Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE AS ALTAS TAXAS DE DESEMPREGO NO BRASIL, POR OCASIÃO DO TRANSCURSO DO QUARTO ANO DO PLANO REAL.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • REFLEXÕES SOBRE AS ALTAS TAXAS DE DESEMPREGO NO BRASIL, POR OCASIÃO DO TRANSCURSO DO QUARTO ANO DO PLANO REAL.
Publicação
Publicação no DSF de 02/07/1998 - Página 11789
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, PROGRAMA, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA, CRIAÇÃO, REAL, INEFICACIA, COMBATE, FALTA, CRESCIMENTO ECONOMICO, BRASIL, PROVOCAÇÃO, AUMENTO, DESEMPREGO.
  • CRITICA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), FALTA, REALIZAÇÃO, LEVANTAMENTO, DADOS, ESTATISTICA, INTERIOR, BRASIL, IMPEDIMENTO, CORREÇÃO, AVALIAÇÃO, SITUAÇÃO, DESEMPREGO, PAIS.
  • CRITICA, INEFICACIA, PLANO, REAL, PROMOÇÃO, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, REDUÇÃO, MISERIA, POBREZA, MAIORIA, POPULAÇÃO, BRASIL.
  • CRITICA, POLITICA, GOVERNO, EXCESSO, CONCENTRAÇÃO, EMPRESTIMO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), FAVORECIMENTO, EMPRESA PRIVADA, PREJUIZO, PEQUENA EMPRESA, MEDIA EMPRESA, PAIS.
  • CRITICA, DEMORA, GOVERNO, AGILIZAÇÃO, PROJETO, OBJETIVO, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, ERRADICAÇÃO, MISERIA, SIMULTANEIDADE, ACELERAÇÃO, CRIAÇÃO, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER), BENEFICIAMENTO, BANQUEIRO, BANCOS, INICIATIVA PRIVADA, BRASIL.

           O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia de hoje o Plano Real completa quatro anos. Em 1º de julho de 1994, o Governo Itamar Franco introduziu uma nova moeda, que foi recebida inicialmente com certo ceticismo por boa parte dos analistas. Poucos acreditavam que a moeda que então se criava poderia se sustentar para além do período eleitoral.

           Passados quatro anos, é preciso reconhecer que os resultados alcançados em matéria de controle da inflação foram muito importantes para a Nação. O Brasil passou, em prazo relativamente curto, de uma inflação extremamente grave, que parecia resistir incólume às mais variadas terapias, para níveis de inflação bastante reduzidos, que se aproximam dos observados nos países mais desenvolvidos.

           Não podemos subestimar o valor da estabilização monetária. Para as empresas e para os consumidores, uma moeda relativamente estável é um instrumento que facilita enormemente as operações correntes, o cálculo econômico e a vida diária. A estabilidade monetária aumenta a eficiência da economia e melhora a qualidade de vida das pessoas. O desaparecimento da superinflação que tivemos até meados de 1994 representa, além disso, a remoção de um imposto iníquo ou regressivo: o imposto inflacionário, que atingia sobretudo as pessoas de renda mais baixa e com menos acesso aos mecanismos de indexação e proteção proporcionadas pelo sistema financeiro.

           No entanto, o Plano Real apresenta muitos problemas e lacunas. Do ponto de vista de seus efeitos sobre o crescimento econômico e o desemprego, o programa de estabilização deixou muito a desejar. Desde meados de 1995, a economia vem crescendo a taxas bastante modestas, bem abaixo do seu potencial, também inferiores às taxas de crescimento que a economia brasileira já demonstrou ser capaz de apresentar durante longo período, como de 1945 a 1980, em geral superiores a 7% ao ano. Taxas de expansão do PIB, de 1995 a 1997, na faixa de 3 ou 4% são muito inferiores ao que seria necessário para absorver produtivamente as pessoas desempregadas ou subempregadas e para gerar postos de trabalho para aqueles que ingressam no mercado a cada ano. No ano de 1998, em decorrência das medidas adotadas depois da choque provocado pela crise no Leste da Ásia, a economia brasileira deverá crescer menos ainda. Prevê-se, hoje, em torno de 2% em termos reais se houver razoável recuperação no segundo semestre.

