Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM A MEMORIA DO EDUCADOR PAULO FREIRE.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A MEMORIA DO EDUCADOR PAULO FREIRE.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/1997 - Página 9172
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, PAULO FREIRE, PEDAGOGO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE).

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Senador Geraldo Melo, Srªs e Srs. Senadores, como já foi dito pela Senadora Benedita da Silva e pelo Senador Lauro Campos, nós, do Partido dos Trabalhadores, tínhamos grande estima, admiração, reconhecimento e respeito pelo extraordinário Professor Paulo Freire.

Deveria estar aqui conosco, prestando esta homenagem à sua memória, a Senadora Marina Silva que, infelizmente, se encontra, neste instante, no Ambulatório do Senado, recuperando-se de um problema de saúde. Estimamos a melhora de nossa querida Senadora Marina Silva. E aqui trago algumas reflexões que ela própria iria transmitir hoje sobre Paulo Freire.

Eleanor Roosevelt disse: "Ninguém pode fazer você se sentir inferior sem o seu consentimento." E Barbra Streisand: "Você tem que se descobrir, descobrir o que faz e acreditar nisso." Essas são algumas observações que Helen Exley organizou em "Mulheres-Os melhores pensamentos."

A Senadora Marina Silva estaria aqui dizendo como Paulo Freire pensava e falava com simplicidade; sentia e fazia as coisas com muita profundidade. Sua preocupação central era a liberdade da cidadã e do cidadão, conquistada de maneira consciente. A educação era sua principal arma. Não era a única, porque o amor ao outro nunca foi para ele um princípio superado.

Falou-se, discutiu-se e propalou-se bastante o seu método de alfabetizar, de encaminhar o processo formativo. Se estamos de acordo com seu método, não é o fundamental. Fundamental é o seu conceito de pessoa humana, que ele concretizava nas suas relações pessoais e profissionais, e terá que ficar como a sua maior lição educativa.

Na verdade, muito mais do que o método, Paulo Freire procurava ressaltar que ele tinha uma filosofia de educação. Conhecemos sucessos com essa forma de iniciar o processo educativo. Críticas houve ao seu método, mas nunca ouvimos nem fomos testemunhas de um conceito equivocado de relações sociais e afetivas, de um modelo de sociedade defendido pelo Mestre, amigo e companheiro Paulo Freire.

Que saudade! Mais um grande companheiro e um grande mestre que perdemos em nosso Partido, o PT. Espero que permaneça entre nós, que não esqueçamos seus ensinamentos e seu crédito dado ao nosso trabalho, no Partido dos Trabalhadores. Paulo Freire foi, em verdade, também, um dos inspiradores do PT. Ele foi um dos seus formuladores e um dos que, na primeira hora, estava conosco, com Lula, na organização do Partido.

Através dos escritos, o Professor Paulo Freire nos ofereceu mais de vinte obras, registrando o seu pensamento e suas experiências, que, para nós, passavam a ser grandes e efetivos ensinamentos.

Sobre o seu pensamento acerca do processo educativo, contamos com mais de trinta títulos entre nacionais e internacionais, ora discutindo suas idéias sobre a formação do educando, sua proposta de método de alfabetização ou mesmo relatando experiências baseadas nos seus ensinamentos.

A repressão política à sua contribuição e o longo afastamento que viveu de nosso País não o amedrontaram nem o impediram de permanecer na luta pela elevação do nível cultural de nossa população e de contribuir para que, através do conhecimento, os trabalhadores brasileiros obtivessem maior poder de intervenção na construção de uma sociedade onde devem se constituir o sujeito e o principal protagonista da história.

Uma ou muitas homenagens se constituem em recurso, com certeza frágil e insuficiente, mas se constituem em um dos instrumentos que podemos utilizar para fazer com que Paulo Freire permaneça mais presente no nosso quotidiano, no nosso carinho e no nosso eterno agradecimento.

Sr. Presidente, justamente nesta semana está presente em Brasília um número muito grande de secretários municipais de educação de todo o Brasil, bem como professoras e educadoras. Aqui estão algumas dessas pessoas, como Anita Curcar, Eliana da Silva Souza, Odair Marques da Silva, que é Secretário de Educação de Hortolândia, e Josélia Eliete Longato Fuídio, Secretária de Educação de Mogi-Mirim, todas entusiasmadas, emocionadas e falando de suas lembranças de Paulo Freire.

