Discurso no Senado Federal

DENUNCIA DE CONTAMINAÇÃO DE MILHARES DE ACREANOS PELOS RESIDUOS DOS GARIMPOS QUE ATUARAM EM RONDONIA, ATRAVES DO PESCADO FORNECIDO AQUELE ESTADO. REVERENCIA A MEMORIA DO JORNALISTA JOSE CHALUB LEITE, FALECIDO NO ULTIMO DIA 27, EM RIO BRANCO, ACRE.

Autor
Nabor Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Nabor Teles da Rocha Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. HOMENAGEM.:
  • DENUNCIA DE CONTAMINAÇÃO DE MILHARES DE ACREANOS PELOS RESIDUOS DOS GARIMPOS QUE ATUARAM EM RONDONIA, ATRAVES DO PESCADO FORNECIDO AQUELE ESTADO. REVERENCIA A MEMORIA DO JORNALISTA JOSE CHALUB LEITE, FALECIDO NO ULTIMO DIA 27, EM RIO BRANCO, ACRE.
Publicação
Publicação no DSF de 31/03/1998 - Página 5532
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. HOMENAGEM.
Indexação
  • DENUNCIA, AUMENTO, CONTAMINAÇÃO, POPULAÇÃO, SOCIEDADE, ESTADO DO ACRE (AC), RESIDUOS PERIGOSOS, MERCURIO, CHUMBO, GARIMPEIRO, ATUAÇÃO, ESTADO DE RONDONIA (RO), POLUIÇÃO, RIO, COMPROMETIMENTO, QUALIDADE, PEIXE, PESCADO, COMERCIALIZAÇÃO, REGIÃO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, A GAZETA, ESTADO DO ACRE (AC), DENUNCIA, AUMENTO, CONTAMINAÇÃO, METAL PESADO, AMEAÇA, SAUDE, POPULAÇÃO.
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOSE CHALUB LEITE, JORNALISTA, ESTADO DO ACRE (AC).

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a falta de assistência médico-hospitalar é uma das mais graves aflições para as centenas de milhares de brasileiros que insistem em lutar pela construção de uma fronteira próspera, segura e sólida no extremo Noroeste da Pátria. E o aspecto mais desesperador desse quadro está na absoluta incapacidade de estabelecer sistemas perenes e confiáveis de prevenção às doenças peculiares da região e àquelas nutridas na omissão dos poderes públicos - omissão que enseja ações predatórias contra o meio ambiente, verdadeiros atentados à própria sobrevivência da sociedade afetada.

Os Anais do Senado e da Câmara registram inúmeras denúncias feitas por mim e por outros companheiros de Bancada a propósito de surtos de malária, dengue, doenças infecto-contagiosas e outras endemias típicas da zona florestal em que se insere o Acre.

Vou abordar, hoje, para conhecimento da Casa e da opinião pública nacional, uma outra ameaça, levada à população amazônica pela cobiça de uns poucos e que se agravou com a ausência da fiscalização, com o desinteresse de quem teria obrigação de coibi-la: a contaminação de milhares de pessoas pelos resíduos do chumbo deixado pelos garimpeiros que atuaram, até recentemente, em diversas áreas de Rondônia, que fornecem a maior parte do pescado consumido no vizinho Estado do Acre.

V. Exªs. já conhecem o drama vivido pela nobre Colega, Senadora Marina Silva, sempre às voltas com sofrimentos decorrentes da contaminação de seu organismo por mercúrio, causa de freqüentes hospitalizações e tratamentos prolongados, que os nossos concidadãos acompanham com respeito e interesse.

Mas a extensão do problema está bem maior do que se supunha - e, como sempre, o jornal A Gazeta, de Rio Branco, tomou a iniciativa de levantar a questão e apurar suas reais dimensões. É uma reportagem baseada em pesquisas científicas e informações jornalísticas da maior seriedade, levantando, até mesmo, o nome das autoridades contaminadas pelo metal e em que circunstâncias esse contágio teria ocorrido.

A edição de sexta-feira última do jornal de Silvio Martinello estampou, em chamada de capa e matéria na página 5, toda a gravidade da situação - que afeta o Prefeito de Rio Branco, o ex-Deputado Mauri Sérgio, e o próprio Secretário Municipal de Saúde, médico Carlos Beyruth, entre outras personalidades de destaque nos quadros dirigentes do Acre.

Já na primeira página, encontramos um resumo que dá a exata dimensão do problema: “A contaminação por mercúrio, metal pesado nocivo à saúde e que pode até matar, se alastra em Rio Branco, deixando os moradores apavorados. São 400 casos comprovados de pessoas com alto teor de mercúrio no organismo. Até mesmo o Prefeito de Rio Branco, Mauri Sérgio e seu Secretário de Saúde, Carlos Beyruth estão contaminados. Mauri tem 58,66 microgramas de mercúrio por litro de sangue”. No texto integral A Gazeta traz assustadora explicação científica: nosso ex-colega de Parlamento, o Prefeito Mauri Sérgio, tem em seu organismo o dobro da quantidade de mercúrio considerada suportável pela Organização Mundial de Saúde, que não passa de 30 microgramas.