           Ressalte-se que não é o controle da inflação que exige a manutenção de um quadro de desaquecimento econômico praticamente permanente. A restrição fundamental à retomada do desenvolvimento está no setor externo da economia, vale dizer, no fato de que a condução das políticas cambial e de comércio exterior, particularmente na fase inicial do Plano Real, produziu um desequilíbrio estrutural no balanço de pagamentos em conta corrente, como já tive oportunidade de ressaltar em diversos pronunciamentos desta tribuna, inclusive, ainda recentemente, em diálogo com o Senador Jefferson Péres. Toda vez que a economia começa a crescer um pouco mais, logo aparecem desequilíbrios preocupantes na balança comercial e na conta corrente do balanço de pagamentos. Os mercados se assustam, o Banco Central também, e o Governo acaba sendo levado a adotar medidas que sufocam o crescimento da economia.

           Em conseqüência do crescimento medíocre do PIB, as taxas de desemprego e subemprego vêm aumentando persistentemente. Em 1998, o problema se agravou, e os levantamentos disponíveis indicam que o desemprego está batendo recordes históricos.

           Em maio de 1994, a taxa de desemprego na região metropolitana de São Paulo, segundo a Fundação Seade e o Dieese, era de 15,4%. Depois de declinar para 13,4% em maio de 1995, evoluiu para 16,1% em maio de 1996, 16% em maio de 1997 e para 18,9% em maio de 1998, representando um total de um 1.654.000 pessoas desempregadas. A taxa de desemprego medida pelo IBGE nas seis principais regiões metropolitanas do País também teve uma evolução preocupante na mesma direção. Assim, em maio de 1994, a taxa de desemprego estava entre 4,2% no Rio de Janeiro e 8,3% em Recife. Daí para a frente, houve uma tendência de piora até que, em maio de 1998, atingiu entre 7,0% no Rio de Janeiro e 9,7% em Salvador e São Paulo.

           O Governo alega, às vezes, que o desemprego é um problema localizado, que se faz sentir mais fortemente na região metropolitana de São Paulo ou em outras regiões metropolitanas do País. Integrantes da equipe econômica afirmam que a desconcentração do setor industrial, isto é, o fato de muitas firmas terem decidido abandonar São Paulo e migrar para regiões do interior, estaria resultando em um quadro no qual o desemprego seria, na realidade, um problema muito menos grave do que se imagina, especialmente no interior ou em regiões menos desenvolvidas do País. Há que se registrar, por outro lado, que as relações de emprego nas regiões mais pobres têm se caracterizado por grande precariedade.

           A rigor, não é possível avaliar se o argumento procede ou não. Os dados sobre emprego e desemprego são muito deficientes no Brasil. Só temos sérias estatísticas de desemprego para as principais regiões metropolitanas do País. Não há informações sobre desemprego em cidades menores ou para a maior parte do interior do País senão esporadicamente. O IBGE está devendo à sociedade brasileira uma informação mais abrangente sobre a situação do desemprego no Brasil como um todo. Dada a importância crescente dessa questão, o IBGE não pode limitar-se a acompanhar o desemprego nas seis regiões metropolitanas, como vem fazendo desde os anos 80.

           Assim, Sr. Presidente, quero aqui sugerir ao Senhor Presidente Fernando Henrique, ao Ministro do Planejamento, ao Presidente do IBGE que passem a medir também a taxa de desemprego no interior brasileiro.

           De qualquer maneira, as informações disponíveis mostram claramente que o problema não está circunscrito a São Paulo. Ao visitar as mais diversas regiões de São Paulo, do interior de São Paulo, e de outros Estados, tenho ouvido inúmeras queixas e preocupações sobre o baixo nível de atividade econômica e o grande número de desempregado. Tenho recebido grande número de correspondência de câmaras municipais conclamando a adoção de medidas que possam gerar mais empregos nas regiões mais pobres, com vistas a diminuir o fluxo migratório em direção aos grandes centros em busca de trabalho. O último Censo Agropecuário do IBGE mostra que apenas em um ano, de 1995 a 1996, foram eliminados dois milhões de postos de trabalho no campo.

           Não é por acaso que o desemprego aparece em todas as pesquisas de opinião como uma das principais preocupações, por vezes a maior, dos brasileiros de todas as regiões do País. Não é por acaso que esse está sendo um dos mais importantes temas em discussão na campanha eleitoral de 1998. Está o Presidente Fernando Henrique preocupado de ter Lula chamado-o de “Presidente do desemprego”. A pesquisa CNT/Vox Populi, de junho de 1998, informa que para 54% da população brasileira, considerando inclusive aquela de pequenas e médias cidades do interior, o problema que mais incomoda é o desemprego. Em discurso recente, o Presidente Fernando Henrique Cardoso prometeu derrubar o desemprego e está tomando algumas medidas para tentar reduzi-lo. O problema é que o Presidente da República demorou muito para acordar para a gravidade do desemprego. Agora, as medidas que está tomando ou que poderá vir a tomar correm o risco de serem vistas como insinceras ou eleitoreiras.

