Discurso no Senado Federal

DESCREDITO DA POPULAÇÃO COM AS INSTITUIÇÕES. APRESENTANDO PROJETO DE LEI, QUE OBRIGA O JUDICIARIO A DAR PRIORIDADE AO JULGAMENTO DE CRIMES DE CORRUPÇÃO. NECESSIDADE DE QUE A EMENDA DA REELEIÇÃO SEJA SUBMETIDA A REFERENDO POPULAR.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL. JUDICIARIO.:
  • DESCREDITO DA POPULAÇÃO COM AS INSTITUIÇÕES. APRESENTANDO PROJETO DE LEI, QUE OBRIGA O JUDICIARIO A DAR PRIORIDADE AO JULGAMENTO DE CRIMES DE CORRUPÇÃO. NECESSIDADE DE QUE A EMENDA DA REELEIÇÃO SEJA SUBMETIDA A REFERENDO POPULAR.
Publicação
Publicação no DSF de 21/05/1997 - Página 10138
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL. JUDICIARIO.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, REPETIÇÃO, IMPUNIDADE, PAIS, PROVOCAÇÃO, AUSENCIA, CONFIANÇA, POPULAÇÃO, INSTITUIÇÃO PUBLICA.
  • APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, FIXAÇÃO, OBRIGATORIEDADE, JUDICIARIO, CONCESSÃO, PRIORIDADE, JULGAMENTO, CRIME, PARTICIPAÇÃO, CIDADÃO, LIGAÇÃO, INSTITUIÇÃO PUBLICA, ENCARREGADO, EMPREGO, FUNDOS PUBLICOS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, SUJEIÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, REELEIÇÃO, REFERENDO, POPULAÇÃO.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, REFERENDO, PRESERVAÇÃO, FUNÇÃO, CAMARA REVISORA, SENADO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, a Senadora Benedita comentou que esteve no Rio Grande do Sul e se referiu a um caso que considero dramático e grosseiro ao mesmo tempo. Eu me assustei porque a Senadora disse que se tratava de um rodeio, e como há muitos rodeios no Rio Grande do Sul, pensei que esse acontecimento tivesse se passado lá. Está me informando S. Exª que ocorreu em São Paulo. Fico satisfeito que não tenha sido no Rio Grande do Sul, mas considero dramático que tenha sido no Brasil. Tem razão S. Exª quando demonstra até que ponto chega um País.

Na verdade, não me passa pela cabeça que esse Prefeito ou essa gente tivesse o objetivo de desmoralizar, de humilhar, de espezinhar. Não era esse o objetivo, sem dúvida. Mas, lá pelas tantas, as regras morais, de buscar o que está certo e o que está errado, caem no ridículo, caem em uma desmoralização tão grande que o cidadão comete atos como esse. De repente, em um rodeio, cheio de gente, larga-se uma criança, negra, mas que poderia ser branca, nua, andando e correndo, para o público cair na gargalhada. Se é que caiu, porque, na verdade, não tinha por quê.

Essas coisas acontecem no Brasil por uma questão muito simples: este é o País da impunidade. Essas coisas acontecem no Brasil por uma razão essencialmente simples: esse Prefeito não roubou galinha, esse Prefeito não foi a uma favela e roubou um pão, esse Prefeito não fez algo que é do costume da gente simples, humilde, fazer, porque quem é rico, quem tem dinheiro não rouba galinha - esse é o "colarinho branco". Esse rouba dinheiro de banco, grandes quantias, esse é empreiteiro, é empresa, é Senador, é Deputado, esse ganha comissão, esse ganha sei lá o quê. Para esse não acontece nada. E como não acontece nada, o Prefeito, esse, tem a certeza de que não vai acontecer nada. Ou a Senadora pensa que vai acontecer alguma coisa com ele? Alguém nesta Casa imagina que com esse Prefeito vai acontecer alguma coisa? Não vai. E é de repetição de impunidade mais impunidade que os fatos se repetem.

Cassamos um Presidente da República por corrupção. Cobram-me permanentemente: "Vocês cassaram o Presidente, mas onde é que ele está? Foi julgado?" Não, não foi. Está em Miami, usufruindo os capitais. Afastaram Parlamentares na CPI do Orçamento. Foram julgados? Não foram julgados. Com relação ao resto, aos processos, à infinidade de processos que existem com relação a fatos ocorridos, e com referência aos quais nada acontece, essa é a dolorosa realidade deste País.

