Discurso no Senado Federal

CONTESTANDO AFIRMATIVAS DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, CONTIDAS EM SUA ENTREVISTA A REVISTA VEJA DO ULTIMO DIA 10, DE QUE HOUVE O DESENCADEAMENTO DE UMA REVOLUÇÃO NO BRASIL, APOS A IMPLANTAÇÃO DO PLANO REAL.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • CONTESTANDO AFIRMATIVAS DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, CONTIDAS EM SUA ENTREVISTA A REVISTA VEJA DO ULTIMO DIA 10, DE QUE HOUVE O DESENCADEAMENTO DE UMA REVOLUÇÃO NO BRASIL, APOS A IMPLANTAÇÃO DO PLANO REAL.
Aparteantes
Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 16/09/1997 - Página 18885
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, ENTREVISTA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DISCORDANCIA, OCORRENCIA, REVOLUÇÃO, SOCIEDADE, BRASIL, PODER, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, INFLUENCIA, POVO, PROVOCAÇÃO, ALTERAÇÃO, POLITICA SOCIAL, CRISE, PRODUÇÃO, CAPITALISMO, IMPLANTAÇÃO, PLANO, REAL, AUMENTO, DESEMPREGO, PRIVATIZAÇÃO, COMPROMETIMENTO, SISTEMA, SAUDE, EDUCAÇÃO, ABANDONO, RODOVIA, FERROVIA.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Sua Excelência o Senhor Presidente da República ocupou mais de dez páginas da edição de 10 de setembro da revista Veja. Diante de reportagens como essa e a da revista Gazeta Mercantil de 19 de junho, páginas 9 a 11, não consigo compreender como nada acontece: não há resposta, não há indignação, não há aplauso. Nada acontece. É como se Sua Excelência fosse um Senador de Oposição, um Senador que não existe, porque, segundo declaração de Sua Excelência, não existe Oposição neste País.

De modo que, não havendo diálogo, não havendo resposta, talvez também Sua Excelência tenha uma existência que precisa ser mais bem investigada.

Pretendo fazer um comentário sobre a reportagem publicada pela revista Veja, na qual Sua Excelência, o Presidente da República, realmente faz declarações estarrecedoras.

Como já dizia Hegel em sua Filosofia da História: "foi o espanto que fez nascer a filosofia na Grécia". Se pudéssemos nos espantar diante dessas declarações insólitas, algumas; desarrazoadas e perigosas, outras; talvez o Brasil se transformasse em uma sociedade de filósofos gerados pelo espanto.

Em entrevista concedida à revista Veja pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, edição nº 1.512, choca a declaração: "Ex post, pode-se dizer que houve uma revolução no País." Mas a pergunta que fazem os estudiosos é a seguinte: houve ou não uma revolução burguesa no Brasil?

As opiniões dos historiadores se dividem a respeito. Para que se caracterize uma revolução verdadeira é necessário que classes sociais opostas em seus interesses, em seus poderes, em suas capacidades de exercício do poder, em suas ideologias se encontrem organizadas e tenham consciência de sua existência como classe e de suas possibilidades de assumir a direção da sociedade. Quando apenas grupos, facções, segmentos sociais se digladiam em torno do poder central, sem que a ruptura venha a atingir a infra-estrutura da sociedade, o movimento se caracteriza, não como revolução, mas como um golpe. É curioso.

É curioso como movimentos militares, políticos, convulsões sociais muito profundas, como a de Cromwell em meados do século XVII, na Inglaterra, quando a burguesia depôs e decapitou o Rei, aboliu a monarquia e instaurou a República, ou a Revolução Francesa que chegou a desfechos semelhantes, puderam ser considerados, do ponto de vista das mudanças reais, bastante inexpressivos e até mesmo conservadores.

Se até a gloriosa revolução comandada por Cromwell, a Revolução Francesa de 1789 e a Revolução Soviética de 1917 foram consideradas, por brilhantes cabeças, como de pouco alcance, o que se dizer dos tímidos movimentos que ocorreram no Brasil como o da Independência, o da Abolição, o da Proclamação da República, o Movimento de 1930, o de 1964 e esta ligeira agitação neoliberal?

Alexis de Tocqueville pretendeu dar uma resposta aprofundada àquelas questões referentes à Revolução Francesa: "Foi um acontecimento realmente tão extraordinário quanto seus contemporâneos o consideravam outrora? Tão incrível, tão profundamente perturbador e renovador quanto supunham? Qual foi o verdadeiro sentido, qual foi o verdadeiro caráter dessa estranha e terrível revolução? O que foi exatamente que ela destruiu? O que foi que criou?", indaga Tocqueville em 1835. (Alexis de Tocqueville, "O Antigo Regime e a Revolução", Ed. UnB, 4ª Edição, p.53).

