Discurso no Senado Federal

REPULSA A DETURPAÇÃO DOS ENSINAMENTOS DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS, POR MEIO DA UTILIZAÇÃO, PELA MIDIA E POR POLITICOS, DAS EXPRESSÕES 'FRANCISCANA', 'POLITICA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS' E 'E DANDO QUE SE RECEBE'.

Autor
Romeu Tuma (PFL - Partido da Frente Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • REPULSA A DETURPAÇÃO DOS ENSINAMENTOS DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS, POR MEIO DA UTILIZAÇÃO, PELA MIDIA E POR POLITICOS, DAS EXPRESSÕES 'FRANCISCANA', 'POLITICA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS' E 'E DANDO QUE SE RECEBE'.
Aparteantes
Benedita da Silva, Bernardo Cabral, Lúcio Alcântara, Pedro Simon, Sebastião Bala Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 16/01/1998 - Página 680
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • PROTESTO, ALTERAÇÃO, RESPONSABILIDADE, POLITICO, DISCURSO, FILOSOFIA, FRANCISCO DE ASSIS, VULTO HISTORICO, IGREJA CATOLICA, RELIGIÃO, JUSTIFICAÇÃO, IRREGULARIDADE, CORRUPÇÃO, NEGOCIAÇÃO, AMBITO, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, PAIS.

O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, atrevo-me a despertar a fúria de tantos quantos se julgarem atingidos pelo que vou dizer, mas lhes peço que me antecipem seu perdão. Peço-lhes também que recebam este pronunciamento como meu desabafo, num apelo para que revejam as próprias posições e parem para pensar.

Na sessão do Senado da última sexta-feira, dia 9 de janeiro, comprometi-me neste plenário a fazer um breve histórico e a defesa, se é que isso seja necessário, daquele que considero o maior santo da Igreja Católica.

Assumo hoje esta tribuna para transmitir minha repulsa - minha e de milhões de outros brasileiros - à deturpação dos ensinamentos e ao enxovalhamento do nome daquele que é o protetor dos animais e patrono dos ecologistas. O enxovalhamento do nome daquele santo que, por seu despreendimento e abnegação transcendentais, tornou-se admirado e respeitado, independentemente da fé religiosa que professou, em todos os cantos do mundo, menos em alguns setores da política brasileira. Aquele ser sublime, batizado com o nome laico de Giovanni Francesco Bernardone, que repudiou a riqueza material para encarnar tudo o que Jesus Cristo pregou, tornando-se venerado como São Francisco de Assis.

Desde que uma frase sua foi citada de forma infeliz e reprovável, durante o Congresso Constituinte elaborador da Carta vigente, tem-se injuriado a memória de São Francisco de Assis, ora em tentativa de justificar a politicagem e a corrupção que, desgraçadamente, ainda campeiam em certos setores da administração pública, ora com eufemismos que, por preguiça mental, segundas intenções de seus usuários ou simples modismo, complementam denúncias de improbidade nos escalões da República.

Até quando a cegueira ou o dolo de quem goza do acesso à tribuna e à mídia continuará a agredir nossa inteligência, chamando de “franciscanas”, “política de São Francisco de Assis” e palavras semelhantes ações de barganha que envergonham qualquer ser humano razoavelmente formado?

Será que há mente humana, neste mundo, que pode ser tão obtusa a ponto de ignorar a sublime mensagem contida na frase ”É dando que se recebe”, para usá-la em tentativas de legitimar trapaças ou rotular ações indecorosas?

Podemo-nos tornar tão insensíveis e sarcásticos a ponto de esquecer que São Francisco sempre se referia a um plano de existência mais elevada, onde haverá retribuição divina por todos os gestos de caridade e solidariedade, onde haverá retribuição por todo o bem que tenhamos praticado em benefício de nosso semelhante e de todos os seres criados por Deus? Ou será que caminhamos de volta aos tempos em que distinguir o que é de César do que é de Deus equivaleria a incorrer numa sentença de suplício e morte?

