Discurso no Senado Federal

DEFESA DAS PRERROGATIVAS DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUERITO.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • DEFESA DAS PRERROGATIVAS DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUERITO.
Publicação
Publicação no DSF de 17/06/1999 - Página 15491
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • DEBATE, LIMITAÇÃO, DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS, PRERROGATIVA, INVESTIGAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CRITICA, LIMINAR, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), QUEBRA DE SIGILO, EX-DIRETOR, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN).
  • APREENSÃO, RESTRIÇÃO, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), RETROCESSÃO, DEMOCRACIA.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a questão levantada esta tarde pelo Senador Roberto Freire é de extrema relevância, tanto é que suscitou a discussão de vários Srs. Senadores que têm conhecimento do ponto de vista da abordagem das leis e da Constituição. Por isso, vou ater-me apenas aos aspectos políticos do que aqui está sendo debatido.  

Primeiro, entendo que o direito individual das pessoas é sagrado e deve ser protegido, e ele é protegido pela Carta Magna. No entanto, não podemos tornar esse direito absoluto. É preciso levar em conta que a própria Constituição estabelece que o indivíduo também está subordinado àquilo que se chama convivência em sociedade e a partir do momento em que, pela ação irresponsável ou danosa, ele lesar os interesses sociais, perderá o seu direito individual, pois quebrou a regra de não prejudicar o que constitui o direito de todos.  

A CPI, instrumento previsto na Constituição, e que não é apenas figura decorativa, tem essas prerrogativas, as quais, neste momento, não podem ser aviltadas, até porque em outras CPIs não o foram. É muito estranho que isso esteja ocorrendo agora. A reflexão não deve ser feita apenas pelo Senado, cuja ação de investigar está sendo prejudicada, mas também, e fundamentalmente, pela Justiça.  

Está em curso nesta Casa a CPI da Justiça, enquanto a reforma do Judiciário está sendo debatida na Câmara. Por que criar esse precedente exatamente agora? É muito perigosa essa decisão, porque, apesar de todos os resultados positivos de CPIs anteriores, como a que levou à cassação de um Presidente da República, ainda há no Brasil o dito popular de que elas podem terminar em pizza. Com esse encaminhamento e essa decisão do Supremo Tribunal, a CPI poderia terminar não apenas em pizza, mas em pizza de jiló, porque realmente não há como digerir essa decisão.  

O que vai fazer, então, a CPI se não tem instrumentos para proceder às investigações? A quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico constitui um instrumento fundamental para chegar a alguns resultados. Jamais teríamos conseguido desvendar alguns casos conhecidos na história deste País, se não fossem essas prerrogativas. Ainda mais porque — como muito bem disse o Senador Pedro Simon — ela não tem o poder de tomar as decisões finais. Ela apenas faz o trabalho e encaminha suas conclusões ao Ministério Público.  

Eu me preocupo muito com essa decisão, que o Senador Tebet colocou como preliminar, e já existe um precedente. Refiro-me ao caso do Sr. Jersey Pacheco, que obteve um habeas corpus preventivo. Assim, se alguém tentar quebrar seu sigilo bancário, telefônico e fiscal, ele, preventivamente, já tem o direito de impedir que isso ocorra. Isso é um absurdo! Sr. Presidente, não podemos ficar calados diante desta situação, porque ela é perigosa inclusive para o interesse público, para o interesse da democracia, muito bem tipificado pelo Ministro Celso de Mello, quando, na entrevista que deu ao Correio Braziliense , disse que, para a democracia, nunca é prejuízo investigarmos as graves denúncias, pelo contrário, é para o seu fortalecimento que essas investigações devem acontecer e que as CPIs funcionam como instrumentos fundamentais da realização dessas investigações.  

Então, considero relevante e preocupante a questão aqui debatida. Devemos buscar uma saída para esse impasse, sob pena de todo esse trabalho ser perdido, em vez de dar a sua contribuição para esclarecer toda essa sujeira que, durante anos, vem sendo posta embaixo do tapete, inclusive por algumas artimanhas que podem até ser ditas legais, mas que são, do ponto de vista do interesse público, imorais. E, pelo que me consta, o Sr. Chico Lopes não está incluído entre aqueles que poderiam estar ressalvados pela lei, porque, com a função pública que tinha e exercia, não poderia jamais ter qualquer tipo de relação duvidosa que prejudicasse o interesse público, como ficou tipificado no âmbito dessas investigações.  

Portanto, com essas palavras, quero dizer que estou inteiramente de acordo com as observações aqui feitas e que considero que para a democracia e para as prerrogativas do Congresso Nacional isso é um retrocesso e uma tentativa de fazer com que as CPIs sejam desmoralizadas. Em outros momentos, essas questões não foram suscitadas, como estão sendo agora, inclusive de forma preventiva, como já foi dito. Talvez seja por isso que o ex-Governador do Acre, Orleir Cameli, ainda há pouco, ao depor na CPI do Narcotráfico, enfrentou o presidente da CPI dizendo que o presidente não poderia ter quebrado o seu sigilo bancário, telefônico e fiscal, sem ter conversado com ele. Onde já se viu CPI ter que pedir ao investigado, ao interrrogado, licença para quebrar o seu sigilo bancário e telefônico? Talvez todas essas confusões que a Justiça está fazendo leve inclusive a esse tipo de postura aqueles que vivem em uma terra sem lei.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/06/1999 - Página 15491