Por isso, apresentei para o debate um projeto de lei singelo, Sr. Presidente, no qual dou absoluta prioridade ao processo criminal e judicial em que está envolvido um cidadão ligado à coisa pública - Senador, Deputado Federal ou Estadual, Prefeito, Governador, Ministro, Presidente - ou encarregado de empregar o dinheiro público. Se o crime foi praticado exatamente por agentes públicos, esse processo teria prioridade absoluta, Sr. Presidente. Comete crime de responsabilidade o policial que não apurar em primeiro lugar esse processo; o promotor que não decidir se denuncia ou não em primeiro lugar, e o juiz que não julgar em primeiro lugar esse processo contra Deputado, Vereador, Senador, tesoureiro ou secretário da Fazenda. Esse processo não pode ficar na gaveta do delegado de polícia, do promotor; não pode ficar na gaveta do juiz, sem nunca ser julgado. O projeto que apresentei é para ser submetido a debate, Sr. Presidente, por meio do qual esta Casa haverá de apreciá-lo, julgá-lo e analisá-lo. Na verdade, temos que ter o que se chama prioridade para o que é essencial.

É claro que temos que alterar o Judiciário brasileiro, Sr. Presidente. Tenho outro projeto que trata dessa matéria. Quero copiar para o Brasil o exemplo dos Estados Unidos, onde há uma unidade de processo. Acontece até nos filmes policiais americanos. Comete-se um crime, lá está a Polícia, mas o processo é um só, e quem o coordena é o promotor e o juiz de instrução. Então, quando ocorre um crime, as autoridades chegam ao local; o delegado, o inspetor de polícia, o promotor e o juiz de instrução passam a acompanhar o caso, e a apuração definitiva começa. Finda a investigação, há o julgamento, a Justiça assume.

No Brasil, Sr. Presidente, o que acontece é uma piada, exatamente como o caso PC Farias. Ocorreu o fato, a Polícia de Maceió assumiu e cometeu um absurdo. Na época, eu disse desta tribuna - também o Ministro da Justiça afirmou isso - que considerar aquele crime passional era algo que não podia entrar no cérebro de uma pessoa normal, porque se tratava de queima de fonte. Havia outros interesses por trás e não seria a sua namorada, que vivia uma época de tranqüilidade financeira e de namoro, que teria interesse em matar a sua fonte de renda, a sua galinha dos ovos de ouro.

Inventaram uma forma, enganaram com um laudo. E agora apareceu outro, um terceiro, elaborado pela Comissão designada pelo Juiz, pelo Judiciário, que tem como proposta esclarecer as mortes de PC Farias e sua namorada. Já havia o laudo do perito de Alagoas que se insurgiu desde o primeiro momento contra a versão apresentada para o crime e o laudo do perito de São Paulo, cujo nome prefiro não citar. As acusações contra esse perito são de tal gravidade que ele vai ter que explicar o laudo que apresentou. Cinco peritos afirmam que um fato realmente grave ocorreu.

Se o processo fosse nos Estados Unidos da América ou aqui, como quero, não se deixaria uma questão dessa gravidade na mão apenas do delegado, na mão apenas de uma facção política; mas estaria, ali, desde o primeiro instante, a Polícia Civil, o promotor e o juiz da instrução.

Creio que vivemos um momento importante, Sr. Presidente. A impunidade é responsável pelo que acontece neste País. Não se trata somente da questão a que se referiu a Senadora; não se trata somente da questão do índio que foi queimado em Brasília. Sabe-se que dois pobres indigentes nesta capital são queimados por ano.

Está surgindo um sentimento de amoralidade, de despreocupação, uma falta de compreensão do que é certo e o que é errado. Esse sentimento tem crescido de maneira tal que não sei como vai terminar.

O que sei é que o Congresso Nacional, dentro desse conceito de Brasil, não está com seu prestígio e sua criatividade muito alta em relação à sociedade brasileira.