Apenas para reforçar o que digo, com a emoção de quem voltou, há poucos dias da pequenina Assis, na região italiana da Úmbria, lembro que São Francisco é o fundador da Ordem dos Franciscanos, aqueles frades que, assim como ele o fez, se devotam à pobreza material. Confesso ter ficado profundamente comovido ao visitar os locais em que ele viveu desde o nascimento; ou seja, de 1.182 a 1.226. Comovi-me principalmente ao sentir a grandiosa relação existente entre a beleza dos afrescos de Giotto, Lorezentti e Cimabue e o exuberante exemplo de vida que São Francisco nos legou. Essas obras de arte, danificadas pelo terremoto do ano passado, estão sendo restauradas nas duas igrejas superpostas que formam a Basílica, onde fica a tumba do santo.

Só uma alma sublimada seria capaz de conduzir o corpo pela vereda que leva à concretização, sem recuos, de renúncias e sacrifícios como os escolhidos por aquele bem-aventurado. Sim, porque Giovanni Francesco Bernardone - o jovem, alegre e despreocupado herdeiro de um dos comerciantes de tecidos mais abastados daquela região - despojou-se de todo o poder, fortuna e glória, após servir como soldado e cair prisioneiro de guerra por um ano, numa batalha entre as forças das vizinhas cidades de Assis e Perugia.

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP) - Pois não. Ouço, com muita honra, o aparte de V. Exª.

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - Nobre Senador Romeu Tuma, vou fazer um breve aparte ao discurso de V. Exª. Eu, inclusive, não estava aqui na sessão do Senado de sexta-feira, mas a imprensa noticiou a liberação e a negação de recursos a Parlamentares - acho que foi isso -, e mais uma vez se voltou a esse bordão de se comparar a vida, a ação e a atitude de São Francisco com esses fatos. Isso surgiu de uma frase do conterrâneo de V. Exª, o saudoso Deputado Roberto Cardoso Alves, então, se não me engano, Ministro da Indústria e Comércio. S. Exª , para justificar o apoio recíproco que deve e pode existir entre a base de sustentação de um Governo no Congresso e o Poder Executivo, usou a expressão “é dando que se recebe”, de uma famosa oração de São Francisco de Assis: “É dando que se recebe, é perdoando que se é perdoado e é morrendo que se vive para a vida eterna”. Senador Romeu Tuma, o Deputado Roberto Cardoso Alves, era um homem culto - quero aqui dar um depoimento. Infelizmente a história nos prega muitas peças e armadilhas. Quando da morte de Tancredo Neves, que foi sepultado em São João Del-Rei, passei mais de um dia convivendo com o Deputado, porque viajávamos juntos, oportunidade em que pude conhecê-lo melhor. Homem erudito, ouso dizer, conhecia Direito, Literatura. Por intermédio desse contato excelente, passei a ter um conceito altamente positivo sobre a sua formação, o seu conhecimento - e digo isso quando ele já não está mais entre nós, pois faleceu em um acidente em São Paulo. Ele se valeu de uma imagem que ficou e que, infelizmente, tem sido repetida. E isso não faz jus à sua inteligência. V. Exª está absolutamente correto ao repelir essa comparação. Realmente o Deputado Roberto Cardoso Alves disse isso. Mas nós, políticos, temos que ter muito cuidado com as expressões que utilizamos, porque, às vezes, nem chegamos a usá-las e elas já passam como tendo sido proferidas por nós. Por exemplo, dizem que o Brigadeiro Eduardo Gomes nunca teria dito que não queria voto de “marmiteiro”. Teria sido o Deputado Hugo Borghi que criou essa expressão, e o pobre do Brigadeiro passou para a história como um homem que só queria voto de elite. Então, todo cuidado é pouco nessa matéria.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS)- E terminaram não votando nele.

