Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE A QUESTÃO INDIGENA NO BRASIL.

Autor
Romero Jucá (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • REFLEXÕES SOBRE A QUESTÃO INDIGENA NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 26/02/1999 - Página 3675
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, POLITICA INDIGENISTA, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, OPINIÃO, ORADOR, QUALIDADE, EX PRESIDENTE, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI).
  • DEFESA, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), EXPECTATIVA, CONCILIAÇÃO, REGIÃO, PRODUÇÃO, ARROZ, TURISMO.
  • DEFESA, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), ACUSAÇÃO, DISCURSO, SENADOR, INEFICACIA, ATUAÇÃO.

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB-RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, muito se tem falado, no Congresso nacional, sobre a questão indígena, sobre a demarcação de terras indígenas, sobre a atuação da Funai; enfim, sobre uma questão tão palpitante e que, infelizmente é pouco conhecida dos brasileiros.  

Hoje mesmo, nesta Casa, durante o Pequeno Expediente, foram tratados pontos relativos a essa questão.  

Falaria eu hoje sobre o Sistema Previdenciário e outras questões nacionais, mas me vejo no dever de vir à tribuna, até como ex-Presidente da Funai, para expor um pouco das minhas reflexões sobre a causa indígena e, especificamente, também, as questões de Roraima que aqui foram tratados.  

Durante três anos fui Presidente da Funai, durante a gestão de três Ministros, e vivi, talvez como ninguém e por ter passado tanto tempo lá, as dificuldades e a problemática indígena em nosso País. V. Exª também é um expert na questão; por ter governado tantas vezes o Estado do Amazonas, detendo também conhecimento de causa sobre a questão.  

Mas, aqui no Congresso Nacional, de vez em quando, temos visto parlamentares, até bem intencionados, mas desavisados e desinformados, virem abordar a questão indígena e até tentarem fazer relações entre o número de índios com o número de hectares, enfim, com qualquer tipo de relação matemática entre a questão indígena e a terra.  

Apreendi que a terra é vital para o índio; mas apreendi também que é fundamental que essa demarcação seja feita conscientemente; que seja feita uma demarcação harmônica no sentido de que, demarcada a terra, a comunidade indígena possa viver, sobretudo em paz. Aprendi, nos três anos em que estive à frente da Funai, bem como, depois, ao longo da minha vida pública, que o conflito, se é ruim para todos, é pior para o índio. Já vi lideranças indígenas serem assassinadas em Alagoas; já vi lideranças indígenas serem massacradas em muitos lugares deste País e lutei pela demarcação das terras, porque entendo que esse é o primeiro caminho para garantir a integridade e a soberania desses povos.  

Em Roraima – e aqui isso foi tratado –, está-se demarcando a área indígena Raposa/Serra do Sol; uma área de 1 milhão e 600 mil hectares; uma área que abrange cerca de quatro etnias; uma área que, em um primeiro momento, pode se dizer grande, quase do tamanho do Estado de Sergipe, que tem 2 milhões de hectares.  

Estamos buscando – e o meu esforço tem sido grande ao longo desses quatro anos aqui no Senado – uma solução que garanta às comunidades indígenas a terra, inclusive em demarcação contínua, porque entendo que o processo de perambulação e de circulação dos índios tem que ser preservado; mas, também, que garanta a harmonia e a pacificação de Roraima, para que, feita a demarcação, cessado o processo de garantia do Estado e da União, os índios não fiquem à mercê de qualquer tipo de conflito, pois eles pagarão a conta.  

Infelizmente, foi dito anteriormente que a Funai não atua e que essa demarcação precisa ser revista. Não entendo que essa demarcação precise ser revista. O que entendo – e quero dizer aqui de público, porque estamos tratando disso e, infelizmente, não estamos fazendo alarde na imprensa, porque estamos buscando o caminho da conciliação e do entendimento – é que questões pontuais, que tratam especificamente do Vale do Arroz e da região do Lago de Caracaranã, que é a região turística mais forte do Estado hoje, sejam preservadas na forma do que for decidido num processo de entendimento com as próprias comunidades indígenas.  

