Discurso no Senado Federal

INDIGNAÇÃO COM A TESE PROPUGNADA PELO GOVERNO SOBRE A NOMEAÇÃO DOS INDICADOS A CARGOS PUBLICOS. (COMO LIDER).

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • INDIGNAÇÃO COM A TESE PROPUGNADA PELO GOVERNO SOBRE A NOMEAÇÃO DOS INDICADOS A CARGOS PUBLICOS. (COMO LIDER).
Aparteantes
Geraldo Cândido.
Publicação
Publicação no DSF de 16/06/1999 - Página 15383
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, MANUTENÇÃO, INDICAÇÃO, CARGO PUBLICO, FALTA, ATENÇÃO, DENUNCIA.
  • DEFESA, SUSPENSÃO, INDICAÇÃO, CARGO PUBLICO, TEMPO, INVESTIGAÇÃO, DENUNCIA, ESPECIFICAÇÃO, DIREÇÃO, POLICIA FEDERAL.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, o requerimento está sendo colocado em votação após a Ordem do Dia. Havia sido discutido com a Mesa que isso não iria mais ocorrer. O assunto foi inclusive objeto de uma reunião.  

O SR. PRESIDENTE (Casildo Maldaner) - Foi consultado o Plenário e, geralmente, em casos idênticos...  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Imaginei que se tratasse apenas da leitura, mas se haverá uma votação, de acordo com o que foi discutido, será conveniente, já que ficou expressamente...  

O SR. PRESIDENTE (Casildo Maldaner) - Regimentalmente, não poderia ser votado agora. Mas tem ocorrido em outras ocasiões.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Na reunião o Presidente foi peremptório, após minha abordagem, em afirmar o contrário.  

O SR. PRESIDENTE (Casildo Maldaner) - Havendo objeção, o requerimento será votado amanhã.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Agradeço a Mesa por honrar o compromisso da reunião.  

O SR. PRESIDENTE (Casildo Maldaner) - Concedo a palavra, por 20 minutos, à Senadora Marina Silva como Líder da Oposição.  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, há um dito popular que afirma que todos são inocentes até que se prove o contrário. Provando-se o contrário, a inocência é nula. Vem-se cometendo um certo abuso com relação a essa afirmação quando se trata da indicação de pessoas para cargos que considero de alta relevância. Quero fazer apenas uma breve menção ao episódio que envolveu a votação, nesta Casa, da indicação do Dr. Francisco Falcão para o STJ. Naquela oportunidade, não vou entrar no mérito, o Bloco da Oposição e alguns outros Srs. Senadores votaram contra a indicação do nome do Sr. Francisco Falcão, feita pelo Senhor Presidente da República, em função das denúncias de que havia uma negação por parte dele de se submeter à investigação para o teste de paternidade reivindicado por uma senhora, mãe de dois menores, dos quais seria o pai.  

Naquela oportunidade, o Bloco de Oposição, por intermédio da ilustre Senadora Emilia Fernandes, entrou com um requerimento pedindo que fosse adiada a votação da matéria em pauta. Infelizmente a maioria da base de sustentação do Governo entendeu que a votação deveria ocorrer e não se ateve ao que estava dizendo a Oposição, que, naquele momento, não estava condenando; e diante da impossibilidade de se ter o tempo necessário para que as investigações se realizassem e se confirmasse ou não a tese da paternidade fomos obrigados a votar contra a indicação do Dr. Francisco Falcão para o STJ. Estou relatando esse episódio porque concordo com a tese segundo a qual até que se prove o contrário as pessoas são inocentes. Mas é preciso que, havendo suspeita, haja base para que a investigação seja realizada, e a inocência, confirmada.  

O episódio desse momento não é diferente. Há a indicação do Sr. João Batista Campelo para dirigir a Polícia Federal. Todavia, sobre o indicado pesa a denúncia de ter praticado tortura, pelos idos de 1970, contra um ex-padre. Novamente a tese de que todos são inocentes até que se prove o contrário vem à tona. E o Presidente Fernando Henrique Cardoso mantém a nomeação do Sr. João Batista Campelo, mesmo com as denúncias contundentes colocadas pelo Sr. José Antônio Monteiro, o ex-padre torturado pelo nomeado. Nesse caso, parte da denúncia já se configura como prova documental: são os autos do inquérito. Quem dirigiu o inquérito? Foi o Sr. João Batista Campelo. Se ele dirigiu o inquérito é porque ele é o responsável pela tortura praticada contra o ex-padre.  