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - Exatamente. E ele nunca teria dito isso. É preciso que reflitamos um pouco a esse respeito, porque isso não acontece apenas no Brasil, ocorre em qualquer governo de país civilizado onde há uma relação de reciprocidade entre o governo e a sua base de sustentação política. É necessário que se tenha cuidado com os limites éticos dessa relação, o que é realmente razoável. Penso, por exemplo, que o Orçamento não deveria ter, pelo menos nesse particular, esse caráter autorizativo, já que é concedida ao parlamentar uma determinada importância para que apresente emendas pelos municípios que representa; que tenha realmente uma liberação automática, independente de ser da oposição ou da situação. Mas querer negar que na relação política entre a base de sustentação parlamentar e o governo não haja reciprocidade é negar uma evidência solar. O que se precisa ter cuidado é com os limites éticos e morais, que devem ser observados. Concluo, dizendo a V. Exª que São Francisco não necessita de reparo. O povo brasileiro, por si só, é unanimemente, posso dizer, advogado desse grande taumaturgo. Vamos falar de São Francisco no que diz respeito à solidariedade com a pobreza, esse homem que renunciou às glórias do mundo para ser um pregador da palavra de Deus, um homem da ecologia, do irmão-sol, da irmã-lua, dos animais, do meio ambiente - aliás, no Brasil, precisamos tanto disso, de quem olhe para a ecologia, para as questões do meio ambiente e da sua defessa e proteção. Portanto, vamos deixar São Francisco de fora dessa querela, dessa polêmica de partido político, porque ele não tem nada a ver com isso.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS)- Penso que a frase apresentada agora está bem, Sr. Presidente. É relação de reciprocidade. Não é: “É dando que se recebe”. É uma relação de reciprocidade, com alguma coisa de ética.

O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP) - Senador Lúcio Alcântara, agradeço-lhe o aparte e o incorporo ao meu discurso.

Mas o que me trouxe a esta tribuna - e nem teria cabimento uma defesa a São Francisco, até porque o invoco sempre no dia em que comemoro o meu aniversário, já que nessa data comemora-se o dia de São Francisco de Assis -, é que na sexta-feira, no sábado e no domingo, as televisões anunciaram a denúncia trazida a este Plenário, e que V. Exª coloca nos devidos termos, e um dos grandes jornalistas que admiro disse, com muita ênfase, que “continua a prática franciscana nos meios políticos brasileiros”.

Sr. Presidente, estive em Assis com a minha esposa, e foi com emoção que reagi à manifestação desse jornalista. Por isso estou aqui disposto a transmitir um pouco daquilo que acho importante. Que não se siga apenas a frase de São Francisco, mas o seu exemplo. Isso é muito importante; por isso valeu a pena trazer essa discussão a este Plenário.

O Sr. Bernardo Cabral(PFL-AM) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP) - Concedo um aparte ao Senador Bernardo Cabral.

A Srª Benedita da Silva (Bloco/PT-RJ)- Senador Romeu Tuma, V. Exª também me permite um aparte?

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - Senador Romeu Tuma, se V. Exª permitir, a Senadora Benedita da Silva pode aparteá-lo em primeiro lugar. Noblesse oblige.

O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP) - Pois não, nobre Senador.

A Srª Benedita da Silva (Bloco/PT-RJ) - Agradeço a gentileza política do Senador Bernardo Cabral. Senador Romeu Tuma, estou atenta ao seu pronunciamento; e faria a mesma alusão que o Senador Lúcio Alcântara teve a felicidade de fazer ao lembrar o episódio ocorrido na Câmara dos Deputados, quando de lá surgiu essa infeliz associação. Sendo cristã, professando outro credo - sou protestante - não poderia deixar de, neste momento, colocar o sentimento que todos temos na questão da reciprocidade, na respeitabilidade das opções religiosas. Não é só isso. É importante essa convivência plural. Vivemos em um País onde temos liberdade religiosa, por isso é preciso que respeitemos aquilo que simboliza a crença de cada um dos cidadãos. Sempre incomodou-me o fato de todas as vezes em que se fala a respeito de qualquer desvio, deslize, falcatrua ou mesmo facilidade, associá-los a esse símbolo, que para os católicos representa o compromisso com a mudança e com os menos favorecidos. Aliás, há obras maravilhosas, que todos nós, independentemente de credo religioso, temos como leitura de cabeceira. Ensinamentos que nos fazem nos comprometermos com os menos favorecidos. Como V. Exª, também tive a oportunidade de visitar Assis, de compreender aquela obra maravilhosa. Assim, no ecumenismo político, realmente pude elaborar políticas para as favelas do Rio de Janeiro e de outros Estados da Federação. Durante muito tempo participei da Igreja Católica e tive a oportunidade de desenvolver um trabalho excelente. V. Exª aborda com propriedade esse tema. O que temos que pedir é reciprocidade, respeito mútuo nas opções, e não fazer desse símbolo cristão um instrumento de manipulação e justificação de coisas que abominamos.

