consolide a grave distorção dos mandamentos constitucionais disciplinadores da questão, tendo como justificável a redução da função social da propriedade e sua expressão produtiva.

Solicito à Mesa que meu discurso seja transcrito na íntegra. Trata-se de um pronunciamento longo, mediante o qual aprofundamos a análise sobre reforma agrária e manifestamos o posicionamento do Partido dos Trabalhadores. Deixamos claro ainda que o Partido dos Trabalhadores não se está aproveitando dessa manifestação social, desse grande movimento nacional do Movimento Sem-Terra para colocar uma proposta de reforma agrária. Há muito propusemos essa reforma, há muito buscamos junto ao Poder Executivo e ao Governo Federal a possibilidade de fazer dessa iniciativa do Partido dos Trabalhadores uma referência para que o Governo possa implementar a política de reforma agrária.

Chama-me atenção esse momento. Não se trata apenas de uma marcha de cunho ideológico, como tentam colocar essa questão. É preciso entender o sentimento do homem e da mulher que nasceram para administrar essa propriedade chamada terra em condições igualitárias.

Tenho feito um esforço muito profundo para compreender a falta de diálogo e a maneira radical com que se tem tratado a questão dos sem-terra. Chamou-me atenção o fato de que talvez estivéssemos usando, segundo os nossos interesses, esse movimento; ou que o estivéssemos usando para esconder a nossa falta de política, atribuindo ao movimento uma manifestação radical, também partidária, quando na verdade não é.

Tive, no meu sentimento de cristã, a possibilidade de identificar nesse movimento algo que extrapola as propostas aqui colocadas pelo Partido dos Trabalhadores. Entendi que a luta pela reforma agrária é uma luta social, sim, mas é sobretudo uma luta de fé. Lendo o primeiro capítulo do Gêneses, refleti, segundo a minha concepção de fé, segundo aquilo em que acredito, sobre o fato de que Deus criou o mundo. Antes, a Terra era vazia e sem forma. Desde o momento da criação, Deus considerou a parte seca como sendo terra e lhe atribuiu valores: relva, ervas, frutos, animais, como aves e peixes. E Ele atribuiu valores sobre tudo o que estava sobre a terra, embaixo da terra, sobre o mar e embaixo do mar. Deus abençoou a criação, dizendo: Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei as águas dos mares; e na terra se multipliquem as aves e as sementes", e tudo quanto Ele tinha dado para a sustentação dos seres humanos.

E disse Deus também as mesmas palavras ao homem, naquele momento na figura de Adão. Deus o abençoou, também dizendo: "Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a face da terra e tenha domínio em tudo o que ela tem e no que ela produz".

Portanto, não se trata de uma questão ideológica, não se trata de uma questão partidária; trata-se pura e simplesmente do curso natural das coisas, da natureza, do relacionamento do homem e a mulher com a terra. É o nosso relacionamento com esse grande patrimônio do qual Deus, na Sua palavra, disse que teríamos que tirar nosso sustento. E não se dá de outra forma. Não conheço nenhum método criado por um cientista, por um político, economista, sociólogo ou antropólogo que não fosse esse de a natureza dar espontaneamente a nós tudo aquilo de que necessitamos.

E produzimos riquezas, palácios, mansões; temos grandes jardins e temos também uma marcha para a terra prometida. E ainda, refletindo sobre isso não sob viés ideológico ou partidário, fiquei pensando sobre a marcha para a terra que emana leite e mel. Lembrei-me de um grande homem, um grande profeta, Moisés, o homem que marchou para a terra de Canaã. Olhando para os sem-terra que marcham para o Planalto, que vêm de cidade em cidade, às vezes recebendo apoio, penso em como eles têm andado nesses longos dias. Em alguns momentos, encontram apoio; em outros, não. Ainda assim, vão, numa marcha de fé, de esperança, de renovação, em busca de uma nova Canaã, a terra prometida.

Vimos que naqueles agrupamentos em marcha desde o Egito havia uma concepção comunitária. Ali os homens se agruparam. Cada tribo tinha um representante para a decisão que fosse tomada em relação à terra a ser repartida.

Ora, o que os sem-terra estão fazendo é vir atrás dos homens que têm o dever de repartir a terra, para pedir que possa ser chamado um representante de cada segmento, de cada tribo, para participar desse processo de divisão da terra. Para nós, a função da terra não é apenas a de sobrevivência, mas a de vida. Por isso, é importante essa marcha, que é a marcha da paz, em direção a uma nova Canaã, prometida desde o princípio do mundo, desde Gêneses, quando recebemos, como seres humanos, o dever e o papel de nos multiplicarmos. Queremos encher a terra, desde que tenhamos condições de plantar, colher, comer, viver e ter lazer.

