Discurso no Senado Federal

CONSEQUENCIAS DA SECA NA REGIÃO SEMI-ARIDA NORDESTINA. VIABILIDADE DO APROVEITAMENTO DA AGUA SALOBRA NO SERTÃO NORDESTINO, DIANTE DA ESCASSEZ DE AGUA DOCE.

Autor
Guilherme Palmeira (PFL - Partido da Frente Liberal/AL)
Nome completo: Guilherme Gracindo Soares Palmeira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA.:
  • CONSEQUENCIAS DA SECA NA REGIÃO SEMI-ARIDA NORDESTINA. VIABILIDADE DO APROVEITAMENTO DA AGUA SALOBRA NO SERTÃO NORDESTINO, DIANTE DA ESCASSEZ DE AGUA DOCE.
Publicação
Publicação no DSF de 16/05/1998 - Página 8522
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, ALTERAÇÃO, CLIMA, PROVOCAÇÃO, GRAVIDADE, SECA, REGIÃO NORDESTE, DEFESA, UTILIZAÇÃO, TECNOLOGIA, OBJETIVO, ABASTECIMENTO DE AGUA, ESPECIFICAÇÃO, RETIRADA, SAL, AGUA.
  • DEFESA, POLITICA SOCIAL, REGIÃO NORDESTE, PRIORIDADE, EDUCAÇÃO, INFORMAÇÃO, NECESSIDADE, CONTINUAÇÃO, ATUAÇÃO, GOVERNO, POSTERIORIDADE, SECA.
  • DEFESA, ATUAÇÃO, COMISSÃO, SENADO, CRIAÇÃO, PROGRAMA, SOLUÇÃO, SECA.

      O SR. GUILHERME PALMEIRA (PFL-AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, farei mais um pronunciamento sobre a seca. E o que é seca? Falta de chuva, falta de água, falta de assistência. Seca é falta.

      Penso que as coisas se encaixam depois dessa homenagem que o Senador Jefferson Péres presta a esse grande cantor, a essa figura inesquecível que marcou o nosso século, cheio de progressos, de tristezas e de ansiedade. Antes de pronunciar o meu discurso, associo-me às homenagens prestadas a esse grande artista mundial que todos admirávamos - a sua voz, a sua postura, as suas determinações até políticas em alguns momentos.

      Já se falou na falta de uma pessoa humana. Vamos falar sobre o que pode faltar e o que tem faltado às pessoas humanas: a presença do Poder Público e do poder privado na busca de soluções para o problema da seca no nosso País, especialmente no Nordeste brasileiro.

      Mas, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, ainda que o meu Estado, por razões de localização geográfica, não esteja entre os mais duramente atingidos pela inclemência, pela violência da seca, não me posso furtar de fazer alguns comentários sobre o fenômeno climático que parece estar se agravando em decorrência do que se convencionou chamar de El Niño. Faço uma alusão ao fato de que o poder do homem sobre a natureza é tão importante quanto o poder político, ou seja, o poder do homem sobre o próprio homem. O desenvolvimento científico e tecnológico nesses quarenta séculos de civilização tornou obsoletas algumas das dificuldades naturais que tornaram inúmeras regiões do planeta incapazes de serem habitadas, as chamadas áreas “anacúmenas”. A água doce sempre foi o mais escasso dos recursos da natureza, já que constitui pouco mais de 2% dos recursos hídricos do Planeta. Não foi sem razão que o processo civilizatório que começou com a sedentarização que suplantou a fase da caça e da coleta, teve início exatamente, como dizia o saudoso Senador Darcy Ribeiro, com a chamada civilização do regadio, ao longo das margens dos grandes rios. Algo, por sinal, que marcou toda a evolução da humanidade, na medida em que a maior parte das capitais são costeiras ou ribeirinhas.

      Entretanto, os rios representam apenas um milésimo por cento da água doce disponível no mundo, o que não significa necessariamente água potável. E embora o Brasil disponha de 20% das reservas de águas fluviais do mundo, essa proporção não é mais do que 20% desse um milésimo disponível. O progresso da humanidade no que diz respeito à utilização da água para consumo humano, porém, foi muito mais lento do que o seu aproveitamento para outros fins, na medida em que a primeira estação de tratamento de água só foi construída em Londres no ano de 1848 - já me lembro do neoliberalismo do Professor Lauro Campos -, depois da epidemia de cólera que se observou nessa cidade. Daí à dessalinização, que é outra forma de se obter água para fins industriais, agrícolas ou de consumo humano, passaram-se menos de vinte anos, pois a necessidade de abastecer os navios a vapor que singravam o mundo levou o governo inglês a estabelecer a primeira planta de dessanilização em Aden, no Mar Vermelho, em 1869.

      De tal sorte, Sr. Presidente, que são vários os métodos, inúmeras as alternativas de tornar irrigáveis ou abastecidas as regiões carentes de água, por breves ou longos períodos, o que equivale a dizer que a tecnologia e o conhecimento científico disponíveis no mundo, tornaram habitáveis as zonas desérticas, onde quer que elas existam e perenizaram igualmente as culturas nessas regiões. No Brasil, as tentativas do Governo para amenizar os efeitos da seca no Nordeste começaram em 1911, com a fundação de Departamento Nacional de Obras Contra as Secas. Podemos dizer, portanto, que são do início deste século. Mas o mesmo não podemos afirmar com relação aos métodos utilizados desde o começo que se baseou na açudagem, vale dizer, no armazenamento de água que termina tornando insalubres e inaproveitáveis as regiões que deveriam se beneficiar do sistema, pela salinização que fatalmente ocorre na maioria dos casos.