O crescimento das estatísticas da contaminação por mercúrio não se limita às elites regionais, ao contrário, atinge indistintamente as pessoas que pescam ou compram peixe para consumo regular - o que praticamente inclui todos os acreanos!

O Instituto Evandro Chagas, de Belém do Pará, respalda com sua seriedade as pesquisas feitas em Rio Branco, avisando que em metade das pessoas examinadas se encontram vestígios do metal. Valho-me novamente da matéria publicada na Gazeta de sexta-feira última: ”Cerca de 50% das análises de amostras de tecido capilar da população de Rio Branco, colhidas na primeira pesquisa, apresentaram taxas superiores à indicada como suportável pelo organismo, segundo a OMS. As amostras foram poucas e colhidas aleatoriamente. A carne de peixe é a principal suspeita de fonte de contaminação do Prefeito e seus auxiliares, conhecidos por ter a pescaria como hobby.

Os técnicos do IEC (Instituto Evandro Chagas) foram à cidade de Guajará-Mirim, em Rondônia, para coletar amostras de peixe - porque as amostras encontradas em Rio Branco, que importa de lá o pescado, eram poucas - e devem retornar a Rio Branco nos próximos dias, para retomar suas pesquisas junto à população infectada. Sem dúvida, encontrarão o quadro, no mínimo, igual a esse, que tanto preocupa a sociedade acreana, pois o problema existe há muito tempo, desde quando as balsas dos garimpos se multiplicavam nos rios rondonienses - e, ao partirem, deixaram grandes quantidades de mercúrio nas barrancas e nas margens.

Esses resíduos, infiltrando-se na terra, hoje representam fontes permanentes de contaminação das águas onde são capturados os peixes enviados ao consumo no Acre, além de atender á própria demanda de Rondônia.

É importante que os Anais da Casa registrem: a sociedade do Acre já está cumprindo sua parte, denunciando, através da imprensa livre e consciente, a gravidade da situação; os representantes do povo acreano também cumprem a sua tarefa, trazendo o problema aos governantes e à opinião pública nacional, para deles exigir uma presença efetiva, segura e corajosa, de modo a evitar que os casos de contaminação por mercúrio se ampliem ainda mais, pondo em risco a própria vida dos habitantes da região.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, aproveito esta oportunidade para um outro registro, este particularmente doloroso e entristecedor: o falecimento, na última sexta-feira, dia 27 de março corrente, do festejado jornalista acreano José Chalub Leite, vítima de um ataque cardíaco aos 59 anos de idade.

José Leite construiu uma legenda em torno de sua carreira, marcada por passagens vitoriosas em quase todos os jornais de Rio Branco: foi diretor do jornal Rio Branco, colaborador do jornal A Gazeta, do Varadouro, de O Jornal, foi diretor da Imprensa Oficial, foi Secretário para Assuntos de Comunicação do Governo e, recentemente, há 30 dias, chegou a pedir demissão do cargo para se dedicar à segunda edição do seu livro denominado “Tão Acre”, que retrata os episódios mais pitorescos do cotidiano estadual, principalmente os acontecimentos políticos.

Peço permissão à Casa para ler um trecho da contracapa da primeira edição do seu livro, “Tão Acre”, publicado em 1992, cuja nova edição, como disse há pouco, era o centro das atenções do ator no momento em que foi surpreendido pelo enfarte, um fulminante ataque do coração que acabou por causar sua morte, na última sexta-feira. Diz o seguinte:

“Jornalista ou jornalista.

Se não fosse jornalista, queria ser jornalista. Acreano de Rio Branco que escapou de nascer em Belém, a bordo de navio e em Xapuri, José Chalub Leite veio ao mundo numa quarta-feira de 13 de dezembro de 1939, filho inaugural de Miguel de Freitas e Maria Chalub Leite e irmão de Ney Dyrce (falecida), Miguel, Eleonor e Arthur (falecido). Sua mãe, que era professora, ensinou-lhe a ler aos cinco anos. Estudou o primário nos grupos escolares 24 de Janeiro e Professora Maria Angélica de Castro (Rio Branco), o ginasial nos Colégios Dom Bosco (Porto Velho) e Nossa Senhora do Carmo (Belém). Não concluiu o colegial, no Instituto Paraense, pois abandonou o curso de contabilidade no primeiro ano, por absoluta aversão aos números, embora tenha aprendido que “o que entra credita-se, o que sai debita-se”. Poderia ter sido padre, advogado, doutor em qualquer coisa, mas ao descobrir em Belém a noite, as mulheres e seus encantos, chutou os estudos e os sonhos dos pais de tê-lo formado e diplomado, menos em vadiagem. Dez anos depois de ausente do Acre (1952-1962) voltou aos pagos e lá um dia topou escrever e desenhar para um semanário estudantil, a convite do jornalista Lourival Messias do Nascimento, cabra de coragem e panfletista macho. Aí surgiu a vocação irremediável: o jornalismo. J. Leite ou Zé Leite, sempre fumando, sempre magrela, escapou de ser marajá da Assembléia Legislativa. Graças ao Deputado Benjamin Ruella (já morto), em 1963 ganhou o passe livre ao ser despedido do emprego, tudo porque abriu baterias contra o parlamentar e este provou ter mais força. Como jornalista fundou vários semanais (O Estudante, Folha Estudantil, A Vanguarda, Jornal do Acre, A Gazeta, O Imparcial, A Bola, A Bola em Revista), colaborou com outros (Tribuna do Povo, O Estado do Acre, O Estado). Foi editor de esportes, diretor geral e depois editor de O Rio Branco, criou O Chute (apenas quatro números), editou o semanário O Jornal (o melhor que o Acre já teve), foi correspondente da Revista do Esporte (Manaus), Veja, Placar, O Globo, O Cruzeiro, colaborou com O Povo (Ceará), Província do Pará, Jornal do Comércio (Manaus), Diário do Acre, Hora do Povo, O Repiquete, Gazeta do Acre Diário do Acre, Hora do Povo, O Repiquete, Gazeta do Acre, O Crime. Hoje está no diário A Gazeta.

