Discurso no Senado Federal

COMPARTILHANDO DAS HOMENAGENS PRESTADAS, PELO TRANSCURSO NA SEMANA PASSADA, DO CENTENARIO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE/MG. CRITICAS A ATUAÇÃO DO GOVERNO FEDERAL NO EXERCICIO DE 1997, QUE TEVE SUA PIOR FASE COM A ELABORAÇÃO DAS MEDIDAS PROVISORIAS QUE COMPUSERAM O AJUSTE FISCAL. INSATISFAÇÃO COM OS DEPOIMENTOS EVASIVOS DA EQUIPE ECONOMICA DO GOVERNO DURANTE COMPARECIMENTO AO CONGRESSO NACIONAL.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMPARTILHANDO DAS HOMENAGENS PRESTADAS, PELO TRANSCURSO NA SEMANA PASSADA, DO CENTENARIO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE/MG. CRITICAS A ATUAÇÃO DO GOVERNO FEDERAL NO EXERCICIO DE 1997, QUE TEVE SUA PIOR FASE COM A ELABORAÇÃO DAS MEDIDAS PROVISORIAS QUE COMPUSERAM O AJUSTE FISCAL. INSATISFAÇÃO COM OS DEPOIMENTOS EVASIVOS DA EQUIPE ECONOMICA DO GOVERNO DURANTE COMPARECIMENTO AO CONGRESSO NACIONAL.
Aparteantes
Edison Lobão.
Publicação
Publicação no DSF de 16/12/1997 - Página 28875
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, MUNICIPIO, BELO HORIZONTE (MG), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG).

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, semana passada transcorreu o 100º aniversário de Belo Horizonte e, infelizmente, naquela ocasião, não pude me manifestar, embora, talvez, modestamente, eu seja, de todos os representantes mineiros, o mais categorizado e o mais devedor de uma homenagem a Belo Horizonte, porque me parece que sou o único Senador que nasceu em Belo Horizonte. Sou filho de Belo Horizonte. Nasci lá na Rua Santa Rita Durão, perto da Avenida Afonso Pena, quando não era costume nascer em Belo Horizonte. Era raro nascer em Belo Horizonte. Belo Horizonte era tão pequenina, que quase ninguém nascia lá, naquela ocasião. E eu nasci ali. Depois, a cidade cresceu. Os donos da casa que meus pais alugavam, onde nasci, tornaram-se importantes. E a nossa casa, onde nasci, virou o Palacete Felício dos Santos. Com o retorno do prestígio da família, quando Juscelino se tornou Governador, os proprietários alçaram nossa modesta casa de nascimento a esse nível.

De modo que, então, ali, numa cidade administrativa - meu pai era Deputado Estadual na ocasião e depois professor da Universidade de Minas Gerais -, a família, que há muito tempo vinha já abandonando o solo, deixando de ser proprietária de terra - atividade iniciada por nossa família por volta de 1650, quando ali chegou Antonio Rodrigues Velho, o primeiro dos nossos, fundador da cidade de Pitangui, farejando ouro e procurando nas entranhas de Minas o enriquecimento através da busca do metal precioso -, foi-se transformando. E quando me perguntam “o que esse povo está fazendo lá há tanto tempo?”, respondo: principalmente filhos. Minha família produz principalmente filhos, por isso somos a mais numerosa família de Minas Gerais, sem dúvida alguma.

E assim, ali em Belo Horizonte, inúmeros parentes meus foram saindo de Ouro Preto, de outras cidades do interior e se dirigindo para lá, formando aquela cidade administrativa, uma cidade circunscrita pela Avenida do Contorno, uma cidade que copiava, tal como Goiânia, a cidade Rosmaniana que foi Paris. Uma cidade cortada por avenidas transversais e uma cidade desenhada no papel antes que o povo a construísse na prática.

E a minha pequena Belo Horizonte foi-se transformando e, obviamente, eu me transformei com ela até o ponto em que nos separamos. Vim para outra cidade, Brasília, que então também tinha 50 mil pessoas apenas. E aqui cheguei como se redescobrisse o nascimento. Aqui presenciei, tal como em Minas Gerais, tal como em Belo Horizonte, a atividade humana; a inquietude humana transformando o nada em cultura, transformando o quase nada em uma comunidade, revolucionando continuamente a urbes e transformando-a em uma polis.