      Por isso mesmo, só há três métodos racionais para suprir de água as áreas carentes. O primeiro é o chamado transvase dos rios, que tem sido feito em inúmeros países, como é o caso da Espanha, carente de cursos caudalosos perenes e dotada de inúmeras zonas desérticas. O segundo é o aproveitamento das águas subterrâneas que constituem 60 vezes mais a disponibilidade de água dos rios e lagos. Elas constituem 0,68% de água doce disponível, sendo que 0,30% estão em profundidades de até 700 metros e os restantes 0,38% em profundidades entre 700 e 4.000 metros. E o terceiro é a dessalinização, o recurso até hoje mais utilizado em todo o mundo, já que sua fonte é praticamente inesgotável.

      O Brasil tem utilizado, particularmente no Nordeste, o método de dessalinização com aproveitamento de águas subterrâneas, em escala ínfima, da mesma forma como tem realizado com proveito a irrigação de áreas agrícolas com enorme sucesso, ainda que a custo excessivamente alto, especialmente nas áreas conhecidas de Juazeiro e Petrolina. Há alguns anos, começamos a cogitar da utilização das águas do São Francisco, o rio da unidade nacional. A questão de suprir de água e tornar habitável e aproveitável o que constitui o serão nordestino não é, portanto, nem tarefa possível, nem um desafio invencível. Em meu Estado, quando Governador, iniciei a construção da adutora do sertão que representou um pequeno, mas inestimável, avanço na tarefa de levar água a uma parte razoável da zona mais carente de Alagoas.

      Mas há também, Srªs. e Srs. Senadores, uma dimensão humana e social no drama nordestino da seca. Ali estão as populações mais frágeis e mais vulneráveis, sob o ponto de vista civilizatório. São grandes famílias sem qualquer forma de educação e quase sem nenhuma assistência. De tal sorte que, dispondo de uma renda ínfima que equivale à do Haiti, em termos per capita, quando falta a chuva, falta-lhes tudo. E quando há chuva, mesmo que abundante, o que têm é muito pouco, quase nada. Nesse sentido, estou plenamente de acordo com a Drª Ruth Cardoso, que, na qualidade de antropóloga e de Presidente do Conselho do Comunidade Solidária, já advertiu que antes, durante e depois da seca é preciso dar-lhes educação e informação, além de água, para que possam não só sobreviver, mas viver em melhores condições. As frentes de trabalho podem amenizar a sede, e a solidariedade pública, privada ou comunitária; pode suprir-lhes a fome, mas ficará faltando, sem um processo educativo contínuo, sistemático e obstinado, o recurso fundamental para que o filho do sertanejo e do flagelado de hoje não seja o retirante e o fustigado pela inclemência de amanhã. O sertanejo só sobrevive porque - sem ser repetitivo, por ser permanente o que escreveu Euclides da Cunha - “é antes de tudo um forte”.

      A Câmara realizou, na semana passada, um seminário sobre dessalinização, no qual ficamos conhecendo o esforço que se está fazendo em matéria de ampliação da área irrigada na região. Nas regiões desérticas do Oriente Médio, mais de 89% de toda a água disponível é dessalinizada, um método de purificação conhecido há mais de um século. Não temos só águas subterrâneas que podem ser aproveitadas e dessalinizadas, mas também de rios, perenes alguns, periódicos outros, que podem ajudar a resolver o problema local. Mas o mal da seca, como aliás assinalou o Governador Tasso Jereissati, em entrevista no último domingo, é que, passada a sua devastação, nos esquecemos de seus dramáticos efeitos.

      O Brasil dispõe de estoques públicos de alimentos que podem e estão sendo utilizados nessa emergência. Mas, passado o drama, que este ano deve prolongar-se em decorrência do El Niño, não nos podemos esquecer da advertência da Professora Ruth Cardoso, de que é preciso persistir, insistir e perseverar até a exaustão, na necessidade de tornar menos vulneráveis e menos frágeis os que, pela coragem, por amor à terra, por falta de oportunidade, ou que, por qualquer outro motivo, formam a legião dos sertanejos que rasgaram as fronteiras internas do País e até hoje, em sucessivas gerações, resistem à intempérie, à adversidade, à pobreza e à miséria a que estão secularmente relegados.

      Por outro lado, se temos de ser condescendentes, compreensivos, lenientes e tolerantes para com aqueles que, premidos pelo “estado de necessidade”, nos termos do que define a lei, furtam para garantir a própria vida e a sobrevivência dos filhos, não podemos ignorar, permanecer alheios, ou ser coniventes com aqueles que, valendo-se do estado de miserabilidade dos sertanejos, usam da instigação, da mobilização e de outros meios, para insuflar a violência e a revolta justa dos que, já sendo vítimas da incúria, da indiferença e da miséria, não podem ser também vítimas, como massa de manobra, dos irredentistas e adeptos de crenças que, pretendendo ser libertárias, terminam por transformar-se em liberticidas! Sobre esses, é preciso que recaia, não só o peso da lei, mas a condenação de toda a opinião pública brasileira que decidiu viver em paz e que abomina a exploração alheia para fins nem sempre confessáveis.

      Portanto, Sr. Presidente, o meu apelo é no sentido de que o Senado, guardião do equilíbrio federativo e foro da representação dos Estados, mobilize o esforço de suas comissões técnicas pertinentes para que possamos transformar medidas emergenciais e paliativas em um programa tecnicamente recomendável, politicamente viável e economicamente racional, de caráter permanente, para superarmos, de uma vez por todas, o que, em todo o Nordeste, se não é o mal do século, é seguramente o mal já de muitos séculos.

      Era o que eu tinha a dizer.

      Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/05/1998 - Página 8522