           O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP) - Senadora Benedita da Silva, agradeço muito o seu aparte. V. Exª fez a importante observação de que o Papa lá esteve dois dias após a minha visita e, ao encontrar os desabrigados pelo terremoto, na época habitando contêineres, afirmou enfaticamente que é tempo de reconstrução. Sua Santidade não estava se referindo à urgência de reconstruir a igreja e os afrescos. O fato é que estamos nos aproximando do terceiro milênio e a sociedade ainda sofre, o que não é aceitável. Lembra o Senador Pedro Simon que um bispo amigo, ao visitar o Vice-Presidente, fez uma maravilhosa exposição teológica, tendo como ponto de partida o seguinte questionamento: haverá no ano 2.000 lugar para Cristo?

           O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - V. Exª me permite um aparte?

           O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - Senador Romeu Tuma, em primeiro lugar, quero que V. Exª não se assuste ou não se surpreenda com a pobreza franciscana do meu aparte na riqueza do seu discurso. Faz muito bem V. Exª em vir à tribuna para relatar a visita a Assis, ou Assisi, como dizem os italianos, assim como a eminente Senadora Benedita da Silva. Agora dou o meu depoimento: quando Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, tive oportunidade de conhecer uma das figuras de homem público da maior inteligência e erudição, o Primeiro-Ministro italiano chamado Amintore Fanfani. Levado para uma visita de cortesia a S. Exª pelo Cônsul da Itália no Rio de Janeiro à época, hoje Embaixador dos Emirados Árabes, Luca Biolatto, eu, sem saber que o Ministro Amintore Fanfani tinha uma obra sobre São Francisco de Assis, e sendo eu devoto de São Francisco, disse-lhe que, na minha opinião, a maior figura da Igreja Católica em todos os tempos, que será insuperável, era a de São Francisco de Assis. E cheguei até a dizer que o comparava a Jesus Cristo na sua missão. À vista disso, ele prolongou a conversa, deu-me os seus trabalhos e perguntou se eu conhecia a cidade de Assis. Disse-lhe que no dia seguinte iria lá com a minha mulher e a surpresa é que ele foi-nos buscar no hotel e fomos a Assis com o Primeiro-Ministro Amintore Fanfani. E só a ele - porque se devia o patrimônio histórico da cidade de Assis ao seu trabalho - era permitido visitar a célula, ou cela, ou pedaço onde morava São Francisco de Assis. Como é considerado lugar santo, não se faz turismo, nem se permitem as visitas, em exceções muito consideráveis. E essa nossa ida à cela de São Francisco de Assis nos deu a nítida noção da sua grandeza. Uma cama de pedra - não era uma cama normal de madeira -, com uma janela muito minúscula e uma espécie de uma bacia, onde ele deveria lavar o rosto e nada mais. Fomos no verão e já fazia frio; eu imagino como ele era capaz de suportar aquilo no inverno. Quando vejo V. Exª vir à tribuna lembrar os afrescos de Giotto - e devo lembrar que lá voltei mais duas vezes -, sinto-me recompensado de ser seu amigo, Senador Romeu Tuma. V. Exª demonstra que é preciso que o homem público tenha cuidado, porque toda vez que um político exercita uma palavra, se não houver precaução, ela pode inclusive sofrer distorções e tornar-se piada, pilhéria. Vejam no que resultou quando o Presidente da República, na força de sua palavra, disse “nhenhenhém”! De forma que V. Exª resgata o equívoco de um homem público, como bem disse o Senador Lúcio Alcântara, mas, ao fazê-lo, V. Exª faz nesta tarde, neste nosso púlpito, que é da democracia e não dos religiosos, uma bela manifestação para dizer que São Francisco de Assis foi, é e continua sendo não o homem que dizia “É perdoando que se é perdoado”, mas o homem que dizia o que V. Exª está fazendo hoje: que é com humildade que se conquistam os seres humanos. E V. Exª sabe exercitar a humildade. Meus parabéns, Senador Romeu Tuma!