           Além do desemprego, há um outro aspecto em que o Plano Real tem deixado muito a desejar: os seus efeitos em termos de melhoria da distribuição da renda e redução da miséria ou da pobreza absoluta. Como disse há pouco, é verdade que a drástica diminuição do imposto inflacionário tende a melhorar a distribuição da renda nacional. Mas esse efeito positivo mal arranha o problema. Num País que apresenta índices elevadíssimos de concentração de renda e da riqueza, que estão sempre entre os mais altos do mundo, como imaginar que o mero controle da inflação possa ser suficiente para resolver a questão? Recorde-se que a alta concentração da renda é, no Brasil, um fenômeno muito anterior à crise inflacionária das décadas de 80 e 90. É inconcebível que se acreditasse que a estabilização monetária pudesse, por si mesma, constituir uma resposta satisfatória aos nossos problemas de desigualdade social e pobreza. E, no entanto, até recentemente, membros do Governo expressavam a opinião de que o combate à inflação era a melhor política social. Há quatro meses, o próprio Presidente Fernando Henrique menosprezava o problema do desemprego, dizendo que as taxas brasileiras noutros países seriam consideradas de pleno emprego. Em suas entrevistas nesta semana, procurou mais uma vez relativizar o problema, caracterizando-o como um fenômeno decorrente da globalização, sem levar em conta que os EUA, por exemplo, exibem hoje a menor taxa de desemprego dos últimos vinte e oito anos.

           Agora que estamos em época pré-eleitoral, o Presidente Fernando Henrique diz que a sua grande preocupação é com os excluídos. Entretanto, ao invés de colocar medidas de bom senso e racionalidade econômica em prática, como as que foram adotadas pelos EUA com a instituição de uma forma de imposto de renda negativo, o EITC, e que vem contribuindo para que as taxas de desemprego americanas estejam em patamares baixos. Como o Governo Fernando Henrique não adotou tais medidas, está sendo obrigado a expandir extraordinariamente a distribuição de cestas básicas nas regiões mais pobres e atingidas pela seca, elevando o número de cestas distribuídas de 1,7 milhão para 3,69 milhões por mês, a partir de julho. Aliás, essa tem sido a prática adotada pelos últimos governos em todas as eleições de 1992.

           Sr. Presidente, tenho um levantamento a respeito da distribuição das cestas básicas às vésperas das eleições de 1992, 1994, 1996 e agora esse fenômeno se repete, e o Governo Federal intensifica a distribuição de cestas básicas nos últimos três meses das eleições, como já ocorrera em épocas anteriores. Mas essa não é a medida mais racional, mais efetiva e justamente se caracteriza pelo seu caráter temporário, procurando reverter as baixas preferências que as pesquisas de opinião vêm demonstrando e preocupa o Presidente Fernando Henrique.

           O que se constata é que a política econômica adotada ao longo dos últimos anos pelo atual Governo apresenta diversos elementos que produzem concentração de renda e da riqueza, neutralizando e até desfazendo os efeitos positivos iniciais decorrentes da estabilização da moeda. Os efeitos concentradores do Proer, por exemplo, têm sido amplamente comentados. Trata-se de um programa que, à custa de incentivos fiscais e expansão da dívida mobiliária federal, socorreu bancos, investidores e correntistas.

           Menos comentado tem sido o caráter concentrador da política do BNDES, que nos anos recentes tem dado grande ênfase ao financiamento das privatizações e de empresas de grande porte. Em 1997, por exemplo, 95% dos desembolsos do BNDES foram para médias-grandes e grandes empresas e apenas 2% para micros, pequenas e médias empresas. Em depoimento recente na Comissão de Assuntos Econômicos desta Casa, o Presidente do Banco Central, Gustavo Franco, defendeu a política do BNDES, alegando que o que interessa é saber se a empresa é ou não boa, não importando se é grande, média ou pequena. Disse, também, que há evidências de que as grandes empresas são mais eficientes do que as empresas menores.

