Discurso no Senado Federal

ANALISE DO RELATORIO DO INPE SOBRE OS DESMATAMENTOS NA FLORESTA AMAZONICA, RESSALTANDO A NECESSIDADE DE REPENSAR AS FORMAS DE OCUPAÇÃO DA MESMA.

Autor
Coutinho Jorge (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PA)
Nome completo: Fernando Coutinho Jorge
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • ANALISE DO RELATORIO DO INPE SOBRE OS DESMATAMENTOS NA FLORESTA AMAZONICA, RESSALTANDO A NECESSIDADE DE REPENSAR AS FORMAS DE OCUPAÇÃO DA MESMA.
Aparteantes
Marina Silva.
Publicação
Publicação no DSF de 29/01/1998 - Página 1477
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • APREENSÃO, DADOS, INSTITUTO DE PESQUISAS ESPACIAIS (INPE), DESMATAMENTO, REGIÃO AMAZONICA, ANALISE, ESTATISTICA, SITUAÇÃO, FLORESTA, MUNDO.
  • REGISTRO, POLITICA INTERNACIONAL, MEIO AMBIENTE, POSTERIORIDADE, CONFERENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (ECO-92).
  • ANALISE, CARACTERISTICA, DESMATAMENTO, PARTICIPAÇÃO, PEQUENO PRODUTOR RURAL, PROGRAMA, REFORMA AGRARIA, NECESSIDADE, REVISÃO, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, ATENÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, DEFESA, CRIAÇÃO, FLORESTA NACIONAL.

O SR. COUTINHO JORGE (PSDB-PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, gostaria de tecer algumas considerações e análises a respeito do Relatório do INPE, divulgado na segunda-feira, sobre o desmatamento da Amazônia, cujo alto índice no ano de 1995 causou um grande impacto na imprensa brasileira.

Na condição de amazônida e alguém que procura estudar e compreender a beleza e a grandeza daquela região, e como ex-Ministro do Meio Ambiente no Governo do Presidente Itamar Franco, acredito ser importante relembrar o papel estratégico das florestas para o meio ambiente.

As florestas têm importância fundamental nas duas crises ambientais mais significativas de todo o globo: a perda da biodiversidade e o aquecimento da Terra. Na verdade, as florestas são essenciais para a manutenção do clima e da biodiversidade, que envolve fauna, flora e microorganismos, a proteção do solo, a geração e produção de recursos hídricos.

Hoje, por exemplo, enchentes e secas que ocorrem em várias regiões do mundo são, normalmente, produto do desmatamento de várias bacias hidrográficas. Se analisarmos rapidamente o processo de desmatamento mundial, constataremos que a Ásia, até agora, destruiu 88% de suas florestas; a Europa, 62%; a África e a América Latina, 45%. A América do Norte detém cerca de 40% de florestas, porém florestas artificiais - somente 5% são nativas. E há uma brutal diferença entre a biodiversidade de uma floresta nativa e a de uma floresta artificial.

No cenário mundial, o Brasil tem um papel importante, pois detém 30% das florestas tropicais do mundo. Considerando-se outros tipos de florestas - temperadas e outras -, o Brasil ocupa o terceiro lugar no mundo em florestas, atrás da Rússia e do Canadá, somente. Hoje, o Brasil é considerado um dos países que mais destróem a sua floresta.

Quero lembrar que tivemos uma mata fascinante do Nordeste até o Sul - a Mata Atlântica -, 93% da qual o Brasil destruiu, no seu processo de desenvolvimento, restando apenas 7%. Na época do Governo do Presidente Itamar Franco, tivemos a oportunidade de sugerir um decreto importante, na tentativa de salvar o restante da Mata Atlântica. Até hoje, esse Decreto n° 750, editado em 1993, causa polêmica, mas através dele tentou-se minimizar os impactos negativos da exploração desenfreada da fantástica Mata Atlântica.

Em 1992, houve o primeiro grande encontro das Nações - a Conferência Rio-92 - ,onde se discutiu o desenvolvimento sustentável do meio ambiente. Esse encontro teve como sede o Brasil, até então o grande vilão no que diz respeito às queimadas de suas florestas.

Na verdade, o INPE, àquela altura, procurou restabelecer a realidade de então. Publicou um relatório mostrando que a Amazônia detinha, ainda, 90% de sua floresta nativa.