O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP) - Senador Bernardo Cabral, não sei se agradeço ou não a V. Exª, porque o seu carinho permanente com a minha pessoa é um estimulador, sempre presente a solucionar as minhas dúvidas e a ajudar-me nos pronunciamentos que faço nesta Casa. Já recebi esse tratamento antes, ao ser seu auxiliar, no brilhante período em que V. Exª dirigiu os destinos da Justiça deste País. Então, não agradeço a V. Exª, porque eu o tenho como um irmão. V. Exª sabe disso. Nossos diálogos sempre estiveram de acordo com esse carinho que V. Exª transmite em seu aparte.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP) - Concedo o aparte ao Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Senador Romeu Tuma, não me surpreende seu pronunciamento. Há muito tenho dito que é emocionante ver uma pessoa, considerada o Policial nº 1 deste País, pela competência na sua ação de policial, ter essa sensibilidade, essa grandeza de espírito que V Exª vem demonstrando ao longo do seu mandato. Assim, de acordo com o que V. Exª tem feito, seu pronunciamento não me surpreende. Não há dúvida alguma de que é um pronunciamento muito feliz. V. Exª vem realmente, como já foi dito pelos meus antecessores, resgatar a imagem de São Francisco de Assis. Não que seja necessário. V. Exª disse, com toda a razão, que não está defendendo São Francisco de Assis. Seria até meio grotesco de nossa parte imaginarmos que ele precisasse de nossa defesa. V. Exª está nos defendendo e não devemos praticar a heresia de ligar algo que é delicado e que o ilustre Senador do Ceará colocou aqui - acho que S. Exª foi muito feliz - “relação de reciprocidade”. Esse é o termo que meu amigo Robertão deveria ter usado: “Olha, há uma relação de reciprocidade entre Governo e Parlamento”. O que é reciprocidade? Vota-se aqui e recebe-se ali, com mais ou menos ética, de acordo com o Governo. Meu amigo Robertão, por quem tinha o maior carinho, na verdade usou uma frase que teve efeito. Se ele tivesse usado outra frase... Por exemplo, vamos ver agora se essa expressão utilizada pelo meu querido Senador Lúcio Alcântara, “relação de reciprocidade”, consegue substituir na imprensa o "é dando que se recebe". Acho difícil, porque o "é dando que se recebe" tem mais impacto. Na verdade, na minha opinião, depois do “Pai Nosso”, a “Oração de São Francisco” é a oração mais bonita que conheço. Na realidade, se Cristo era Deus e, como Deus, quis nascer numa manjedoura, filho de pobre, São Francisco não escolheu lugar para nascer. Nasceu em berço de ouro e renunciou, abriu mão de uma vida para se dedicar, realmente, a um exemplo, e a sua oração - repito - é uma lição de vida para quem realmente deseja executá-la. “É dando que se recebe", "é dando amor que se recebe", "é dando carinho que se recebe", "é perdoando que se é perdoado". Não há dúvida, é a oração mais bonita que conheço, assim como a vida de São Francisco é das mais emocionantes que conheço. Agora, V. Exª refaz com muita importância. Quando diz que um importante jornalista teria feito referência, segundo o pronunciamento de V. Exª, à “prática franciscana”, esse jornalista mostra que não é muito competente, ele não foi feliz. A prática franciscana? Isso não é verdade. Poderia até ter feito referência ao dito, à afirmação, mas à prática? Não é verdade. Feliz o pronunciamento de V. Exª. Que bom se V. Exª ou se a Casa mandasse o pronunciamento de V. Exª para cada representante da imprensa, para, amanhã, quando repetirem isso, mudarem sua maneira de ser. Acho que depois teríamos de discutir - não hoje, porque hoje é o dia do discurso de V. Exª - o aparte do bravo e querido Senador Alcântara, para sabermos realmente qual é a relação de reciprocidade entre Governo e Parlamentares que defendem o Governo. Trata-se de questão delicada que não pode ser empurrada para baixo do tapete. É dando que se recebe, é dando amor que se recebe amor. Agora, reciprocidade no sentido de eu votar a favor e as minhas emendas serem aceitas é uma discussão que o Senador Alcântara e nós devemos fazer numa outra oportunidade. Meus cumprimentos pela felicidade do pronunciamento de V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senador Romeu Tuma, interrompo V. Exª apenas para dar-lhe conhecimento de que V. Exª já ultrapassou em cinco minutos o tempo regimental destinado a seu discurso.

