Discurso no Senado Federal

COMENTANDO ARTIGO PUBLICADO NO CORREIO BRAZILIENSE DE ONTEM, SOB O TITULO 'SEM-TERRA AGORA IRÃO SE QUEIXAR AO PAPA'.

Autor
Gilvam Borges (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: Gilvam Pinheiro Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • COMENTANDO ARTIGO PUBLICADO NO CORREIO BRAZILIENSE DE ONTEM, SOB O TITULO 'SEM-TERRA AGORA IRÃO SE QUEIXAR AO PAPA'.
Publicação
Publicação no DSF de 06/08/1997 - Página 15730
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • ANALISE, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), AUDIENCIA, REQUISIÇÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, PAPA, APOIO, PEDIDO, ORGANIZAÇÃO, PROMOÇÃO, LATIFUNDIO, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, BRASIL, SACERDOTE, IGREJA CATOLICA, MOTIVO, LEGITIMIDADE, PRETENSÃO, MELHORIA, SITUAÇÃO SOCIAL, POPULAÇÃO, ZONA RURAL, PAIS.

O SR. GILVAM BORGES (PMDB-AP) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Correio Braziliense de ontem comenta, sob o título "Sem-Terra agora irão se queixar ao Papa", a audiência requerida pelo MST ao Papa João Paulo II.

Além disso, a notícia dá conta da elaboração, pelo Vaticano, de documento sobre a questão da terra no Brasil, a ser divulgado na visita de Sua Santidade ao País marcada para outubro próximo.

Esta iniciativa do MST é perfeitamente compreensível e digna de apoio, inserindo-se na luta dos deserdados da terra por uma gleba de subsistência.

Sua luta, embora não partidária, é política e todas as armas políticas de convencimento, persuasão racional, negociações bilaterais e busca de aliados, até no plano internacional, como as diferentes ONGs afetas à questão e mesmo o Papa, são válidos.

Até a radicalização de linguagem e alguns excessos verbais de lideranças, no calor das reivindicações, cujo tom apaixonado é inerente à gravidade de sua luta, que é a luta pela manutenção da vida de centena de milhares de famílias, devem ser admitidos, à conta da própria magnitude e natureza do problema que os aflige.

Entretanto, o que deve ser evitado, a todo custo, é a violência desnecessária, seja do lado do movimento, na forma de invasões temerárias, seja do lado do governo, através de ações policiais truculentas ou de mecanismos de intimidação, como, por exemplo, a alegada decisão de uma alta autoridade federal de processar um dos líderes do MST João Pedro Stédile pela incontinência verbal de ter proposto a invasão de escolas fechadas.

É preciso que a Administração Federal aprenda a conviver com algum grau de agitação por parte do Movimento, que precisa ser afirmativo e muitas vezes, inflamado em sua retórica, para ser ouvido pelo conjunto da sociedade em correspondência com a brutal carência de seus representados.

Estas fricções são próprias de qualquer democracia que tenha um mínimo de contornos sociais, capaz de abrigar as divergências, por profundas que sejam.

E, no caso da reforma agrária, não poderiam ser mais agudos os interesses em confronto.

De um lado da disputa pela terra, estão os despossuídos, a que não resta alternativa senão afirmação do seu interesse por um pedaço de chão, como parte integrante do seu direito à cidadania.

De outro, grandes latifundiários a especular com imensas extensões de terra, a título de mera reserva de valor, sem qualquer consideração pelo papel social da propriedade, exigido pela Constituição Federal como principal requisito legitimador de tal direito.

Neste embate entre forças tão antagônicas é indispensável que o Governo Federal desempenhe com eficiência o único papel que a sociedade espera dele: o de mediador imparcial das partes, no exercício de uma arbitragem, que, diferentemente da judicial, deve ser ativa, dando trâmite mais rápido e abrangente possível ao processo de assentamentos com vistas a reforma agrária.