Dúvidas parecidas pairam sobre as revoluções russas de 1905 e 1917. Foi Trotsky, inspirado em Parvus, quem percebeu as características da sociedade, do Estado e da economia russos que conformaram a Revolução de 1905? O capitalismo reativo russo fez com que o Estado se armasse e se transformasse no centro do desenvolvimento capitalista. O espaço econômico ocupado pelo estado despótico russo defendia uma sociedade oriental contra as ameaças do Ocidente, e a sangria aplicada pela dívida externa teria determinado o caráter anêmico da burguesia russa. Incapaz de sustentar a revolução de 1905 contra a realeza, os camponeses e os proletários urbanos, de acordo com os dois autores citados, colocaram-se à frente do movimento.

Pois bem, quanto à revolução socialista de outubro de 1917, afirmam Paul Mattick e Charles Bettelheim - o primeiro num rasgo de intuição e o segundo em obra de quatro tomos intitulada "A Luta de Classes na União Soviética" - é que aquela não pode ser considerada uma revolução socialista. Mattick escreveu em Marx e Keynes - os limites da Economia Mista - que a revolução de outubro foi uma revolução keynesiana, não socialista. Charles Bettelheim concluiu que as instituições, o despotismo, a centralização administrativa presentes na velha Rússia dos czares sobreviveram à Revolução de 1917. Suas conclusões têm um paralelismo evidente com as de Alexis de Tocqueville, sobre o renascimento de vícios e de virtudes anteriores à Revolução de 1789, que teria sido muito menos profunda do que geralmente se pensa.

A Revolução mexicana, que teve na reforma agrária sua bandeira principal, produziu 1 milhão de mortos. A presença do PRI, que acaba de enfrentar sua primeira derrota na eleição para a prefeitura da capital, indica o caráter insatisfatório da reforma agrária mexicana.

O Presidente FHC, ao que se depreende de sua entrevista à revista Veja (edição 1.512, de 10 de setembro de 1997, pp. 22 a 33), pensa estar fazendo sozinho uma revolução. Como o sociólogo paulista não acredita mais na existência de classes sociais, pôde afirmar:"Ex post pode-se dizer: houve uma revolução". Mas a revolução "henriqueana", muito moderna, não precisa usar armas, dispensa lideranças, prescinde de uma ideologia, ou, conforme a terminologia de Karl Mannheim, de uma utopia. Mesmo diante dessa pífia revolução, o Presidente FHC se preocupa: "Como estamos vivendo um momento novo da história,... as transformações são tantas que trazem preocupações". (Veja, idem, p. 24) Para o "príncipe dos sociólogos brasileiros", as "revoluções" modernas se fazem por meio da construção virtual de "agentes". A revolução moderna que teria eliminado o autoritarismo ou apenas mudado para aquilo que Tocqueville já chamava de "despotismo democrático", teria sido produzida por ele mesmo: "Naquela altura, declara o Presidente FHC, a sociedade inventou agentes por intermédio da mídia. Na nova sociedade, a mídia tem papel fundamental. (Sic). A mídia inventou a SBPC, por exemplo, e a ação dos intelectuais. Eu próprio tive participação nisso. Surgiram o Lula, o sindicato"...! O neo-sociólogo abandona o mundo real, cada vez mais impenetrável, inacessível à sua cabeça transtornada, e faz uma sociologia do virtual. A história e seus personagens são criaturas da mídia... Sim, não há exagero diante de sua confissão de que "enfim, os agentes foram virtualmente criados". (Veja, pág. 23). Mas é que os sindicatos, a SBPC, o Lula e tudo o mais formam a esquerda, e "a esquerda sou eu". (Idem, pág. 32). Logo, se os sindicatos, se a SBPC, se o próprio Lula são criaturas da mídia, ele próprio, que é a esquerda, foi obviamente produzido pela mídia. O Presidente foi convencido pelos fazedores de imagens nacionais e pelos emprestados a ele por Bill Clinton que não foi o ser real Fernando Henrique Cardoso quem venceu as eleições presidenciais, mas sua imagem virtual, produzida pelos especialistas em marquetagem. É estarrecedor!

Na antiga forma de esquizofrenia, supunha-se que a personalidade, conflitada com a realidade, se refugiava num mundo imaginário e construído sem os ingredientes que provocaram as angústias, os conflitos e as neuroses. A modernidade consegue criar não mais o espaço e o refúgio irreal, mas Presidentes da República que se afirmam conscientemente criaturas virtuais, seres humanos cujas essências, cujo estofo, são fabricados externamente, portanto, alienados.

