Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE O EXERCICIO DA ATIVIDADE POLITICA.

Autor
Ronaldo Cunha Lima (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ronaldo José da Cunha Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • REFLEXÕES SOBRE O EXERCICIO DA ATIVIDADE POLITICA.
Publicação
Publicação no DSF de 16/12/1998 - Página 18996
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • ANALISE, EXERCICIO, ORADOR, ATIVIDADE POLITICA, POLITICO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DA PARAIBA (PB).
  • CRITICA, FORMA, REALIZAÇÃO, CONVENÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), OCORRENCIA, CORRUPÇÃO.

O SR. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB-PB) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nestes últimos dias, com a alma profundamente dolorida, voltei a refletir sobre o exercício da atividade política, sobre a trilha dos homens públicos, onde alegrias indescritíveis contracenam com decepções dolorosas. Mas, esse tipo de sentimento só aflora vigorosamente naqueles que fazem da política um sacerdócio.  

Em verdade, é mister admitir que minha própria trajetória ajudou a firmar convicções e a formar procedimentos. Venho de um tempo em que os correligionários políticos eram, antes de mais nada, sócios de sonhos e de ideais, inacessíveis ao mercantilismo que gradativa e preocupantemente se apossa, hoje, da atividade política. Venho do tempo de Argemiro de Figueiredo e Ruy Carneiro, ao lado dos quais lutei sempre, sem nunca desertar, independentemente de resultados eleitorais. Venho de um tempo em que não era comum adesão logo após a eleição. Venho de um tempo em que nem os vencidos se humilhavam aos pés dos vencedores, nem os vencedores humilhavam os vencidos, fazendo-lhes ofertas de emprego ou de dinheiro.  

Numa de suas geniais criações, Caetano Veloso nos fala da "força da grana que ergue e destrói coisas belas". Pois bem, tenho de maneira amargurada, testemunhado a destruição de valores e a desvalorização de sentimentos. Valores e sentimentos cultivados na amizade, na lealdade e no desprendimento. Vez por outra, eu e a Paraíba temos sido compelidos a contemplar manifestações explícitas e surpreendentes da fraqueza humana, do pragmatismo que, mais do que chocar, fere formalmente o espírito.  

Aprendi com o grande pensador oriental Khalil Gilbran que "na amizade, todos os desejos, ideais, esperanças, nascem e são partilhados sem palavras, numa alegria silenciosa". E quero legar, pelo menos ao meu espírito, a sensação de que permaneço adubando essas emoções e apostando que o tempo e a história se encarregarão de demonstrar quanto retilíneos são os meus passos, quanto fértil é a sinceridade dos meus propósitos, já repetidamente colocados ao crivo e à análise dos meus conterrâneos.  

Não posso disfarçar a dor que toma conta da minha alma, fruto das deserções de amigos, ou melhor de pseudos amigos que habitavam meu coração e que regaram com a ingratidão a beleza das minhas intenções e o afeto ilimitado que sempre lhes dediquei. Não é a perda política que lamento. É a decepção com o amigo que me dói.  

Faz poucos meses, enfrentei uma convenção partidária. Tentei evitar a disputa, mas as circunstâncias me levaram a isso. Fiz-me intérprete de companheiros discriminados por um Governo do próprio partido. Não lutei por mim, mas chamei para mim o insucesso daquela famigerada e triste convenção, onde houve de tudo, desde o aliciamento até o confinamento. Foi, sem dúvida, o espetáculo mais degradante em todo o cenário político do meu Estado. Houve a coação mais atrevida e a mais desabrida corrução. Os companheiros da resistência foram chamados de samurais. Se antes eles eram apenas discriminados, passaram, agora, a sofrer voraz e impiedosa perseguição. A ordem era derrotá-los a qualquer custo. E o processo usado não era muito diferente do utilizado na convenção. Os exemplos estão aí às escâncaras. Infelizmente, alguns dos que foram vítimas dessa sanha, se assanham, hoje, contra mim. Proclamo que não faltei a nenhum. A todos, sem exceção, emprestei minha solidariedade, acompanhando-os, animando-os, ajudando-os. Entretanto, como numa cronologia funesta, a imprensa tem noticiado a progressiva genuflexão de alguns desses companheiros ao poder que os derrotou. A crônica dessas fugas me dilacera a alma, que por ingenuidade ou profissão de fé não consegue irradiar mágoas, mas igualmente não represa seus infortúnios. Uma parte de mim se dilui com esses desencantos. Poeta que sou, caçador de sonhos, no dizer de Ulisses Guimarães, tenho sido colhido por tempestades. Aprendi com um irmão de caminhada e parceiro de sonhos, Raymundo Asfora, que "a emoção é a disciplina rebelde do meu espírito. E só liberto dos lábios as palavras prisioneiras do coração". Aos amigos que permanecem firmes na lealdade e imutáveis em seus sentimentos de honra, a reafirmação do meu carinho espontâneo, na sublimação da amizade, que não impõe condições, muito menos dilapida caráter. Encerro com as palavras do Padre Francisco Pereira da Nóbrega, um das vaidades da literatura paraibana, para quem "cada gota de dor deve vir acompanhada da certeza de dias melhores", ou, como na canção de Guilherme Arantes, imortalizada por Caetano: "Amanhã será um novo dia. Mesmo que uns não queiram, será de outros que esperam."  

Obrigado, Sr. Presidente, por me ter permitido esta comunicação pessoal e inadiável. As emoções são instantâneas.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/12/1998 - Página 18996