Nós estamos fazendo, neste País, uma verdadeira banalização da indicação de pessoas para determinadas funções porque, mesmo com denúncias fortes, com documentos, com provas como as colocadas a público em relação ao episódio da Polícia Federal, mantém-se a nomeação, dizendo que se vai proceder à investigação, ou seja, mediante os autos, deve-se confirmar a denúncia, porque já está tudo nos autos. Sr. Presidente, em se tratando de funções como as que mencionei anteriormente, já tivemos um grande vexame: o caso do Sr. Francisco Lopes, indicado pelo Presidente da República e aprovado por esta Casa. Dias depois, porém, o Presidente do Banco Central, antes mesmo de ser empossado, caiu, em face de episódios que vieram a público e que aqui não vou relatar.  

Se é verdade que é fundamental que se faça a investigação, que não se condenem as pessoas a priori , também é verdade que não há uma pessoa - pelo menos desconheço - que tenha sido condecorada ou que tenha recebido uma medalha por uma prova que ainda não realizou. Aryton Senna, por exemplo, para subir ao pódio, tinha que ganhar a prova. Um aluno, para receber a nota, tem que se submeter ao exame. A mesma situação se aplica às funções às quais me referi, Sr. Presidente. Como pode haver indicação de uma pessoa para dirigir a Polícia Federal se essa pessoa está sob forte suspeita, se há documentos e provas cabais? Ainda assim mantém-se a nomeação e se decide investigar depois. Ou seja, ele já recebe o prêmio; se, posteriormente, passar na prova tudo bem; se não, o que será feito? O Presidente vai criar uma situação para que ele peça demissão? A sociedade brasileira está sendo, o tempo todo, exposta a esse tipo de situação. Não bastasse o caso do Sr. Francisco Lopes, agora surge outro, com relação à Polícia Federal!  

Não sou daquelas que advoga a tese de que nos devamos colocar perante as pessoas com o dedo em riste, como se fôssemos bastiões da justiça, da verdade, da ética e da moralidade. Mas existem determinadas funções em que, para se obter o mínimo de sucesso, é fundamental que tenha o respeito e a credibilidade não só da sociedade, mas, inclusive, dos seus pares, o que me parece não estar ocorrendo na Polícia Federal neste momento.  

Que segurança o povo brasileiro tem com relação a indicações que são feitas a todo momento e que parecem não estar baseadas em critério algum? Que assessoria, que informação estratégica está recebendo o Presidente Fernando Henrique para, o tempo todo, ser submetido a esse tipo de vexame? É um verdadeiro vexame a ocorrência de três episódios muito semelhantes em tão pouco tempo! São apenas seis meses, Sr. Presidente. Às vezes, não há intervalo nem de uma semana entre um e o outro.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, faço esse registro, porque, realmente, se dissessem: "a Oposição suspeita que o Presidente Fernando Henrique Cardoso indicou alguém para o STJ, o qual se recusa a fazer o teste de paternidade, etc, etc, etc"; "a Oposição está dizendo que suspeita que foi indicado para a direção do Banco Central um homem que tinha negócios não muito claros com empresas de consultoria, etc, etc, etc"; ou "a Oposição suspeita que o indicado para dirigir a Polícia Federal estaria envolvido em episódios de tortura", alguém poderia dizer: "mas a Oposição não tem provas, a Oposição está sendo pouco generosa, a Oposição está sendo leviana".  

Agora não, Sr. Presidente, está aqui. Os fatos vêm a público independentemente da Oposição. O que estou fazendo aqui, Sr. Presidente, é apenas repetir dados que são levados ao conhecimento da sociedade brasileira, pelos meios de comunicação. Alguns deles, inclusive, são levados tornados públicos pelo próprio Governo, sai das próprias entranhas dele.  

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT–RJ) - Senadora Marina, V. Exª me concede um aparte?  

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Concedo o aparte ao Senador Geraldo Cândido.  