A Srª Júnia Marise - V. Exª me permite um aparte?

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte? 

A SRª BENEDITA DA SILVA - Com muito prazer, nobre Senadora Júnia Marise. Logo após, concederei o aparte a V. Exª, Senador Eduardo Suplicy.

A Srª Júnia Marise - Nobre Senadora Benedita, estou ouvindo atentamente o pronunciamento de V. Exª, quando propõe uma unidade nacional pela reforma agrária e na qual põe fé, acima de tudo a sua fé cristã, que certamente deverá ser a de todos os brasileiros num momento como este, em que estamos recebendo em Brasília a marcha dos Sem-Terra pela reforma agrária. É preciso observar que embora o Governo tente colocar esse Movimento dos Sem-Terra como algo fora dos padrões legais e da legitimidade constitucional do nosso País, com o intuito de jogar a opinião pública contra esses trabalhadores que têm como arma a enxada para plantar a sua terra, ou que desejam plantar a sua terra, sentimos que toda a sociedade do País está sensibilizada diante desse desejo, dessa vontade de se promover a justiça social, que começará exatamente com a reforma agrária. No passado, a reforma agrária era sempre vista como uma questão puramente ideológica daqueles comunistas que a pregavam para dar terra ao trabalhador. Hoje, constatamos que em todo o Brasil, em todas as regiões e em todos os segmentos da nossa sociedade há a convicção e a certeza de que a reforma agrária é uma necessidade para o País. Acima de tudo, é da maior importância que possamos promover a justiça social, começando exatamente por dar um pedaço de terra para que cada trabalhador e trabalhadora do campo possa plantar aquilo que vai alimentar a nossa população. Portanto, quero cumprimentar V. Exª por extravasar esse seu sentimento de convicção, compartilhando-o com a sociedade, o Governo e todos os segmentos sociais, de que podemos implementar o programa de reforma agrária com paz, serenidade, tranqüilidade, com a lei e com justiça social. Era este o aparte que queria trazer ao pronunciamento de V. Exª, agradecendo pela oportunidade de fazê-lo.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª, Senadora Júnia Marise, que, sem dúvida, enriquece meu pronunciamento. Não tecerei sobre ele maiores comentários pois meu tempo está quase esgotado e concederei um aparte ao Senador Eduardo Suplicy. V. Exª, Senadora Júnia Marise, já teve oportunidade de manifestar-se e sei que estaremos - pois a tarefa é de todos nós - marchando para o Planalto e dando ao Presidente da República as condições de que precisa, através de nosso apoio político, para fazer a reforma agrária.

Concedo o aparte ao Senador Eduardo Suplicy.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Eu queria apenas advertir a Senadora Benedita da Silva de que S. Exª dispõe de apenas um minuto. Temos vinte e seis Senadores inscritos, de forma que a Mesa será obrigada a ter cuidado com a observância do tempo destinado a cada um dos senhores oradores.

O Sr. Eduardo Suplicy - Feliz é a análise que V. Exª faz a respeito do significado e da importância da marcha pela reforma agrária, por justiça e emprego do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. V. Exª bem coloca o significado desse movimento pacífico, que chega amanhã a Brasília e já tem, inclusive, confirmada audiência com o Presidente da República, na sexta-feira à tarde, bem como audiência com o Presidente do Senado - e, obviamente, com todas as Srªs Senadoras e os Srs. Senadores - no Salão Negro, às 9h30min do mesmo dia. Até gostaria de fazer uma sugestão à Presidência do Senado: que, logo após a audiência que ocorrerá no Salão Negro, haja oportunidade de aqueles que marcharam por mil quilômetros - vindo do Sul, do Oeste, do Nordeste e de todas as regiões do Brasil - assistirem à sessão de sexta-feira próxima, quando, certamente, muitos Senadores gostarão de se pronunciar a respeito da presença desses trabalhadores. As palavras de V. Exª, Senadora Benedita da Silva, induzem-me a traçar um paralelo: a marcha, chegando aqui em Brasília, terá um significado de extraordinária relevância na História do Brasil. Poderá ter um significado tão importante quanto, por exemplo, o da marcha que Martin Luther King liderou no início dos anos 60, concluída diante do monumento de Lincoln, em Washington, quando então pronunciou o seu mais belo discurso: "I have a dream". Meus cumprimentos a V. Exª.

A SRª BENEDITA DA SILVA - Agradeço o aparte de V. Exª.

Sr. Presidente, gostaria que o meu pronunciamento fosse registrado na íntegra.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/1997 - Página 7864