Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O SEMINARIO 'CLONAGEM, TRANSGENICO, IMPACTOS E PERSPECTIVAS' E SOBRE AUDIENCIA PUBLICA DA COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS, TENDO POR TEMA 'A AGRICULTURA BRASILEIRA E A BIOTECNOLOGIA'.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O SEMINARIO 'CLONAGEM, TRANSGENICO, IMPACTOS E PERSPECTIVAS' E SOBRE AUDIENCIA PUBLICA DA COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS, TENDO POR TEMA 'A AGRICULTURA BRASILEIRA E A BIOTECNOLOGIA'.
Publicação
Publicação no DSF de 12/06/1999 - Página 15154
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, SENADO, SEMINARIO, CLONE, ALTERAÇÃO, GENETICA, ALIMENTOS, DEBATE, IMPACTO AMBIENTAL, INICIATIVA, LEOMAR QUINTANILHA, SENADOR.
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS (CAS), DEBATE, AGRICULTURA, BIOTECNOLOGIA, PROPOSTA, ARLINDO PORTO, SENADOR.
  • CRITICA, FORMA, BRESSER PEREIRA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA CIENCIA E TECNOLOGIA (MCT), TRATAMENTO, PESSOAS, OPOSIÇÃO, LIBERAÇÃO, PRODUTO, ALTERAÇÃO, GENETICA.
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, ECOSSISTEMA, BRASIL, DIFERENÇA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ABRANGENCIA, DIVERSIDADE, ESPECIE, POSSIBILIDADE, DANOS, MEIO AMBIENTE, HIPOTESE, ALTERAÇÃO, GENETICA.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, será uma rápida comunicação, até em respeito aos colegas que estão inscritos - também estou inscrita, mas, como tenho um compromisso no Estado de Minas Gerais, infelizmente não será possível aguardar o tempo que me é reservado.  

O breve registro, Sr. Presidente, é em relação ao seminário que realizamos, por iniciativa do Senador Leomar Quintanilha, com o apoio de outras instituições inclusive do próprio Poder Executivo, com o título "Clonagem, Transgênico - Impactos e Perspectivas". Também tivemos, ontem, a realização de uma audiência pública da Comissão de Assuntos Sociais - proposta do nosso Senador Arlindo Porto, de Minas Gerais, para aonde me dirijo - em que tratamos do tema "A Agricultura Brasileira e a Biotecnologia".  

Sr. Presidente, quero dizer que voltarei ao assunto na segunda-feira, para expor alguns pontos que considero importantes nesse debate profícuo que se institui nesta Casa, já que temos que ter um posicionamento fundamentado tanto do ponto de vista técnico-científico, como também do ponto de vista político e ético. E foi isso o que ocorreu durante os debates. Foram-nos dados elementos para que aprofundássemos essa discussão, tanto no plenário quanto nas comissões. Mas gostaria de fazer apenas um pequeno lembrete, ou talvez uma advertência a nós mesmos - inclusive cabe também a mim: na disputa apaixonada por nossas idéias não nos devemos esquecer da autoridade do argumento para usarmos o argumento da autoridade.  

E isso foi o que ouvi quando tentaram desqualificar aqueles que têm um posicionamento contrário. Não entraram no mérito das questões que estavam sendo levantadas; disseram apenas que se tratavam de questões ideológicas, que eram fundamentalistas aqueles que defendiam um outro posicionamento, ou até mesmo de forma infeliz, como fez o nosso Ministro da Ciência e Tecnologia , Sr. Bresser Pereira. S. Exª, sendo um homem de ciência, deveria ter conhecimento de que ciência também envolve o conhecimento das práticas humanas, inclusive no que se refere às suas crenças. Mas o Ministro, de forma pejorativa, disse que aqueles que tinham posicionamento contrário à liberação dos produtos geneticamente modificados estavam desacreditando a ciência e, talvez, querendo voltar para o vodu.  

Há duas coisa que considero, no mínimo, preocupantes nesse tipo de abordagem: uma delas é a simplificação do debate. O debate não pode ser simplificado, muito embora, quando se trata de ciência, a simplificação para traduzir as idéias é positiva. No entanto, quando se vai pelo caminho do simplismo, do senso comum, jogando com as palavras, com a desqualificação, às vezes, até direcionada para não entrar no "x" da questão, aí sim considero prejudicial. Digo isso porque, embora sendo de formação cristã, não trato as práticas religiosas de povos e de comunidades de forma pejorativa, desqualificando-as. Penso que houve certa dose de preconceito, tanto para com os que têm idéias contrárias à matéria, quanto para com os que têm crenças que desaconselham a implantação desses produtos. Isso não fica bem para um homem de governo, não fica bem para um homem de ciência.  

Um outro aspecto que gostaria de levantar é que, no debate que está sendo feito nesta Casa, de forma leal, há vários Srs. Senadores que defendem a tese da liberação da clonagem, porque já têm segurança científica de que isso não causará danos ao meio ambiente, à saúde e a uma série de outros pontos. No entanto, Sr. Presidente, não tenho essa segurança porque os testes realizados nos Estados Unidos, em relação ao impacto dessa modificação, dessa engenharia genética sobre os humanos, são feitos em apenas três semanas. Como eu poderia estar convencida de que, com os estudos realizados em três semanas, já se pode ter uma visão conclusiva de que esses produtos não fazem mal à saúde humana? Também não tenho segurança de que não trará problemas ao meio ambiente, porque o ecossistema em que foram realizadas essas experiências é completamente diferente dos ecossistemas brasileiros. Os Estados Unidos, com uma pobre biodiversidade, é incomparável à nossa realidade. Temos uma enorme variedade de espécies, e elas poderão vir a ser afetadas se houver uma interferência na sua genética.  

Como não tenho essa certeza, resguardo-me o direito de levantar essas ponderações. No entanto, respeito a opinião daqueles que hoje já querem dizer, de forma conclusiva, que não tem problema para o meio ambiente.  

Até porque, Sr. Presidente, em se tratando de meio ambiente, da saúde humana, em processos que podem vir a ser irreversíveis, a melhor palavra de ordem é a cautela. E é a cautela, porque já tivemos experiência com relação ao DDT, inclusive o Procurador do Estado de São Paulo me emocionou profundamente quando falou de uma cientista que, há 30 anos, por ter levantado problemas com relação ao DDT, foi ridicularizada. Diziam que ela não fazia ciência por ser emocional; levantaram tudo da sua vida privada; tentaram desmoralizá-la, tanto tecnicamente como moralmente. No entanto, hoje, mais de 30 anos depois , está mais do que comprovado que ela tinha toda razão. Os que advogavam a tese da ciência irrefutável, da não possibilidade de erro, da infalibidade das teses levantadas, com certeza estão todos calados. Os danos causados são irreversíveis.  

Por isso, entendo que não custa nada termos um pouco mais de cautela, até porque a multinacional Monsanto, com todo know-how e com toda a acumulação que tem de capital, poderá esperar um pouco mais. Agora, o meio ambiente, a saúde humana e até mesmo os valores éticos, que devem estar acima de qualquer interesse de mercado, esses não podem esperar. Caso contrário, no futuro, talvez tenhamos que silenciar para dar razão àqueles que, em alguns momentos, são chamados de fundamentalistas.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/06/1999 - Página 15154