Discurso no Senado Federal

FRACASSO DA EXPERIENCIA NEOLIBERAL EM VARIOS PAISES DO MUNDO. DISCORDANCIA COM AS PRIVATIZAÇÕES NO BRASIL, REPORTANDO-SE AO CASO DO 'GRAMPO', NO BNDES.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • FRACASSO DA EXPERIENCIA NEOLIBERAL EM VARIOS PAISES DO MUNDO. DISCORDANCIA COM AS PRIVATIZAÇÕES NO BRASIL, REPORTANDO-SE AO CASO DO 'GRAMPO', NO BNDES.
Publicação
Publicação no DSF de 12/06/1999 - Página 15164
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, EFEITO, GLOBALIZAÇÃO, REDUÇÃO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, AUMENTO, DESEMPREGO, CRESCIMENTO, POBREZA.
  • CRITICA, MODELO, LIBERALISMO, ESPECIFICAÇÃO, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, ATUAÇÃO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), COMENTARIO, FATO, ESCUTA TELEFONICA.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, CAPACIDADE, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não há dúvida alguma de que o Brasil se transformou talvez no país mais emocionante do mundo. Quantos acontecimentos se atropelam a cada dia e a cada momento e tornam já velho e antiquado o ontem! Essa superposição de fatos importantes, essa superposição de acontecimentos quase sempre eivados de um sentido deplorável, anti-social, indica que o Governo brasileiro alimenta e enche o tanque do trator neoliberal a cada dia com medidas cada vez mais desumanas, mais anti-sociais, mais perniciosas, tendentes à concretização da barbárie.  

A consciência social de vários estudiosos tem-se manifestado numa bibliografia que a cada dia se torna mais avantajada, mais volumosa, com títulos como A Globalização da Pobreza, o último destes traduzidos para o português. Não é só, declaradamente, o Presidente Fernando Henrique Cardoso que declarou isso em uma entrevista que deu à Esquerda 21 ; também o Sr. Bresser Pereira, no mesmo sentido, na mesma revista, na mesma data, declarou que eles estão perdidos. Todos os dois declararam a sua perplexidade e a penumbra em que eles penetraram.  

De modo que nem sequer o fracasso declarado da experiência neoliberal em diversos países é levado em consideração. Agora, por exemplo, no Peru, Alberto Fujimori, El Chino , depois da sua "rereeleição", acabou desistindo das privatizações que ele havia, por ordem também do FMI, aplicado sobre o capital acumulado na esfera estatal. Os setores de energia, de abastecimento de água e outros setores importantes não serão mais privatizados, de acordo com as declarações do ditador Fujimori.  

Esse desastre das privatizações também atinge a cada dia e testa a paciência do povo brasileiro. Eu me manifestei sempre contra essa pseudodescoberta, esse parto da montanha que depois de tanto tempo encontrou, nas agências nacionais do petróleo, da telefonia, da eletricidade, etc., as soluções que viriam, no entender daqueles otimistas, fornecer um capital fantástico para o Governo, receitas das privatizações, que seriam capazes de pagar, de início, a dívida social e, depois, a dívida pública. Venderam-se as jóias do Tesouro, as empresas estatais, depois de acoimarem, de acusarem essas empresas de serem totalmente ineficientes. E os eficientes e felizardos capitalistas privados que receberam a doação desse patrimônio nosso, patrimônio público, constituído pelas empresas estatais, agora estão aí com seus "apagões": apagões telefônicos, apagões elétricos, apagões financeiros. De modo que se criou uma treva no patrimônio das empresas estatais quando foram privatizadas.  

João Baptista Figueiredo, general, nosso último ditador, ao ser perguntado se era contra ou a favor da privatização, disse que não era contra a privatização, mas contra a doação das empresas estatais. E disse mais, "meses depois de ganharem essas empresas estatais, os empresários irão atrás do Delfim Netto, pretendendo obter empréstimos do BNDES para administrar as empresas que ganharam. Isso quem diz não é o PT, mas o General e ex-Presidente João Baptista Figueiredo.  

E é o que aconteceu e o que se repete no Brasil e em todos os países em que essa experiência foi feita. Em 1982, escrevi um trabalho denominado "Estatização, Privatização e Crise", em que afirmei que as empresas estatais brasileiras seriam doadas para os capitalistas nacionais e estrangeiros, principalmente para os banqueiros. Isso não aconteceu porque muitos dos bancos faliram antes de receberem o presente que o Governo brasileiro lhes ofereceria.  