Sr. Presidente, todas as decisões ali tomadas teriam um papel importante na mudança do comportamento mundial. Na Rio-92 aprovamos duas grandes convenções: a chamada Convenção da Biodiversidade, que trata sobretudo da fauna, da flora e dos microorganismos; e, em especial, a Convenção das Mudanças Climáticas, que tratava da redução do efeito estufa, que já traz graves seqüelas para a humanidade.

Recentemente, em Kyoto, houve um encontro mundial onde se procurou avaliar os efeitos e os resultados dessas convenções. A esse respeito, tive a oportunidade de fazer um pronunciamento neste Plenário. Mas aquilo que se decidiu em 1992 a respeito da emissão de gases tóxicos, por exemplo, que geram o efeito estufa, deveriam, no ano 2000, ser reduzidos aos níveis apresentados em 1990. Mas, lamentavelmente, praticamente poucos países cumpriram com os seus compromissos. Vejam V. Exªs que os maiores emissores de gases tóxicos são os países desenvolvidos, como os Estados Unidos, que despejam na atmosfera 36% de dióxido de carbono.

Sr. Presidente, qual o papel das florestas nesse contexto? Elas têm importância relevante, porque elas tem a atribuição de filtrar o ar, reduzindo o dióxido de carbono jogado na atmosfera. À medida que se destrói a floresta, reduz-se também a absorção desse gás tóxico. Essa destruição, portanto, leva-nos a um problema duplo.

Em Kyoto foi apresentado um relatório, de autoria de 2.000 cientistas de vários países e organismos mundiais, mostrando-nos que a emissão desses gases está levando a um superaquecimento da temperatura da Terra. Possivelmente, no século XXI, teremos inundações; aliás, já começou o degelo das calotas polares, em várias áreas costeiras, problemas de secas e de chuvas incontroláveis, desequilíbrios nas correntes marítimas, como é o caso do El Niño, tudo isso dentro de uma lógica global. Naquela cidade do Japão decidiu-se o mínimo que se poderia fazer, pois não tiveram a coragem de assumir o que foi decidido na Conferência sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992.

Voltemos, portanto, à floresta, que tem um papel crucial e relevante no processo de redução desse impacto negativo do efeito estufa.

Quero lembrar que o dilema entre homem e natureza deixa de ser considerado, porque o impacto ambiental gera efeitos negativos irreparáveis, tanto no plano econômico como no social, disso não tenho dúvidas. A tese do desenvolvimento sustentável é básica, fundamental, ou seja, significa usar racionalmente e com lógica os recursos naturais não-renováveis. Significa dizer que o que devemos conservar e saber manejar com critério e lógica são os recursos naturais que a vida nos deu. Nesse sentido, a floresta tem um papel fundamental. É por isso que o INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais -, há dois dias, publicou e apresentou um relatório, com as presenças dos Ministros do Meio Ambiente, Gustavo Krause, e o da Ciência e Tecnologia, Israel Vargas. Todos ficaram atônitos com algumas informações. Passo a relembrar as mais importantes. 

            Em 1995, o índice de desmatamento, ou seja, de desflorestamento por qualquer causa, foi da ordem de 29.059 quilômetros quadrados. Recorde de toda a história. Nesse período, o INPE, através da utilização do Satélite Landsat, pesquisou toda a Região Amazônica. Isso significa o dobro do ocorrido em 1994, que foi em torno de 14 mil quilômetros quadrados. 

            Já em 1996, o mesmo relatório mostra que o índice de 29 mil quilômetros quadrados caiu para 18 mil quilômetros quadrados, com uma perspectiva de ser reduzido em 1997, face a uma série de medidas que o Governo Federal tem tomado nessa direção.

Lembro que a média anual do período de maior ocorrência de queimadas na Região Amazônica vai de 1978 a 1988, quando tivemos uma média anual de 21 mil quilômetros quadrados de queimadas. Nessa época, o Governo do Presidente José Sarney resolveu tomar uma série de medidas, como a reformulação da política de incentivo fiscal e a de criação de programas que trariam uma nova perspectiva, tendência essa perigosa, trazendo o desmatamento na Região Amazônica.

Em 1991 tivemos o baixo índice de 11 mil quilômetros quadrados. Tudo isso foi, em parte, produto da política de incentivos fiscais que, a partir da década de 60, foi implantada na Amazônia. Aliás, faço questão de frisar sempre, que, em função de uma política de incentivo a implantação de projetos pecuários, praticamente a floresta foi dizimada para dar lugar à formação de pastagens. 