Justo é reconhecer, nesse ponto, que o Governo tem a seu crédito algum esforço no atendimento dos pleitos dos Sem-Terra, embora não com a agilidade desejada por estes e seus legítimos aliados, entre os quais a Igreja Católica, representada pela CNBB e Pastoral da Terra, como advertiu o Bispo de Goiás, Dom Thomás Balduíno, há cerca de um mês.

Tanto assim que, pouco depois das críticas que este respeitado religioso manifestou sobre a condução oficial da matéria, o Governo recebeu as principais lideranças do MST, tendo se comprometido a atender várias de suas exigências estratégicas, como o assentamento das quase cinqüenta mil famílias acampadas até o final de 1998 e a ampliação do limite de crédito de investimento do Procera, de R$ 7.500,00 para R$10.500,00, além da prorrogação das dívidas atrasadas com esta linha de crédito por dois anos.

O próprio MST, numa demonstração, aliás, de sua maturidade política, reconhece pontos positivos nas providências tomadas na recente medida provisória batizada como "pacote agrário": o veto ao fracionamento de terras já vistoriadas para reforma agrária, e a criação de mecanismos para impedir o pagamento de indenizações superfaturadas.

"São antigas reivindicações dos que lutam pela reforma agrária e merecem nosso apoio", concede Stédile, sem deixar , entretanto de criticar, no mesmo instrumento legal editado, a proibição de vistorias em terras ocupadas, entendendo que não se regulam as formas de pressão do Movimento por decreto e, sim, através de soluções consensualmente acordadas.

O mesmo Stédile, rejeitando o rótulo de incendiário que seus adversários vêm tentando lhe atribuir, define as ocupações de terra não como meio de exacerbar o conflito pelo conflito, mas como forma de pressão para atrair a atenção da sociedade e do Judiciário, concluindo que "a violência não leva a nada".

Neste sentido, andou bem o Presidente Fernando Henrique ao solidarizar-se com José Rainha, vítima de uma recente e absurda condenação judicial por duplo homicídio, num julgamento de caráter faccioso, contaminado de injunções políticas.

É bom aqui lembrar que o Judiciário, bem como o Ministério Público, também integram lato sensu o Governo, e lhes cabem iguais responsabilidades no desarmamento de espíritos dos personagens do teatro de operações da reforma agrária.

Assim, em nada servem ao País iniciativas como a do Ministério Público do Rio de Janeiro de processar líderes do MST, por declarações consideradas "incitamento à violência", cuja própria autoria, como vimos, é de duvidosa aferição.

Da mesma forma, toda cautela é pouca, por parte dos dirigentes dos Sem-Terra, para não partidarizar seu movimento, que, na sua essência, é unitário porque interessa a toda a Nação, estando , por definição, acima das disputas partidárias e eleitorais.

Louve-se, porém, o envolvimento de entidades religiosas com o assunto, quando provocadas pelos interessados, seja o Ministro Raul Jungman, que vem de audiência com o Papa João Paulo II, sobre a questão fundiária brasileira, seja o MST, que procura, legitimamente, atrair a simpatia e a autoridade de Sua Santidade para sua causa.

A política, em sentido amplo, não partidária, aí incluída a busca transparente de alianças legítimas, é o caminho para se encontrar, senão uma solução ideal para o problema, pelo menos, um campo de entendimento e de possibilidade de paz negociada em nossa área rural.

Não há, portanto, nada demais na militância dos Sem-Terra apresentar ao Papa sua versão sobre os fatos relativos ao conflito agrário.

Isto é apenas mais um recurso, aliás bastante pertinente, de encaminhamento de sua luta, tanto quanto as manifestações populares, marchas, declarações públicas e encontros com autoridades governamentais promovidas pelo MST.

Já se foi o tempo em que "reclamar ao Bispo" era a única e inútil maneira de expressar inconformismo diante da violação dos direitos de cidadania de alguém.

Hoje, no Brasil pelo menos, esta atitude tem natureza construtiva, como justa e oportuna tática no repertório de ações disponíveis por aqueles que procuram fazer valer seu direito não à propriedade egoística e individualista, mas seu próprio direito à vida e a não morrer de fome.

Era o que tínhamos a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/08/1997 - Página 15730