           Parece, entretanto, difícil de justificar uma concentração de tal ordem dos empréstimos do BNDES. Afinal, as empresas de maior porte são justamente aquelas que têm mais facilidade de acesso ao crédito da rede bancária privada e ao crédito no exterior. A bancos públicos como o BNDES caberia em princípio favorecer as empresas nacionais de médio ou pequeno portes, evitando acentuar a tendência concentradora já presente no funcionamento do mercado e na atuação das instituições financeiras privadas. Por outro lado, levanto aqui a dúvida sobre se as grandes empresas são de fato tão mais eficientes a ponto de justificar a extraordinária disparidade apontada.

           Será mesmo que este argumento do Presidente Gustavo Franco, de que, em função das grandes empresas serem mais eficientes, justifica que o BNDES desembolse 95% de seus empréstimos para as médias e grandes empresas, destinando apenas.2% para as micro, pequenas e médias empresas, é verdadeiro? Duvido muito.

           Ademais, caberia ao BNDES justamente estar estimulando as micros, pequenas e médias empresas a se tornarem mais eficientes, contribuindo para aumentar o grau da competitividade da economia como um todo. Essas observações não significam que somos contrários a empréstimos a grandes empresas. O importante é que, ao receberem tais empréstimos de instituições oficiais, assumam preocupações com a manutenção e expansão das oportunidades de emprego.

           Não se deve perder de vista, além disso, que a política macroeconômica dos anos recentes também está sendo concentradora de renda e riqueza. A manutenção de juros permanentemente altos em todo o período recente - e extraordinariamente elevados em época de grande turbulência financeira, como na época da crise mexicana em 1995 e, no final de 1997, com os problemas de diversos países asiáticos - provoca concentração de renda e de riqueza. Por um lado, os juros altos beneficiam os detentores do elevado patrimônio financeiro; por outro, prejudicam as pessoas de renda mais baixa que só conseguem acesso a bens de consumo durável quando contraem dívidas. O mais grave, evidentemente, é que o desemprego gerado pela política de juros altos atinge boa parte dos trabalhadores e com especial força àqueles que têm menos qualificação e níveis mais reduzido de renda.

           Não há ainda dados abrangentes e atualizados sobre a evolução da distribuição da renda desde o Plano Real até os dias de hoje. Mas pode-se conjecturar que, passado o efeito inicial favorável produzido pela queda acentuada da inflação no segundo semestre de 1994 em 1995, a renda nacional tenha voltado a se concentrar.

           É importante assinalar que a informação - inclusive os dados referidos hoje pelo Presidente Fernando Henrique - de que houve uma diminuição da proporção da população brasileira que está nos níveis de pobreza, nos últimos quatro anos, não significa que houve necessariamente melhoria na eqüidade da distribuição da renda e da riqueza. Só teremos esses dados quando houver o censo detectando a distribuição da renda, não apenas do trabalho mas também do capital. Aí, sim, poderemos ter um quadro mais completo e conclusões de fato mais acertadas.

           Pode se conjecturar que, passado o efeito inicial favorável produzido pela queda acentuada da inflação, no segundo semestre de 1994 e em 1995, a renda nacional tenha voltado a se concentrar.

           O que espanta é a falta de determinação política do Governo em resolver com maior rapidez os problemas sociais. O empenho em coordenar esforços para conseguir aprovar a Proposta de Emenda à Constituição que estabeleceu o direito de reeleição dos governantes - fato que faz o Presidente Fernando Henrique se orgulhar - a criatividade e rapidez que caracterizou a criação do PROER instituído por medida provisória, contrastam com a lentidão e má vontade com que o Governo trata os instrumentos que mais poderiam contribuir para fazer crescer as oportunidades de emprego, melhorar a distribuição de renda e crescer as oportunidades de emprego, melhorar a distribuição de renda e erradicar a miséria como, por exemplo, a aceleração da reforma agrária; a expansão do crédito popular ou microcrédito; o estímulo às formas cooperativas de produção e à maior interação entre empresários e trabalhadores para a tomada de decisões sobre investimento, produção, emprego, salários e participação nos resultados; a prática do orçamento participativo para que a sociedade venha a participar melhor das decisões sobre o que fazer do dinheiro do povo; a instituição de uma renda mínima para que toda a pessoa tenha o direito inalienável à sobrevivência e a participar da riqueza da Nação e para que toda a família tenha o suficiente para que suas crianças possam estar estudando ao invés de terem que estar trabalhando precocemente; uma política de requalificação profissional para os trabalhadores e trabalhadoras com foco na necessidade de atualização e domínio do conhecimento. São medidas para as quais caso Fernando Henrique tivesse um sentido social mais acurado já teriam sido implementadas.

           Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/07/1998 - Página 11789