O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP) - Não gosto de desrespeitar o Regimento, mas pediria a V. Exª um minuto de tolerância para agradecer ao Senador Pedro Simon, que tem, neste plenário, sido sempre um exemplo de coerência, dedicação e desprendimento das coisas materiais em todos os pronunciamentos que aqui faz, referindo-se a sua atuação como Governador e como Parlamentar. Agradeço a chance de ouvi-lo e incorporar seu aparte a meu discurso.

O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT-AP) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP) - Senador Sebastião Rocha, meu horário já se esgotou, mas gostaria de ouvir V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Solicito a V. Exª, Senador Sebastião Rocha, que seja muito breve, pois o tempo do orador já foi ultrapassado em mais de cinco minutos.

O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT-AP) - Pois não, Sr. Presidente. Gostaria apenas de me solidarizar com o Senador Romeu Tuma, parabenizando-o pela oportunidade de seu discurso e dizer que, realmente, é um equívoco querer comparar a prática franciscana com o que acontece não só no Brasil, mas na política de países do mundo inteiro. É claro que o alcance dessa frase está exatamente na dimensão do perdão, do amor, da salvação, em razão daquilo que se faz de bom para o semelhante, o próximo. Essa prática da reciprocidade, colocada muito bem pelo Senador Lúcio Alcântara, existe. Tive também dificuldade para ver liberadas minhas emendas pelo Governo, precisei recorrer à ajuda de Parlamentares governistas para ter sucesso, e felizmente temos conseguido avançar em alguns pontos. Agradeço pela oportunidade e parabenizo V. Exª.

O SR. ROMEU TUMA (PFL-SP) - Muito obrigado, Senador Sebastião Rocha. Sei da dedicação de V. Exª no seu trabalho, representando seu Estado neste plenário.

Sr. Presidente, darei como lida toda a outra parte de meu discurso, mas peço-lhe que me conceda mais alguns segundos para apresentar as minhas conclusões.

Agradeço a tolerância de V. Exª.

Srªs. e Srs. Senadores, as propositadas confusões entre o “é-dando-que-se-recebe” espiritual com o “toma-lá-dá-cá” material têm-se repetido com tanta insistência que seriam cômicas, não fossem trágicas. Poderia eu ter enveredado pelo caminho da ironia, mas o assunto é sério demais. Envolve a moral e a ética que deveriam prevalecer na política. Moral e ética que devem orientar nossos passos, pois não podemos nos esquecer de que as condições de vida e o bem-estar de nosso povo dependem de cada passo que dermos nesta e nas demais Casas de leis brasileiras, assim como nos diferentes níveis da administração pública. Quero, por isso, repetir as palavras escritas por D. Paulo Evaristo Arns no artigo “Ser Cristão em Tempos de Violência”, publicado na Folha de S. Paulo há pouco mais de um ano: “Façamos nosso o ideal de São Francisco de Assis: “Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz!”. Paz construída pela honestidade e retidão. Paz produzida pela justiça. Com barganhas que cheiram a extorsão, corrupção e suborno, ninguém poderá honrar a memória de um santo, cuja vida e obra seguiram exatamente no sentido oposto.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/01/1998 - Página 680