De modo que, tivemos de abrir - e muitos abriram alegremente - as nossas portas, para que o capital estrangeiro penetrasse no Brasil. Mas esse capital não veio como investimentos diretos para acrescer as oportunidades de emprego e o Produto Interno Bruto brasileiro. O capital que aqui entrou, como geralmente acontece no Brasil desde os anos 50, foi fortalecido, injetado, amparado pelos recursos do BNDES. É por isso que agora percebemos que o BNDES entrou no processo de privatização que ele próprio estava fazendo com o equivalente a quatro Vales do Rio Doce - quatro vezes o valor pelo qual foi vendida a Vale do Rio Doce. O BNDES pegou recursos do FAT, Fundo de Amparo ao Trabalhador, para facilitar a compra feita por meio de leilões muito suspeitos, suspeitíssimos. O próprio BNDES, como vangloriou-se a D. Helena Landau, encarregada da privatização doadora, entrou algumas vezes como licitante, como comprador das próprias empresas estatais que estava vendendo. Alegava que, não fosse a presença do BNDES como comprador e vendedor ao mesmo tempo, o leilão certamente fracassaria.  

Assim, vimos surgindo felizardos, como, por exemplo, o Sr. Barão Benjamin Steinbruch, um pequeno empresário brasileiro, que, de repente, se tornou o proprietário de uma imensa fortuna, correspondente às ações das empresas estatais por ele adquiridas. Obviamente, bate de novo, como está acontecendo, às portas do BNDES, esse Papai Noel dos ricos. Delenda BNDES! BNDES que deveria ter sido, este sim, destruído ou privatizado, antes de começar o processo de privatização. Repeti isso inúmeras vezes aqui desta tribuna, que, sei, está envolta em silêncio.  

Desse modo, vimos que, com a completa liberdade de ação dada ao privatizador-mor, o BNDES, que sempre fez o que quis no sentido de empurrar as empresas estatais para a propriedade privada, esse processo não correspondeu ao acréscimo de um tijolo sequer. Foi apenas dinheiro, uma pequena parte de dinheiro estrangeiro e a grande e significativa parte de recursos nossos, nacionais, que o BNDES empregou para a desestatização da produção nacional.  

Realmente, isso é assustador, aterrador, com as raras exceções que surgem na nossa imprensa lúcida, que sempre procurou acusar, criticar e investigar o processo de privatização. Infelizmente, a sociedade brasileira não conseguiu reagir à altura, não invadiu as praças e não cercou os locais onde os leilões foram realizados, com bastante força, entusiasmo e nacionalismo, para que o processo não chegasse ao ponto em que chegou.  

Do mesmo modo, acostumados a fazer e a desfazer, estão os presidentes dos BNDES, e não apenas os Srs. Mendonça de Barros, Lara Resende e Pérsio Arida - todos eles, obviamente, do coração do Presidente, do peito do Presidente, porque, se não o fossem, não seriam cabeças coroadas desta República, ocupando os mais importantes cargos do Governo.  

Bem, agora, foi o próprio Governo. Não foi a coitada da Oposição, que não tem recursos, nem meios de fazer essas coisas - apenas jogamos algumas pedras no caminho do trator que as esmaga inexoravelmente. Então, o que aconteceu? O próprio Governo gravou 46 fitas, pelo menos, de conversas dos privatizadores do BNDES com alguns interessados no processo de privatização, com algumas entidades que foram convocadas pelo Governo para favorecer determinados grupos que estavam concorrendo no processo de privatização, por exemplo da Tele Norte Leste. Coisa fantástica! Vamos tirar a terminologia empregada por esses senhores dessas fitas gravadas com o nosso dinheiro, porque foi o próprio Governo Federal quem as gravou.  

Quatro delas foram entregues pelo General Alberto Mendes Cardoso. Quando deixou o órgão, foram entregues aos seus continuadores. Quanto às demais, está-se ainda indagando se foi o Sr. Telmo ou outro pertencente a esses serviços de informação e de espionagem que fizeram o serviço de grampeamento.  

O fato é que também conversas de caráter pessoal e sexual, experiências e reminiscências de aventuras sexuais estão lá gravadas. Esses trechos talvez conseguissem tornar mais quentes esses programas do 0-900, esses que têm o "telessexo", o sexo pelo telefone. O Sr. Lara Resende poderia ceder as suas reminiscências para que esses programas ficassem mais quentes.  

Sou contra a publicação desses trechos de caráter íntimo, de alcova, que estão presentes na gravação. Discordo, no entanto, do que querem dizer, do que querem afirmar: que todas as fitas gravadas são criminosas.  