Fico triste quando vejo o poder público ou algum parlamentar usar a sua atuação ou até verbas públicas para desestruturar a organização indígena.  

Não quero de modo nenhum dizer que tal ou qual organização não representa os anseios da comunidade indígena. Representa sim, e por menor que seja tem de ser respeitada; e por menor que seja tem de ser honrada e apoiada, porque é por intermédio da organização de suas populações que o indígena brasileiro cada vez mais vai ser forte.  

O caminho para resolver os impasses é a negociação e não a desautorização e a desestruturação dos movimentos organizados indígenas em Roraima ou em qualquer lugar deste País. Os índios e a população brasileira deem estar organizados para enfrentar os desafios, as necessidades e os dramas que vive.  

Quanto à questão indígena, faço justiça a uma parte da Bancada Federal de Roraima e também à Senadora Marluce Pinto, minha adversária política em muitos embates em Roraima, que, nesse aspecto, está conosco buscando esse caminho. Temos conversado com o Ministro Renan Calheiros, há uma solução em vista. Tenho certeza de que o Vale do Arroz, região que mais produz arroz na Amazônia ocidental - inclusive abastece a capital, Manaus - será preservada. E mais: tenho certeza de que isso será feito em paz, com comedimento e com respeito às comunidades indígenas.  

Faço ainda um desagravo aos servidores da Funai, porque foi dito aqui que a Funai não funciona, que não está preparada e que é um órgão muito ruim. Não. Não é. A Funai luta com muitas dificuldades, tem pouco dinheiro, mas tem servidores valorosos, decentes, que se embrenham na mata, que se expõem a doenças, como malária, oncocercose ou febre amarela, mas, mesmo assim, estão lá, atuando em defesa dos índios e demarcando terra. Não fazem mais porque não podem. Manifesto desta tribuna o meu respeito pelos servidores da Funai, com quem convivi durante três anos e cuja luta tenho acompanhado.  

Da mesma forma, louvo o esforço do Ministro Renan Calheiros na busca de uma solução, quem sabe até transformando a Funai em Secretaria de Assuntos Indígenas, mas, tal como foi falado por um dos Senadores que me antecedeu, não no sentido da municipalização ou estadualização da saúde, da educação e de outras atividades ligadas ao índio. Não! No caso de Roraima, por exemplo, se a saúde do índio fosse estadualizada, os índios estariam quase todos mortos, porque a saúde do Estado não serve nem para quem está na capital, Boa Vista, quanto mais para quem está nas áreas indígenas abandonadas. Esse não é o caminho.  

O caminho talvez seja o que estamos buscando junto ao Ministro Renan Calheiros - buscávamos com o Dr. Sulivan Silvestre , que morreu, infelizmente -, com o novo Presidente, Márcio Lacerda, com o Ministro José Serra: a federalização e a atuação da Fundação Nacional de Saúde de forma mais ativa junto com a Funai em relação às áreas indígenas. Esse, sim, é o caminho. Também é caminho o fato de o Ministério da Educação dar suporte à educação indígena, valorizando-a, reforçando-lhe a cultura e resgatando os princípios fundamentais da história indígena.  

Registro que a solução para a demarcação da área Raposa Serra do Sol sairá, mas sairá do entendimento e da paz. Esse processo já está caminhando, porque há quatro anos estamos aqui tratando dessa questão - eu, a Senadora Marluce Pinto, o Senador João França, que deixou o mandato, e outros parlamentares federais.  

Infelizmente, o Governo do Estado tem sido omisso. Na reunião que houve no Ministério da Justiça, o Governador, o Vice-Governador e nenhum Secretário de Estado estavam presentes para tratar dessa questão. Somos nós, Parlamentares de oposição, que poderíamos estar ampliando os conflitos para disso tirar proveito em Roraima, que estamos atuando como bombeiros. Somos nós que estamos atuando como defensores do entendimento no sentido de buscar a harmonia e a paz no nosso Estado e, principalmente, a preservação e a valorização das comunidades indígenas do Brasil e do Estado que represento, Sr. Presidente.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/02/1999 - Página 3675