   Em jornal já fez de tudo, porém detesta a pecha de melhor e maior. Considera que ou o sujeito sabe ou não sabe, ou é competente ou não é. Fora disso é babilaque, figurão. Odeia pressões, injustiças, quem aluga o talento e faz da imprensa caixa registradora. Fundou com outros a Associação dos Cronistas Esportivos do Acre, a Associação Profissional dos Jornalistas do Acre, a Federação acreana de Pugilismo. É torcedor do Rio Branco Futebol Clube (Acre), Clube do Remo (Belém) e Botafogo (Rio). Nutre ojeriza a reuniões, vibra com puxa-saco em ação, zomba do poder dos deusinhos de ocasião, é extrovertido e gozador (se não fosse o gozo ninguém estaria neste mundo, costuma dizer). De sua vivência trintona na imprensa colecionou tantas historinhas que, por fim, a instâncias alheias e vontade própria decidiu reuni-las em livro - a gestação foi elefantina -, para sanar uma lacuna imperdoável. Este é o perfil do autor desta coletânea do humor acreano de todos os tempos, tão palpitante de graça, trepidante de alegria e acreanissimamente moleca.”

Sr. Presidente, tive oportunidade de enviar a um dos mais importantes líderes da imprensa acreana, o jornalista Sílvio Martinello, diretor do Jornal A Gazeta, de Rio Branco, mensagem traduzindo o meu sentimento em relação à prematura morte do jornalista José Chalub Leite, que tem o seguinte teor:

Meu caro Sílvio Martinello,

Somente agora, segunda-feira de manhã, ao receber a nossa A Gazeta de sábado e domingo, fiquei sabendo da morte do José Chalub Leite. Pouco teria a acrescentar ao perfil e às informações de sua coluna e à ampla cobertura que o triste acontecimento recebeu. Poderia dizer que sempre tive o mais profundo respeito e a mais sincera admiração por seu incondicional amor ao Acre, chama que também me mantém aceso e pronto para lutar em defesa desse povo generoso e tão maltratado.

Todas as suas demais qualidades - que eram muitas, sempre firmes e admiradas - derivam desse acreanismo que cultivamos e que tem também em você um defensor ferrenho e incansável.

Desculpe, mas existem momentos em que ninguém consegue criar nada de novo, porque não se pode fugir de frases já amplamente utilizadas. Mas poucas vezes a expressão “o Acre ficou mais pobre” terá sido usada com tanta propriedade e tanta justiça como hoje, porque essa perda abriu um buraco no coração e na alma de cada acreano, um vazio que não será preenchido. Se é de fato que “ninguém é insubstituível”, é fato, também, que alguns homens fazem mais falta que os outros.

E que falta vai fazer José Chalub Leite!”

Sr. Presidente, a nota cuja publicação solicitei ao jornalista Sílvio Martinello, para publicação na edição de amanhã de A Gazeta, tem o seguinte teor:

Nota de Pesar

O Acre está mais triste, mais pobre, com a perda de José Chalub Leite. Poucos tiveram por nosso povo e nossa região tanto amor e tanto empenho.

O acreanismo do brilhante jornalista e estimado amigo que perdemos era - e continuará sendo - um exemplo e uma lição para todos nós, porque só quem se devota com vigor e sinceridade às próprias raízes é capaz de construir uma vida fecunda e digna, como ele construiu.

Apresento minha solidariedade à família de José Chalub Leite, a seus colegas de imprensa, aos inúmeros amigos e a todos os acreanos conscientes, pedindo a Deus que o receba com a sua paz e sua proteção.

Brasília, março de 1998.

Senador Nabor Júnior”.

Peço, também, Sr. Presidente - e formalizarei esse pleito, por escrito, logo mais - que sejam encaminhados ao jornal A Gazeta, do Acre, e à família de José Chalub Leite os votos de pesar e as sentidas condolências do Senado Federal por seu prematuro falecimento.

Muito Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/03/1998 - Página 5532