Neste País é muito freqüente adotar-se uma exegese, uma interpretação, uma hermenêutica oficial a respeito de certas leis e impor autoritariamente essa interpretação como se fosse uma verdade eterna. A verdade do Governo a respeito do caráter criminoso ou não dessas gravações é muito interessante. Lerei alguns trechos que o Professor Celso Bandeira de Mello, titular de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da PUC, e o Professor Luiz Alberto Machado, penalista da Universidade Federal do Paraná, elaboraram na tentativa de interpretar o assunto. Concordo plenamente com a posição adotada por esses autores a respeito do que seria uma gravação criminosa e do que não constituiria crime algum.  

"Gravações clandestinas ferem o direito à intimidade, por isso são ilícitas". Aquelas coisas que um dos diretores do BNDES conversava com a sua namorada a respeito das maravilhas sexuais que os dois compartilharam, por exemplo, deveria, obviamente, ficar no âmbito daquilo que é protegido com o objetivo de resguardar a intimidade a que têm direito as pessoas, os cidadãos. Com relação àquilo que não se refere à intimidade, àquilo que não ofende o direito à intimidade, àquilo que é público por natureza, àquilo que o Governo tinha a obrigação de tornar público, não se pode, obviamente, invocar o direito à privacidade, a proteção ao que é particular, individual.  

Concluo, portanto, de acordo com essas opiniões que acabei de citar, fazendo a seguinte comparação. É proibido, obviamente, tirar a vida de alguém, o homicídio é crime, não há dúvida alguma. No entanto, como tudo no mundo tem exceção, há alguns excludentes de criminalidade nesse caso, como a legítima defesa e o estado de necessidade. Permite-se, por exemplo, que uma pessoa tire a vida de outrem em determinadas circunstâncias: quando ela está sendo atacada; quando, em legítima defesa, mata o agressor ou quando, em estado de necessidade, para se salvar, quando a sua salvação exige e impõe, necessariamente, a morte de uma terceira pessoa.

 

De modo que, então, nem todas as gravações constituem crime. No caso de leilões, o governo é obrigado por lei a tornar público, a publicar todos os atos referentes a eles. Mesmo sendo o governo obrigado a publicar tudo, escondeu uma parte daquilo que deveria ser público com o intuito de beneficiar o banco do Sr. Pérsio Arida, que entrava no leilão.  

O concorrente principal do grupo do Sr. Pérsio Arida e do Banco Opportunity foi chamado, nessas ligações telefônicas, de "telegang", mostrando que o Governo, no leilão que devia ser imparcial, tinha, de antemão, as cartas marcadas e o destinatário já eleito, já premiado.  

Esse grupo promoveu essa guerra - uma guerra desastrada -, esse grupo envolveu o Presidente da República e o seu apoio para conseguir que a Previ e outras instituições dessem-lhe o seu aval, fortificando o favoritismo que já lhe havia sido concedido pelo Governo. O que aconteceu então? Aconteceu que esse grupo de sábios, de PHDs, de donos de bancos, de donos de tudo, esse grupo, simplesmente, não sabia que não podia concorrer no leilão. Fizeram toda essa tranquibérnia, todas essas maracutaias, todo esse processo terrível e perigoso para simplesmente concorrerem num leilão no qual eles não podiam concorrer, porque a lei, a regulamentação do leilão proibia que eles o fizessem.  

De modo que, então, tudo isso foi feito para nada, porque eles estavam ignorando as leis que eles próprios fizeram para presidir o processo de leilão. Eles não sabiam que, tendo já ganho o leilão de uma outra seção da Telebrás, eles não poderiam concorrer naquele leilão também.  

Além de tudo, além das fraudes, além do parti pris , além do favorecimento de certos grupos, verifica-se que o BNDES, que deveria ter sido destruído - delenda BNDES! -, mais uma vez, entrou para fazer essa anarquia deprimente, esse favorecimento risível, protegendo os seus próprios interesses, o interesse da Dona Landau, casada com Pérsio Arida, um dos maiores sócios do Opportunity - até pouco tempo, a D. Landau foi diretora da carteira de privatização do BNDES e agora aparece na outra ponta como a mulher do Sr. Pérsio Arida que, dessa maneira, pretendia comprar a empresa estatal que estava sendo colocada em leilão. Por isso o grupo adversário ganhou, venceu, como não poderia deixar de ser.  

Este País se encontra, Sr. Presidente, em uma situação lamentável, em uma situação deplorável em que erros, ineficiência, falta de capacidade administrativa e outras coisas mais se somam.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/06/1999 - Página 15164