De forma que as minhas lembranças da infância são emolduradas por uma cidade tão humana, tão quente, tão acolhedora, que realmente não poderia silenciar-me quando faz 100 anos. Jamais esperei estar vivo quando seu centenário fosse comemorado. E obtive a satisfação e a graça de assistir ao seu centenário. Centenário sim, envelhecimento.jamais. Vi quando ela transpôs a Avenida do Contorno e, infelizmente, começou a inchar.

No momento em que a sociedade brasileira trilhava novos rumos, surge o núcleo industrial capitaneado por Israel Pinheiro, ainda no Governo de Benedito Valadares, este, um sobrinho do meu avô. A partir disso, um processo de urbanização vai sendo feito por meio do aumento do comércio e do raio de ação da cidade.

Era, no entanto, tão modesta aquela cidade, que eu, por exemplo, só tinha ido passar férias em Lagoa Santa, a 40 Km de distância, a mais longa viagem que tinha feito até os 17 anos de idade.

O Sr. Edison Lobão (PFL-MA) - Senador Lauro Campos, V. Exª me permite um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - Ouço-o com prazer.

O Sr. Edison Lobão (PFL-MA) - Senador Lauro Campos, na semana passada, quando se homenageou aqui o aniversário de Belo Horizonte, tive a oportunidade de apartear a Senadora Júnia Marise. Já fiz a minha merecida homenagem a Belo Horizonte, mas gostaria apenas de mencionar um episódio. Quando cheguei a Brasília, por volta de 1962 ou 1963, tornei-me amigo do Deputado Pedro Aleixo, que muitas vezes comentava comigo algo que me deixou muito curioso. Quando S. Exª queria referir-se a um local muito distante, dizia: “Lá no Calafate.” Calafate era o bairro mais distante de Belo Horizonte. Um dia, fui a Belo Horizonte para tratar de um assunto qualquer e pedi ao taxista que me levasse ao Calafate; perguntei-lhe se o bairro ficava muito longe. E o motorista disse: “Não, já foi; hoje já não é mais tão distante”.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco-PT/DF) - É no centro, encostado à Praça Raul Soares.

O Sr. Edison Lobão (PFL-MA) - De modo que o Calafate já não existe mais, porque a cidade de Belo Horizonte cresceu muito.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco-PT/DF) - É justamente isso. V. Exª, com seu aparte, também me faz lembrar de um episódio da minha infância.

Atravessando a minha rua, Rua São Paulo, que fica a 200 metros do Minas Tênis Clube, a cuja construção assisti e onde joguei vôlei e basquete - também joguei no Atlético Mineiro -, a 20 metros morava o José Monteiro de Castro; a mãe dele, Dona Neném, morava do outro lado da rua. A 300 metros morava o Ivo Pitanguy, em frente ao portão do Minas; a 150 metros, em direção ao Palácio da Liberdade, o Milton Campos; a cerca de 250 metros, o Professor Pedro Aleixo. Juscelino Kubitschek contratou o mesmo engenheiro e construiu uma casa com a mesma planta da minha, a 150 metros. Entre as nossas casas, havia a do primo dele, João Kubitschek, professor e arquiteto. Um dia, talvez se escreva alguma memória do nosso bairro, da nossa rua, que deu tantas esperanças à minha juventude.

Fui pichador de postes; pregava papéis contra Getúlio, a favor das eleições e da redemocratização, quando tinha 16 anos de idade, escondido da polícia de Benedito Valadares. Realmente, no entardecer da minha vida, aqueles democratas, aqueles membros da antiga UDN me entristeceram a partir de 1964. Poucos deles se salvaram; poucos pegaram o chapéu, como Milton Campos, por exemplo, que se distanciou daquele movimento iniciado em 1964. De modo que nem todas as esperanças se perderam; algumas ainda continuaram.

Como estava dizendo, Belo Horizonte era uma cidade ilhada; não havia asfalto. Conheci o asfalto na Europa, em 1953. A transformação foi enorme, e é com olhos de saudade que me lembro daquela cidade, que, ao crescer, não perdeu muitos de seus encantos e adquiriu, obviamente, novas manifestações culturais. Novas manifestações surgiram, foram desenvolvendo-se nas universidades, onde vivi grande parte da minha vida. Quando nasci, meu pai era catedrático, e inúmeros parentes meus tornaram-se professores tanto da faculdade de Medicina, quanto de outras.