Ao lado disso, a política praticada pelo INCRA de há muito nos traz uma contradição, que hoje o Governo Federal tenta reformular. Ou seja, o INCRA só aceitava como direito de posse reconhecida a área em que o desmatamento atingisse 50%. Há casos, na Amazônia, de empresários que não queriam destruir a floresta, mas, para ter o direito de posse, para ter o financiamento, o reconhecimento do INCRA, precisavam destruir 50% de sua área. Era uma contradição. Havia uma boa intenção por um lado, mas trazia uma incoerência por outro. Hoje, o Governo Federal reconhece que deve rever essa política equivocada, que há muito tempo o INCRA desenvolve no Brasil.

Os dados, por isso mesmo, mostram uma contradição também no perfil da destruição e do desflorestamento da Amazônia. Historicamente, em função da política de incentivos fiscais, houve as grandes queimadas e derrubadas. No entanto, em 1995, o INPE mostrou que, além de ser o maior índice de derrubada por quilômetro quadrado ocorrido na história - 29 mil quilômetros quadrados -, quase 50% são de desmatamentos em regiões com áreas inferiores a 50 hectares. Portanto, totalmente diferente da tendência histórica em relação a esse processo. O perfil daquele que destrói a floresta é outro. Não é só o grande empresário do passado, é também aquele homem que realmente precisa da terra para viver, para trabalhar, para produzir.

Pesquisas da Embrapa observam que foi durante o período de maior força do Plano Real, do desenvolvimento da área econômica, em 1995, que houve esse grande incremento de 29 mil quilômetros quadrados. Além de ter havido um período seco significativo em 1995. A Embrapa mostra também que a própria política de reforma agrária, o Movimento dos Sem-Terra e a busca legítima da terra contribuíram para tudo isso.

Quero lembrar que foi um ano diferente, mas que serviu para alertar-nos para muitas coisas. O levantamento feito pelo Satélite Landsat, por melhor visão que ele possa ter das várias áreas da Amazônia, não pode detectar, por exemplo, as áreas queimadas, as áreas que tiveram, mesmo de forma seletiva, cortada a sua madeira, criando vazios na floresta que interferirão na qualidade da biodiversidade e permitirão a existência de fogo que nenhum satélite pode detectar.

Portanto, a informação do INPE foi fundamental para que passássemos a repensar a Amazônia, a repensar as políticas, os programas, as propostas que estão sendo desenvolvidas para aquela região. É importantíssimo darmos um passo atrás e tomarmos uma série de decisões importantes. Não devemos nos esquecer nunca, como disse há pouco, de dois temas básicos a serem discutidos em relação aos recursos naturais, à floresta: a conservação, por um lado, e o manejo, por outro. Isto não quer dizer que deixaremos a floresta intocada. Devemos, realmente, manejá-la de forma racional e coerente e devemos conservá-la da melhor forma possível.

Quero lembrar o encontro mundial realizado na Venezuela, em 1992, no qual todos os especialistas em florestas chegaram à conclusão de que é fundamental que países do mundo todo conservem pelo menos 10% da floresta original existente, para que não tenhamos conseqüências irreparáveis no futuro da humanidade. Ficou definida essa meta, 10%, que não é muito para os países conservarem. Houve um acordo das grandes organizações ambientais do mundo, como, por exemplo, o WWF, os Amigos da Terra, o Greenpeace, das grandes entidades do Brasil e de órgãos como o Banco Mundial reconhecendo que esse é um indicador razoável que pelo menos permite manter a riqueza biológica da floresta, manter o bioma e a biodiversidade.