A professora Josélia, por exemplo, hoje Secretária de Educação de Mogi-Mirim, nos relatava, há pouco, como ela própria utilizou o método, a filosofia de Paulo Freire, ao lecionar e alfabetizar adultos no acampamento dos trabalhadores sem terra, no vizinho Município de Sumaré, e como aplicou o seu método. Já na primeira aula, pediu ela aos seus alunos, trabalhadores sem terra, que escolhessem algumas palavras que tivessem a ver com suas vidas. E os alunos escolheram, por exemplo, as seguintes palavras: luta, que tinha a ver com a luta pelo direito de trabalhar na terra; mina, justamente para significar toda a dificuldade de se encontrar água, eles precisavam encontrar uma mina para que pudessem ter água; terra, obviamente, e farinha, que é um dos seus principais alimentos, por exemplo a farinha de mandioca. A partir dessas quatro palavras, a professora os estimulava a pensar e contar suas histórias. O seu método, o seu procedimento era registrar por escrito a história de cada um deles e mostrar, no papel, a história, de tal maneira que essas pessoas pudessem não só aprender a ler, mas também a pensar no sentido de cada palavra, de tal maneira que, ao pensar em sua história, pudessem também pensar em como transformar suas próprias vidas, para alcançar a cidadania plena.

Esses mesmos alunos que foram alfabetizados no acampamento de Sumaré acabaram construindo a sua primeira escola, com caixotes de madeira. Como não havia lousa, quadro-negro, a professora Eliete utilizava, no seu lugar, uma porta, que tinha que ser umedecida para se apagar o que estava escrito com giz. E a professora tinha que esperá-la secar para continuar a aula.

Aqui está um exemplo do entusiasmo de uma professora que utilizou o Método Paulo Freire, a sua filosofia, para ajudar a transformação da vida das pessoas.

Frei Beto - que está hoje em Israel acompanhando o Presidente Nacional da CUT, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, em uma visita que ambos fazem como peregrinos cristãos, convidados que foram pela Escola Bíblica dos Dominicanos, em Jerusalém - escreveu uma bonita manifestação, que foi lida durante a missa de corpo presente, na PUC, no dia do enterro de Paulo Freire, sábado passado. Frei Beto falou sobre como Paulo Freire havia ensinado a Pedro o sentido das palavras e como Pedro poderia transformar as coisas no mundo.

Paulo ensinou a Pedro sobre a uva, que era não apenas um fruto que continha sementes, mas que, justamente pela mão e pelo trabalho de Pedro, primeiro, poderia ser multiplicada. Poderia Pedro semeá-la, lançar sementes sobre a terra e fazer com que nascessem outros frutos; também pelo trabalho das mãos de Pedro poderia ele amassar a uva e transformá-la em vinho, o alimento que daria sentido à vida.

Por aí seguia a forma de Pedro perceber como, pelo seu trabalho, pela sua ação, pela sua vivência em meio àqueles que conviviam com ele, poderia ele transformar a vida das pessoas.

Paulo Freire infelizmente não foi convidado, como tantos educadores no Brasil imaginavam, como tantos de nós acreditávamos, a se tornar nosso Ministro da Educação, Ministro que seria reconhecido por todos como notável.

Era esta, aliás, a expectativa de Lula quando, em 1989 e 1994, foi candidato a Presidente. Coube a Luiza Erundina, quando eleita Prefeita, em 1988, convidar Paulo Freire para ser seu Secretário Municipal de Educação. E ele deu uma contribuição notável, com o lançamento, por exemplo, do Mova, que alfabetizou mais de 35 mil adultos em São Paulo; deu também extraordinária importância à renovação das escolas, à expansão do ensino público e à forma de participação de professores, educadores, familiares e funcionários de toda a rede escolar na discussão sobre todo o processo pedagógico.

Paulo Freire, se não se tornou o Ministro da Educação do Brasil em virtude da sua contribuição seja para os povos da África, seja para os educadores na Europa e nos Estados Unidos, seja pelo reconhecimento de sua lição entre todos os povos da terra, hoje, podemos dizer que não se tornou Ministro da Educação no Brasil, mas o seu destino, a sua contribuição e o reconhecimento que todos os educadores têm da sua contribuição transformaram-no em Ministro da Educação da humanidade.

A nossa saudade, o nosso agradecimento e a nossa homenagem também aos seus familiares, a Anita, a Elza - que já havia falecido - e a todos os seus filhos. Queremos, sobretudo, compartilhar da dor de todos os professores que são seus alunos e seguidores de sua obra.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/1997 - Página 9172