A alienação deixa de ser um movimento de dentro para fora da essência humana que se perde, que é sugada no processo de trabalho, extraída pela mais-valia, e se aproxima do conceito idealista hegeliano de alienação como movimento externo, separação da consciência divina.

Mas, na versão do Presidente-sociólogo, é o todo poder da mídia e de seus demoníacos fabricantes de produtos virtuais, entre os quais se incluem os seres humanos como mercadorias, que é capaz de produzir movimentos sociais, ações revolucionárias, conformismo estabilizador diante da perda de 67% de vencimentos e de salários não reajustados em 30 meses de anestesia e hipnose, fabricadas também pela mídia, o novo deus maquinizado (Deus ex machina).

Como "a sociedade" indeterminada, tentando rearticular o sindicalismo não-peleguista, parte de uma esquerda pobre, sofrida, sem acesso à mídia, poderia ser produzida pela mídia? Será que Sua Excelência adotou a tese de que, no Brasil, a esquerda foi produzida pela direita, a detentora da propriedade da mídia?

O Governador Mário Covas é o ser real, de carne e osso, que desconhece o Presidente FHC metamorfoseado pela mídia que prepara os novos materiais com os quais construirá a refigura do recandidato à reeleição. Covas não admite ser este objeto da alienação moderna, do recondicionamento externo que os marqueteiros gestam para dar à luz a um repolítico. "Sou contra a reeleição e, por isto, não serei candidato", declara, autêntico e natural, o ser real Mário Covas. Se o Presidente FHC foi confessadamente o filho do Real, e se o Real foi um produto da mídia, então o Presidente não é apenas um ser virtual, mas um ser re-reflexo. Ao reflexo da luz da lua na lagoa, é um ser re-reflexo: a luz do sol se reflete na lua e esse reflexo se reflete na lagoa. Os juros são fenômenos re-reflexos, conforme a categoria criada por Hegel e adaptada por Marx: parece que é um empréstimo de dinheiro que produz mais dinheiro, que pare dinheiro (taxa, em grego, significa "filho"). Mas, na verdade, os juros são produzidos na produção, são parcelas da mais-valia que se reparte na circulação e de que os banqueiros se apropriam. Este fenômeno reflexo, o juro, pode ser reemprestado ou ser usado como meio de compra, dando origem a fenômenos re-reflexos, da mesma essência do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Se o Real produziu o Presidente e foi a mídia que produziu o Real, então a alienação do Presidente não é o resultado de uma produção externa que injetou nele a essência criada pelo marketing, mas mediada pelo Real, que fez de FHC um Presidente. O ser que nem Mário Covas reconhece é re-reflexo no sentido que os filósofos alemães atribuem ao termo.

A crise da ideologia capitalista neoliberal, em 1929, se verificou porque aquele "modelo", suas categorias, as promessas de máxima eficiência, o automatismo do pleno emprego obtido pelas "livres forças de mercado" foram, violenta e indiscutivelmente, desmentidos pela prática, pela crise, pela ineficiência, pela ociosidade elevada dos equipamentos, pelo desemprego que atingiu 44% da força de trabalho, em 1934, na Alemanha. O capitalismo foi soerguido, entre outras forças, pela ideologia intervencionista, belicista, do Estado reempregador e hipertrofiado, que agora entra em crise. As duas versões ideológicas que o capitalismo produziu a partir da crise de 1873 - a neoliberal e a keynesiana - entraram em crise. Os paradigmas que davam respostas úteis ao desenvolvimento do capitalismo deixaram de fornecê-las. A esquerda parece que tem a culpa pela desmoralização das versões ideológicas capitalistas que deixaram as cabeças pensantes, a intelligentzia capitalista, sem resposta. Parece que FHC gostaria que a oposição acendesse a luz de um novo entendimento e de um novo paradigma que fornecesse a sobrevida para o capitalismo, cujas "verdades", unificadoras da ação coletiva antagônica, foram desmoralizadas pela prática, deixaram de ser úteis à reprodução conservadora do sistema.

O sociólogo não pode compreender que os modelos ideológicos se tornaram incapazes de ser úteis à ação capitalista e, por isso, deixaram de ser considerados verdadeiros. "Não pergunto se uma proposição é verdadeira, mas se ela é útil, se preserva a sociedade", seus privilégios, seus interesses e as classes sociais que a estrutura favorece, acertou Nietzsche no alvo.