Ora, poucos países conseguem manter 10% da floresta original e o próprio Presidente da República afirmou - já o havia feito anteriormente, mas reafirmou - que, até o ano 2000, o Brasil tem que garantir a conservação de 10% das suas florestas, como um compromisso inquestionável e fundamental.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT-AC) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. COUTINHO JORGE (PSDB-PA) - Pois não. Ouço o aparte de V. Exª, ilustre Senadora.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT-AC) - Agradeço a V. Exª pela oportunidade do aparte e parabenizo-o por estar aqui debatendo o problema do desflorestamento da Amazônia, principalmente a luz dos acordos e compromissos internacionais resultantes dos trabalhos da Eco-92 e dos dados que foram anunciados pelo INPE, que mostram a cifra astronômica, em 1995, de 29 mil quilômetros quadrados, e, em 1996, de 18.161 quilômetros quadrados de áreas queimadas. São dados bastante preocupantes e que devem fazer que as autoridades e a sociedade de um modo geral, mas principalmente o Governo tome medidas eficazes para barrar o processo de desflorestamento na Amazônia. V. Exª estava dizendo há pouco que mudou o perfil daqueles que estão causando o desfloramento. E realmente o INPE apresentou esse dado como algo a ser melhor averiguado, já que as fotografias apenas mostram que são pequenos focos, pequenas clareiras e não têm como tipificar se em grandes, em médias ou em pequenas propriedades, porque não dá para fazer essa interpretação. No entanto, ao fazer essa análise, não devemos ser movidos pela paixão, dizendo que se é o pequeno, vamos esconder, porque se trata do pequeno proprietário e não podemos falar dele. Não podemos fazer isso. Mas se é o pequeno, também não podemos responsabilizá-lo, porque ele foi deslocado das áreas onde existe pressão para a reforma agrária e levado para os assentamentos na Amazônia. Mais de 70% dos projetos de assentamento de colonização tradicional são na Amazônia, onde a pressão pela terra é diferente da do Sul e do Centro-Sul do País. Portanto, se houve orientação de reforma agrária para essa fronteira agrícola, ela é responsabilidade, em última instância, de quem a orientou e não daqueles que são os agentes, por conseqüência, do processo que está sendo debatido hoje. Este é um ponto. Por outro lado, penso que as medidas a serem tomadas não devem ser meramente as tradicionais medidas punitivas. Aliás, se ficarmos dependendo de medidas punitivas - V. Exª deve estar acompanhando muito bem -, ficaremos de mãos atadas, porque a lei do crime ambiental - aprovada no Senado por unanimidade, num trabalho cansativo realizado pelo Senador Lúcio Alcântara e por mim, para o qual ouvimos a sociedade, juristas e o próprio Governo, e que será votada pela Câmara dos Deputados daqui a pouco - está sendo modificada. Estão sendo torpedeados 36 dos seus artigos, inclusive todos aqueles que poderiam ajudar, e muito, o Governo a evitar o processo de devastação da Floresta Amazônica. Medida provisória do Governo instituiu aumento da reserva legal de 80%, o que, agora, é apenas ficção, porque estão sendo retiradas as penalidades para os que a desrespeitam. A reserva legal foi posta na ilegalidade mesmo tendo o Governo feito constar do relatório do INPE que ela é a responsável, segundo as suas análises, pela diminuição do desflorestamento em 1996. Sabemos que, naquele ano, houve fatores naturais, como a chuva e outros, que fizeram que o processo de desflorestamento diminuísse.

O SR. COUTINHO JORGE (PSDB-PA) - Vou concluir, Sr. Presidente. Agradeço o aparte da ilustre Senadora Marina Silva, grande baluarte da área ambiental. Creio, nobre Senadora, que as suas considerações e inquietudes são as minhas também.

O relatório serviu de alerta. Vamos ter que aprofundar o estudo das causas e a mudança do perfil daqueles que, aparentemente, estão reduzindo a área florestal da Amazônia. Também tenho dúvidas muito grandes sobre isso.

Voltarei a este tema, porque ele merece ser discutido. Entre as medidas importantes que poderiam ser tomadas, além do compromisso de conservação de 10% das florestas nativas até o ano 2000 - acordo que o Presidente já avalizou e que é objetivo de todas as entidades ambientalistas do mundo -, está a criação de florestas nacionais. No meu entender, elas representam um dos instrumentos mais importantes para permitir o desenvolvimento sustentado da Amazônia e a conservação de áreas que devem ser intocadas, mas estudadas e pesquisadas; outras devem ser exploradas de forma racional, para manejo sustentado, com tecnologia moderna, com o controle do Governo.

Vastíssima como é a Amazônia, a forma como está sendo explorada, em termos econômicos, sobretudo para a indústria madeireira, torna absolutamente impossível qualquer controle. Mas, a médio prazo, utilizando as florestas nacionais para o manejo sustentado, controlado, poderemos mudar essa tendência.

Este tema é importante e relevante e pretendemos voltar a ele, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, para analisar cada uma das medidas mais importantes do Governo Federal baseadas no relatório do INPE sobre o desmatamento da Amazônia.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/01/1998 - Página 1477