Quero, portanto, manifestar a minha satisfação, a minha integração, a minha unidade indissolúvel com aquela cidade que um dia me viu nascer e assumiu, em certo momento, características que não me agradavam. Só um banqueiro possuía 20 mil casas em Belo Horizonte, e o álcool produzido em sua fazenda era capaz de abastecer toda a frota de carros da cidade. Assim, essa concentração fantástica de renda e de poder no sistema bancário foi-me assustando e ajudando-me a fazer as malas. Vim para uma cidade sem banqueiros; vim para uma cidade com o céu, com o espaço mais amplo do que o de Belo Horizonte. Então, troquei Belo Horizonte por Brasília, onde, encontrando mineiros, consegui manter a minha mineiridade praticamente intacta.

Tenho, portanto, motivos muito profundos para regozijar-me com os 100 anos de Belo Horizonte, com as suas características atuais, com a sua destinação para o futuro e com as diversas realizações, principalmente, culturais que sedia hoje.

Antes de abordar outro assunto, gostaria de consultar a Mesa sobre o tempo que me resta.

O SR. PRESIDENTE (Antonio Carlos Magalhães) - V. Exª é o senhor do tempo.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco-PT/DF) - E V. Exª, o senhor da delicadeza.

Gostaria apenas de dizer que, neste mundo da modernidade, em que tantas coisas surpreendentes têm ocorrido, principalmente nesse setor dos genomas, da engenharia genética, o que tem acontecido ultimamente é que o Governo tem mandado para cá alguns representantes que parecem resultado dessa engenharia genética. São “homens-quiabo”: da cintura para cima, conservam-se seres humanos; da cintura para baixo, são quiabos escorregadios. Ninguém consegue obter uma resposta firme, correta, certa, transparente desses representantes do Governo que aqui nos vêm esclarecer.

Certa vez, perguntei ao atual Presidente do Banco Central, que mencionou o “cesto de maldades”, o “saco de maldades”. Disse ele: O saco das maldades são estas maldades que estão aí e que vão nos levar R$20 bilhões, que serão transformados em juros para atrair e conservar esse dinheiro especulativo e adoçar os lábios dos banqueiros. Perguntei ao Dr. Pandora, digo, Dr. Gustavo Franco, da caixa de Pandora, se S. Exª ainda conservava a mesma opinião que manifestara há cerca de 10 meses, de que taxa de câmbio no Brasil deveria ser de R$1,00 por U$2,00, de R$0,50 por U$1,00. Se isso fosse imposto à prática, obviamente, não restaria pedra sobre pedra na economia e na sociedade brasileira.

Há dois meses, S. Exª havia repetido isso na FIESP, mas disse-me que não se recordava de havê-lo feito. Quer dizer, tentamos formular com seriedade uma pergunta e a resposta é: “Não me lembro, não me lembro!” Como se amnésia presidencial pudesse, agora, virar epidemia e atingir seus ministros, presidente do Banco Central e outros.

Pois bem, quando o Ministro Malan veio aqui nos brindar com sua agilidade mental, formulei perguntas em relação às quais S. Exª havia feito referência naquele dia e, portanto, não podia alegar que tinha esquecido, uma vez que tinha acabado de falar sobre os assuntos.

Tive o tempo regimental adequado e S. Exª também, mas o Ministro saiu, depois, talvez não muito satisfeito consigo, fazendo comentários em jornais - não se referiu ao meu nome -, continuando a responder as perguntas que eu havia feito.

Gostaria de esclarecer que quando eu disse que S. Exª estava recorrendo a um sofisma de composição, fiz uma pergunta muito séria, muito grave. Sofisma de composição, essa mentira, essa ilusão criada é repetida em todos os níveis da administração pública para justificar uma série de absurdos, porque são construções erguidas a partir de um sofisma, e esse sofisma já foi objeto de crítica há mais de 200 anos, de modo que ninguém pode duvidar de que se trata de um sofisma.