Este Congresso viveu um momento importante no impeachment do Presidente Collor, na CPI que cassou seus parlamentares; mas viveu momentos difíceis quando não deixou criar a CPI que solicitei, a CPI dos Corruptores.

Mais uma vez estamos vendo um fato que se torna corriqueiro neste País: aparece o nome do corrupto, mas e o do corruptor? Pode existir corrupto, se não existir corruptor? Pode ter alguém que venda sua consciência, se não tiver alguém para comprá-la? Pode existir um Deputado que receba R$200 mil, se não tiver alguém para dar-lhe?

Olhar só para o pobre do infeliz que recebe a propina, Sr. Presidente, vem desde que o Brasil é Brasil. Não há interesse em descobrir quem está corrompendo.

Amanhã, votaremos o projeto da reeleição. Farei um apelo a este Congresso: só há uma maneira de se votar essa matéria com tranqüilidade, é votar para que a decisão do Congresso seja submetida ao referendo popular. O povo vai dizer se aceita, se não aceita, se quer ou se não quer a reeleição. Aprovado o referendo, entregando-se ao povo a decisão final sobre essa matéria, poderemos entender que o que ocorreu na Câmara foi grave, mas não alterou o final do processo, porque o final do processo é o povo que vai decidir.

Todavia, se a matéria for votada aqui no Senado sem ir para o referendo - que eu já defendia antes do que aconteceu na Câmara - , será uma violência política, pois a tradição do Brasil é não ter reeleição, instituto não previsto nas Constituições de 1891, 1934, 1946, 1988 e também não foi aprovado pela Assembléia Nacional Revisora de 1993. Ou seja, em todas as assembléias gerais foi apresentada a emenda propondo a reeleição, mas, em nenhuma ocasião, ela foi aprovada.

Votar-se agora a reeleição, retroagindo ao Presidente atual sem referendo, é uma violência política. Votar-se a reeleição atual sem referendo, depois do que aconteceu na Câmara, é um ato grave que, sinceramente, não posso entender.

Penso, Sr. Presidente, que o referendo deva ser aprovado com relativa tranqüilidade. Penso também que há pessoas em torno do Presidente que não querem o referendo porque desejam ser "pais" da reeleição, querem que o Presidente fique devendo a eles, Senador fulano, Deputado beltrano, Ministro não sei do quê, Governador não sei do quê, a reeleição. Querem dizer: Olha, você foi reeleito pelo meu trabalho. Fui eu que consegui aqueles votos, fui eu que facilitei as coisas no Senado, fui eu que colaborei naquele Estado, etc...

Há pessoas, Sr. Presidente, que devem estar tentando exercer um peso político no sentido de se prestigiar e se credenciar a futuros favores do Presidente porque lhe facilitaram a reeleição.

Se o Presidente da República parasse para pensar, haveria de entender que, pela sua tradição, pela sua história - volto a repetir, Sua Excelência é um homem de bem, um homem correto, votei nele -, que as pessoas que o cercam não estão lhe dando os melhores conselhos.

Estou sentindo que, em vez de Sua Excelência fazer desta matéria - a reeleição - sua grande tese, deveria deixar o povo falar, o povo decidir. Pessoalmente, acredito que o povo se decidirá pela reeleição e o Presidente seria o grande vitorioso, com o respaldo popular.

No entanto, querem que o Presidente da República seja candidato à reeleição, que passe a reeleição seja aprovada no Congresso, violentando a Constituição, Uma reeleição maculada, manchada e tisnada com as interrogações: Comprou ou não voto?

Volto a dizer que a questão será muito singela. Amanhã será votado se haverá ou não referendo. Se aprovarmos o referendo, Sr. Presidente, esta Casa viverá um grande dia e haverá de receber os agradecimentos do Senhor Fernando Henrique Cardoso e da sociedade brasileira, pois, num momento de conturbação, o Senado teve a grandeza de superar todas as dificuldades.

Se assim não ocorrer, Sr. Presidente, se for votada a matéria como está, esta Casa haverá de se perguntar: Casa revisora, para revisar o quê? Será que o Senado é Casa revisora ou um cartório de homologação de registro de títulos, Sr. Presidente, algumas vezes até de credibilidade duvidosa?

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/05/1997 - Página 10138