Pronunciamento de Leomar Quintanilha em 30/11/1998
Discurso no Senado Federal
DISCUSSÃO ACERCA DA PRISÃO DO EX-PRESIDENTE CHILENO, AUGUSTO PINOCHET.
- Autor
- Leomar Quintanilha (PPB - Partido Progressista Brasileiro/TO)
- Nome completo: Leomar de Melo Quintanilha
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA INTERNACIONAL.:
- DISCUSSÃO ACERCA DA PRISÃO DO EX-PRESIDENTE CHILENO, AUGUSTO PINOCHET.
- Aparteantes
- Marina Silva.
- Publicação
- Publicação no DSF de 01/12/1998 - Página 17371
- Assunto
- Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
- Indexação
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- COMENTARIO, ERRO, DECISÃO, GOVERNO ESTRANGEIRO, GRÃ-BRETANHA, AUTORIZAÇÃO, EXTRADIÇÃO, AUGUSTO PINOCHET, EX PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, DESRESPEITO, SOBERANIA, AUTONOMIA, PAIS.
O SR. LEOMAR QUINTANILHA
(PPB-TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, a prisão do ex-Presidente chileno Augusto Pinochet, ocorrida recentemente na Inglaterra, suscita a todos uma discussão mais aprofundada na relação entre as nações, coloca em risco a tranqüilidade que tinha, ex-Chefe de Estado, em regime de exceção, nas suas visitas ou na sua permanência em asilo pelo mundo.
Pinochet, que visitava a Inglaterra, não pela primeira vez, teve o seu visto aposto no passaporte diplomático, com a anuência do Governo inglês. Ao chegar naquele País, foi preso em atendimento a um apelo judicial de um outro país. Isso nos permite, inclusive, imaginar que pudesse ter sido vítima de uma armadilha. A França negou-lhe visto, negara ao ex-Presidente Pinochet a autoridade, a condição para que ele visitasse aquele País. Por que a Inglaterra não o fez? Por que a Inglaterra assim não agiu? Concedeu o visto, e, uma vez em seu território, acabou detendo o ex-Presidente.
Estabeleceu-se um processo judiciário, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que deveria preservar a imunidade diplomática, houve apelação e a Corte dos Lordes, que funciona como o Supremo Tribunal Federal brasileiro, reformou a decisão numa reunião também dividida, dois de seus membros votaram pela manutenção da imunidade e três pela afirmação de que o General Augusto Pinochet não gozava de imunidade diplomática, pois ali não se encontrava em viagem oficial e nem na condição de Chefe de Estado.
Não estou aqui querendo, Sr. Presidente, defender o ex-Presidente chileno Augusto Pinochet. Não estou aqui defendendo os crimes atrozes que foram praticados no regime de exceção sob a sua condução e que agora são colocados sob sua responsabilidade. Não estou aqui imaginando a defesa de nenhum dos ditadores que, ainda nos tempos contemporâneos, transitam mundo afora com muita liberdade, nem Fidel Castro, nem Saddam Hussein, nem Idi Amin Dada, nem tantos outros que a História da Humanidade repudia por seus atos de exceção, de atrocidade, de violência. E entendo que é preciso desenvolver certos mecanismos que venham julgar e punir os responsáveis pelos crimes praticados. Mas preocupa-me, Sr. Presidente, nessa decisão adotada na Grã-Bretanha, os riscos que um precedente inusitado pode abrir na relação entre as nações. A começar pelo próprio Chile, onde a estrutura da democracia, que ainda é muito frágil, começa a se consolidar, mas pode sofrer rupturas em conseqüência desse ato.
E as demais nações? O que lhes pode assegurar que a sua soberania será respeitada? Quem pode se arvorar de magistrado do mundo? Como podemos entender que um juiz de um país requeira a extradição de determinado cidadão em outro país por crimes praticados em um terceiro país? Custa-me crer que a Câmara dos Lordes tenha assim decidido. Errou a Grã-Bretanha, no meu entender, ao adotar esse procedimento.
Vejam que a própria população do Chile também se encontra dividida. A grande maioria dos seus cidadãos quer o julgamento e a punição de Pinochet, porém, no seu território, respeitada a soberania do povo chileno.
O próprio Ministro das Relações Exteriores do Chile, Miguel Insulza, designado pelo Presidente Eduardo Frei Ruiz Tagle, foi para a Grã-Bretanha e vai à Espanha num esforço para que a decisão da Grã-Bretanha não seja pela permissão da extradição do ex-Presidente Pinochet, porque manifesta, inclusive Insulza, que entende estar vivendo um momento inusitado da sua vida. Ele, que foi perseguido pelo regime Pinochet por um longo período, está agora a defendê-lo; mas não é a defesa do cidadão, do ex-Chefe de Estado, e sim a da soberania e da autonomia do seu país.