Citei, então, o exemplo a que Robert Malthus, em 1820, se referia. Quando aumento a minha poupança e reduzo o meu consumo, enriqueço; mas, se a sociedade toda reduz o seu consumo, aumenta a sua poupança e, portanto, reduz também os seus investimentos, a sociedade se empobrece, fica miserável. Isto, Malthus já tinha visto em 1820. Citei também o Keynes, mais recente, de 1936, quando ele se refere a fatos semelhantes.

Quando o Governo, por exemplo, diz que todos nós devemos equilibrar, como uma boa dona de casa, as nossas receitas, os nossos vencimentos com os nossos gastos e que toda a sociedade deve equilibrar receitas com gastos, isto também constitui um grande sofisma. Porque, se o comerciante e o industrial incorrem em custos e igualam seus custos, seus gastos a suas receitas, o seu lucro é zero. Ele não é capitalista. E, se todos fizerem isto, o País vai à mais profunda das desgraças, à situação mais terrível possível. E o Governo e seus membros não deveriam assoalhar este sofisma, esta mentira e impô-la à sociedade como um todo, a fim de justificar o equilíbrio do Governo, o aumento da carga tributária, o desemprego, a redução do gastos na área social dizendo que o objetivo deles é igualar, como deve fazer a dona de casa, receitas e despesas.

É um grande engodo e eu então demonstrei, por intermédio de uma lista de cerca de 64 anos a situação de déficit orçamentário do governo federal dos Estados Unidos. Sessenta e quatro anos de déficit e S. Exª havia acabado de dizer quer não havia país que continuasse crescendo com déficit orçamentário recorrente e um déficit orçamentário que se apresentasse durante uma série de anos consecutivos. Não é verdade, porque os Estados Unidos fizeram isso durante 64 anos - somente três anos de pequeno superávit , todos os outros de déficit.

De modo que então não adianta sustentar isso, porque esse é um argumento estatístico e não há como escapar a ele. Somente por intermédio de subterfúgios e “quiabismos” é que se pode fugir a uma questão tão frontal, tão óbvia e tão clara e irretorquível.

Finalmente, entre outras, apresentei uma questão muito elementar. S. Exª havia dito que é funcionário público. E o que aprendemos é que cada um vai formando a sua visão do mundo de acordo com esses condicionamentos profissionais, com seus interesses de classe, que vão impregnando a sua personalidade e formando a sua Weltanschauung, a sua visão do mundo.

Então, Sr. Presidente, S. Exª falou que era funcionário público. Ele esqueceu-se de falar que era funcionário público do FMI, e que lá se costuma receber 17 salários por mês. Os funcionários do FMI podem escolher qualquer colégio em qualquer parte do mundo para matricular seus filhos de graça, além de outras regalias. Devido ao pouco tempo de que disponho, não posso fazer um rol de todas as mordomias a que esses funcionários privilegiados têm direito.

O que perguntei a ele foi muito simples: o que é melhor? Vocês que dizem que o PT prefere a inflação, o que é melhor: uma inflação de 20% ou 30% ao mês, com reposição mensal de salário, ou uma situação em que a inflação é de 0,5% ou 1% ao mês, mas em que se passam 30 meses sem reposição, quando a reposição devida pelo Governo seria de 60%?. Esse argumento também seria irretorquível, e S. Exª, em vez de responder entre uma e outra alternativa, disse que uma inflação de 30% ou de 40% ao mês não poderia ser estabilizada nesse nível. Não perguntei isso a ele. Sei que com inflação perto de zero é mais fácil de se estabilizar quando não se paga funcionário, quando não se gasta com o social, quando se retornam os recursos da reforma agrária. É bem mais fácil quando a dívida pública dispara como um foguete - e essa dívida pública vai ser paga no futuro por aqueles que estão gozando hoje dessa estabilidade de uma inflação próxima de zero. Mas pagaremos a dívida pública, que cresce para enxugar a base monetária, para impedir que a inflação retorne. A dívida pública, então, cresce no lugar da inflação - e vamos ter de pagá-la um dia.

           Parece-me que, das próximas vezes, essa engenharia genética que faz com que se misturem seres humanos de cabeças privilegiadas com pernas de quiabo escorregadias não se vai repetir. Que se coloque cobro e fim a essa engenharia genética que já está realmente causando um mal muito grande ao País.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/12/1997 - Página 28875