O Sr. Geraldo Cândido (Bloco/PT–RJ) - Senador Marina Silva, quero parabenizar V. Exª pelo seu pronunciamento. Sábado último, foi publicada no jornal O Globo — saiu em outros jornais também — uma pesquisa do Ibope, segundo a qual 46% da população disseram que não há democracia no Brasil. O jornalista questiona: "O povo brasileiro acha que não há democracia no Brasil?" Quase 50% pensam dessa forma. Quer dizer, o povo não é tão burro assim, porque o trabalhador, o cidadão comum sente, neste País, a falta de democracia. E isso acontece na nomeação do Superintendente da Polícia Federal, que é realmente um ato autoritário do Presidente Fernando Henrique Cardoso. As denúncias feitas por uma pessoa torturada por ele — aliás, mais de um foi torturado — estão sendo vistas como mentiras, como calúnias, dizendo-se, inclusive, que o cidadão é um débil mental. Imaginem: o cidadão foi torturado e conhece a pessoa que está lá. Então, o padre é um mentiroso, é um débil mental? Neste País é assim. Agora começam a vir à tona alguns fatos que ficaram muitos anos escondidos embaixo da podridão, como, por exemplo, o episódio de Volta Redonda. Nós construímos um monumento em homenagem aos operários assassinados na siderúrgica, e, no dia 1º de maio, quando seria inaugurado, colocaram uma bomba à noite. Destruíram o monumento e depois disseram que tinham sido os terroristas. O capitão do Exército, que hoje é coronel, este ano, disse: "Olha isso foi feito a mando do Comandante do Exército". Agora está aí a apuração do episódio lá do Riocentro. Na época, disseram que terroristas tinham colocado a bomba no colo do sargento, e ela explodiu. Quer dizer, isso é "história para boi dormir". Os cidadãos – o capitão e o sargento – estavam com uma bomba, que explodiu no colo de um deles. E o povo teve sorte, porque eles iam colocá-la dentro do salão do Riocentro, onde vinte mil pessoas assistiam a um show em homenagem ao trabalhador. Depois disseram que foi um ato de terroristas. Mas a verdade acaba vindo à tona, porque "a mentira tem pernas curtas". Esses elementos envolvidos no episódio do Riocentro e esse da Polícia Federal deviam estar na cadeia porque são terroristas e torturadores, mas continuam aí ocupando cargos públicos. O capitão que levou a bomba para o Riocentro hoje é Coronel. Devia estar preso porque é um terrorista. Esse torturador da Polícia Federal também devia estar na cadeia. Então, parabenizo V. Exª pelo seu pronunciamento. É isso mesmo. Essas pessoas que não têm dignidade, não têm moral, estão por cima hoje, o que é um absurdo. Por isso é que a população diz que no Brasil não há democracia. Muito obrigado a V. Exª.

 

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC) - Senador Geraldo Cândido, agradeço o aparte de V. Exª e o incorporo à minha fala.  

Sei que a indignação de V. Exª é semelhante à de milhares e milhares de pessoas que, estarrecidas, estão acompanhando esses episódios.  

Imaginem se pega a moda de premiarmos as pessoas antes de elas passarem nas provas que as levariam ao prêmio. Poderia, também, instituir-se a prática de diplomar Senador e Deputado e, depois, se ganhassem a eleição, seria confirmado o diploma. A forma com que está sendo feita a indicação das pessoas para essas funções pode nos levar até a fazer esse tipo de comparação. Acredito que, para governar um país ou até mesmo para administrar uma prefeitura, é fundamental que se tenham as informações mínimas das pessoas indicadas.  

Parece-me que realmente não se leva em conta a gravidade dos episódios que envolvem a vida dessas pessoas. É como se isso não significasse nada. Não quero acreditar que o Presidente Fernando Henrique Cardoso possa ser indiferente ao fato de o indicado para Superintendente da Polícia Federal ser um torturador. Parece-me que há verdadeira incompetência daqueles que formam a opinião para se chegar a determinadas conclusões, porque são muitos os acontecimentos num período muito curto.  

Então, a minha indignação é com relação a essa tese de que se fazem as indicações e, depois, vão-se fazer as investigações. Acredito que conhecer o caráter, o compromisso, a competência, bem como os episódios em que se envolveu alguém que deve ocupar um cargo como os que mencionei, é função do governante até para que a sua posição não seja o tempo todo colocada em dúvida diante de questionamentos como os que fiz, da conivência, da indiferença, do não se importar - se ninguém falar, tudo bem, já passou -, da desinformação e da incompetência do núcleo que assessora o Presidente e que lhe apresenta esses nomes para serem indicados. Alguns até aprovados pelo Congresso Nacional, como é o caso do Dr. Falcão e do Dr. Chico Lopes.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/06/1999 - Página 15383