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - Nobre Senador, de todo o embasamento doutrinário de sua exposição, tendo V. Exª partido do comentário à entrevista do Presidente da República à revista Veja, conclui-se que V. Exª contesta a idéia de que ocorreu uma revolução no Brasil. A meu ver, V. Exª o faz corretamente. Não há revolução onde não há mudança na estrutura social e econômica. Só quando se verifica uma transformação profunda na ordem social e econômica é que se pode cogitar de revolução. No caso brasileiro, o que se verifica é que, embora negando a política neoliberal, o Governo Federal, pelas medidas políticas e legislativas que vem adotando, fortaleceu o poder capitalista, reduzindo as faculdades do Estado. Pode, portanto, o Governo negar como quiser os seus desacertos. Se V. Exª me permitisse, eu apenas diria que o Presidente da República, sociólogo que é, poderia lembrar aquela observação de Harold Laski: "não é o propósito anunciado, mas o propósito logrado, comparado com as possibilidades razoáveis de realização, o que serve de base ao julgamento das instituições humanas. O resto é artifício que não convence e, não convencendo, não satisfaz o povo."

O SR. LAURO CAMPOS (BLOCO/PT-DF) - Estou de pleno acordo com o aparte de V. Exª.

A este meu modesto pronunciamento dei o nome "O País do Golpe Permanente", com uma referência a Trotsky, que falava na revolução permanente. E aqui realmente me parece que estamos no país do golpe permanente. Afonso Arinos de Mello Franco, que não pode ser considerado pessoa de esquerda, declarou, por volta de 1967: "Estou hoje convencido de que os movimentos que foram deflagrados no Brasil não foram movimentos revolucionários mas movimentos conservadores". Talvez por isso e por outras verdades que tenha falado naquela fase da ditadura é que tenha sido o primeiro nome na lista de cassação de mandatos encaminhada pelo então Ministro Costa e Silva. Essa lista enorme começava com a letra a de Afonso Arinos de Mello Franco.

O sociólogo Fernando Henrique Cardoso finge não perceber que a globalização é o neonome do que sempre chamou de imperialismo, movimento imposto pelo centro à periferia, resultado das contradições e necessidades do capitalismo cêntrico. Será que agora o imperialismo vai dar certo ou vai globalizar e acirrar as contradições que sempre impulsionaram o capitalismo? Será que é obrigação da esquerda apoiar o movimento "irreversível" de globalização, o neoimperialismo?

Diante do caos provocado pela crise da produção que contamina a circulação, cria o dinheiro ocioso, impossibilitado de investir na produção por limitação do lucro, do mercado, e pelo enxugamento dos setores keynesianos, bélicos, espaciais, o capital dinheiro potencial se transforma em US$12 ou US$16 trilhões voláteis. Sobre essa imensa quantidade de dinheiro mundial, non-state money, o tranqüilo Presidente FHC se mostra preocupado e se esquece de que Marx já o analisava como resultado das contradições entre mercadoria e dinheiro manifestadas nas crises capitalistas. Afirma o sociólogo Presidente: "Algumas medidas tímidas foram tomadas. E tímidas por quê?" Pergunta ele. Porque ninguém sabe o que fazer... Ninguém sabe o que fazer. Há um setor do novo sistema que se move com velocidade imensa e que não é controlado. NÃO SEI SE É CONTROLÁVEL" (Entrevista à Veja , no cit., p. 24). Justamente. É porque não se "sabe o que fazer" ou porque o que se deve fazer não pode ser feito, pois a crise existe e se aprofunda. Se o que deve ser feito fosse implementado pelo Governo e suas agências, não haveria crise, o mundo seria neoliberal, o pleno emprego automático, a eficiência incontrastável, e estaríamos panglossianamente no melhor dos mundos. Quem se candidata à Presidência nessas circunstâncias, na atual conjuntura, deveria ter consciência dessas dificuldades, e quem se apresenta à reeleição não tem direito de estar perdido e nem sequer de invocar a oposição, que ele disse que não existe, para ajudá-lo a sair desta.

Diante do incontrolável e do inexplicável para quem abandonou a dialética e a economia marxista, como aconteceu com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, a angústia se torna a companheira inseparável da consciência ansiosa, alienada. "Sim, a globalização traz essa insegurança. Mas há uma novidade. Essa insegurança não é só dos países em desenvolvimento, é dos desenvolvidos também... Mas há uma angústia que é comum a diferentes tipos de países" (Entrevista à Veja, FHC, p. 25). Ótimo, não se pode controlar, não se sabe o que é, mas como mal de muitos consolo é, nossas angústias são partilhadas com o centro e sofridas, também, pelos "desenvolvidos".