A Srª Marina Silva (Bloco/PT-AC) - V. Exª me permite um aparte?
O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PPB-TO) - Ouço com prazer V. Exª.
A Srª Marina Silva (Bloco/PT-AC) - Senador Leomar Quintanilha, acho interessante o debate que V. Exª traz esta tarde a esta tribuna, porque suscita uma série de questões de natureza política, até mesmo do ponto de vista das relações econômicas e sociais que o mundo está vivendo, em uma economia globalizada, onde as fronteiras dos estados nacionais estão cada vez mais diluídas. E se, por um lado, é legítima - e assim os advogados do mercado o têm feito com muita insistência - a ação globalizada do ponto de vista dos interesses econômicos, também esse episódio traz à discussão no cenário nacional a globalização no que se refere à defesa dos direitos humanos. Estes não podem mais ficar restritos às fronteiras, porque aquilo que agride, que ultraja, que age de forma torpe, em relação aos direitos mais essenciais dos seres humanos, passa a ser também de interesse de toda a humanidade, como sempre foi. Não era possível uma ação integrada do ponto de vista das ações dos estados nacionais, dentro de relações internacionais com clara definição, como tivemos até bem pouco tempo. Se a sociedade mundial têm tanta facilidade em compreender a interferência das ações econômicas, ultrapassando e perpassando as fronteiras nacionais, talvez seja recomendável que tenhamos a mesma tolerância em se tratando da defesa dos Direitos Humanos. Não tenho dúvida de que a ação do ex-Presidente Augusto Pinochet é ultrajante aos Direitos Humanos do povo chileno e à democracia de um modo geral. Fiquei mais de um mês no Chile – para tratamento de saúde –, e era impressionante ver, nos meios de comunicação, o governo chileno abordar um assunto e, imediatamente, o General Pinochet ser pautado para opinar sobre o mesmo assunto, mostrando um ponto de vista diferente. Para a democracia, isso é perfeito, mas é como se existissem dois Estados paralelos. As eleições são feitas para que nunca o governo consiga uma maioria, porque foram criados mecanismos constitucionais para burlar a democracia chilena. Não estou aqui advogando a interferência dos países de forma afrontosa, mas é positivo o fato de os Direitos Humanos também passarem a ser discutidos em uma perspectiva global. Se é tão natural a interferência do mercado em todos os aspectos da vida cotidiana dos mais diferentes Estados nacionais e das mais diferentes culturas, essa discussão é bem-vinda, para que a globalização possa ser também universal no que se refere aos Direitos Humanos, à resolução dos problemas sociais e à compreensão de que, se estamos numa aldeia global, no caso da aviltamento dos direitos, estes devem ser defendidos por qualquer nação que tenha compromisso com eles.
O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PPB-TO) - Agradeço a contribuição e concordo com as observações de V. Exª. Nada mais importante que a preservação dos direitos humanos. Nada mais importante que defender a integridade das pessoas em qualquer parte do mundo, não importam as fronteiras. Mas é importante que a soberania das nações seja preservada e respeitada para que haja uma convivência harmônica entre elas. E o tecido da democracia, ainda frágil, fragilizado por ações nefastas, perversas desses dirigentes, precisa encontrar realmente um foro que possa discuti-los, julgá-los e, efetivamente, puni-los com a maior severidade possível, para que essa barbárie não continue fazendo tanto mal à humanidade, para que essas ações não continuem constrangendo o cidadão de qualquer nação nem trazendo prejuízo à independência e à liberdade dos seres humanos.
Esta discussão traz algo de positivo. Ela é momentosa e suscita a participação de todas as nações, principalmente daquelas que querem estabelecer um bom relacionamento, tanto na parte comercial como naquela referente ao respeito pelo cidadão.
Vários países já se manifestaram pela extradição do ex-Presidente Augusto Pinochet. Se não houver um ordenamento jurídico nesse sentido, quem terá prevalência: a Suécia, a Suíça ou a França? São muitos os países que querem julgá-lo em seu território.
O correto – e parece haver consenso nessa orientação – é que as nações se unam para constituir um foro definitivo, um tribunal penal internacional para que o mundo não seja mais um lugar seguro para terroristas ou ditadores perversos.
Sr. Presidente, era essa a colocação que gostaria fazer, consciente de que a Inglaterra permitiu uma discussão muito importante para a relação entre os povos e de que, certamente, corrigirá o equívoco que cometeu ao suscitar a possibilidade de extradição do ex-Presidente Augusto Pinochet.