O condottiere sabe aonde levar seu povo. Não conta para não revelar o segredo e o itinerário. Não será, certamente, o mal caminho da Europa que o Brasil iluminado seguirá. "Não se tem por que imaginar que a reorganização do Brasil repetirá o curso da Europa, onde o desemprego cresceu muito" (Veja, idem, p. 25)... "O que permite não aumentar o desemprego no Brasil é uma informalização maior e isso não é bom". Não é bom para quem? Para os desempregados que se refugiam na informalidade para não morrerem de fome, sem seguro-desemprego, sem casa, sem assistência médico-hospitalar, sem vacina; a informalidade não é boa, mas é a única forma de escapar com vida por mais um pouco de tempo, com exceção da queda na criminalidade e na economia subterrânea. Se a "informalidade não é boa", o Governo FHC apela para a informatização e compra, sem concorrência pública, cinqüenta mil computadores para as escolas públicas onde inexiste o giz, onde os vencimentos dos professores se encontram com 67% de defasagem em relação à inflação acumulada nos últimos trinta meses, onde faltam vacinas de sarampo e tudo mais. Mas para o Presidente ávido de receita e presa do fetichismo do equilíbrio orçamentário, o mercado informal "NÃO É BOM PORQUE VAI GERAR PROBLEMAS DE PREVIDÊNCIA E DE FINANCIAMENTO DO BEM-ESTAR". QUE BEM ESTAR, PRESIDENTE, é este a que Sua Excelência se refere, e para o qual deveriam contribuir os informalizados e excluídos se "Nosso Estado foi formado dentro de uma visão autoritária e, portanto, INCORPOROU CERTOS GRUPOS E NÃO OUTROS? O PRESIDENTE SEMPRE DIZ QUE NÃO TEMOS UM ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL, E SIM DO MAL ESTAR SOCIAL". E o senhor acha que os excluídos deveriam contribuir para esse Estado do mal estar? Para onde vamos, Presidente, se não vamos para uma globalização européia, se não podemos inverter o pólo do mundo e passarmos a globalizar, como fazem os Estados Unidos, sua dívida pública de U$6 trilhões, exportar seu déficit orçamentário, que foi reduzido em pouco tempo de U$320 bilhões para U$75 bilhões previstos para este ano, obrigando os países submetidos à globalização a aumentar suas importações, seus déficits comerciais para comprarem no lugar do Governo Federal norte americano. Globalizar como os Estados Unidos fazem, exportando suas crises, é excelente. Só que somos obrigados a importar Sivams e armas, como fez o Chile e fará talvez a Argentina, para que os produtores norte-americanos mantenham sua escala de produção e nível de lucro. Na mesma globalização em que aumentamos nossos déficits comerciais, os Estados Unidos reduzem suas importações, diminuem seu déficit comercial, resolvem parte de suas contradições, globalizando-as. Não me perguntem para onde vamos, non duco, ducor - não conduzo, sou conduzido. "Perguntem aos países que comandam o processo de globalização aonde eles nos levarão", deixou de dizer o Presidente FHC.

Depois de três anos de desgoverno, em que mostrou sua competência para desestruturar, desconstitucionalizar, privatizar, desempregar, destruir o sistema de saúde e o sistema de educação público, deixar esburacar rodovias e ferrovias; depois de assumir a Presidência, após três anos de posse, lança o programa Brasil em Ação, cujo nome é uma confissão de que o País estava relegado à inação.

Tão grande é a confusão emanada do centro do Poder que Sua Excelência declara naturalmente que está dando entrevista para "convencer a sociedade de que se está seguindo um rumo..."

É preciso convencer a sociedade de que se está seguindo um rumo, porque a sociedade não enxerga que rumo é esse.

"Não que queira convencer eleitor", diz Sua Excelência. "Não é assim que funciona. Mas preciso explicar às pessoas que tenho um rumo"(VEJA, Idem, p.32).

É preciso, Sr. Presidente, explicar que tem um rumo. Ninguém enxerga o rumo que segue; então, é preciso que explique. Ao explicar, sai com toda essa desorientação.

Se após três anos de Governo despótico é preciso ainda "convencer as pessoas" que tem um rumo, é porque estamos perdidos e ele à frente.

"O poder mais concreto, o poder de impor" - diz ele - "não será tão grande se não vier acoplado ao poder de persuadir."

"Então, o poder do Presidente", diz ainda, "é de geometria variável. Se se põe na cadeira (cadeira presidencial) alguém incapaz de persuadir, seu poder será muito menor"

Eis a declaração de um déspota, que procura ampliar seu poder pessoal e que usa seu poder de persuasão para maximizar o poder político, torná-lo mais autoritário.

Pobre povo brasileiro!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/09/1997 - Página 18885