Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A VIOLENCIA DAS INVASÕES PELO MOVIMENTO SEM-TERRA E A QUESTÃO DA REFORMA AGRARIA.

Autor
Nabor Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Nabor Teles da Rocha Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A VIOLENCIA DAS INVASÕES PELO MOVIMENTO SEM-TERRA E A QUESTÃO DA REFORMA AGRARIA.
Aparteantes
Gilberto Mestrinho.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/1999 - Página 15907
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, PRONUNCIAMENTO, LUDIO COELHO, SENADOR, REFERENCIA, LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), APREENSÃO, REUNIÃO, TRABALHADOR, SEM-TERRA, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), PARTICIPAÇÃO, REPRESENTANTE, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, CHILE, URUGUAI.
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, GOVERNO MUNICIPAL, CONSCIENTIZAÇÃO, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, REFORMA AGRARIA, CORREÇÃO, OMISSÃO, CONTROLE, ABUSO, MANIFESTAÇÃO, SEM-TERRA.
  • SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO EXTRAORDINARIO DE POLITICA FUNDIARIA (MEPF), ATENÇÃO, EMPENHO, RESOLUÇÃO, INVASÃO, SEM-TERRA.

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, cabia-me ocupar a Presidência dos trabalhos desta Casa no momento em que o Senador Lúdio Coelho subiu à tribuna, no início da sessão de hoje, para tratar de um assunto que é realmente atual e que interessa a toda classe política e à sociedade brasileira, de um modo geral: a reforma agrária.

Em seu pronunciamento, o ilustre representante do Estado do Mato Grosso do Sul fez a leitura de uma reportagem, publicada no jornal O Estado de S. Paulo, edição de ontem, a respeito de uma reunião dos trabalhadores sem terra, naquele Estado, da qual participaram representantes de outros países do hemisfério sul, como Argentina, Chile e Uruguai.

O grande jornal paulista, naquela matéria, ressaltava o perigo implícito naquela reunião para os ruralistas de Mato Grosso do Sul, que, ultimamente, têm sido vítimas de invasões promovidas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, que atingem até mesmo terras produtivas.

Esse fato não está limitado às divisas sul-matogressenses, mas se alastra por outras unidades da Federação, principalmente em São Paulo e no Paraná, caracterizando-se, destarte, uma campanha contra a própria Federação. Por isso, tomei a iniciativa de inscrever-me e de tratar também desse assunto, partindo da convicção de que existe uma imperiosa necessidade de o Governo Federal, em parceria com as administrações estaduais e municipais, adotar imediatas providências para redefinir a questão da reforma agrária, corrigindo omissões e controlando abusos.

Esse é um assunto que não pode mais ser postergado, tendo em vista que as invasões de propriedades produtivas por parte do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, extrapolando os limites da racionalidade e da luta social pacífica e democrática, têm causado problemas de natureza policial e judicial, chegando a provocar até mesmo diversas mortes de trabalhadores, de peões de fazenda etc.

Lembro a V. Exªs que o art. 185 da Constituição Federal, de 1988, da qual sou um dos subscritores, determina que:

“Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;

II - a propriedade produtiva.

Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.”

         A Constituição, com louvável preocupação de evitar omissões ou desentendimentos, vai além - e define, no art. 186, o que é função social da terra: “a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

                        I - aproveitamento racional e adequado;

            II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

            III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

            IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”

Julgo importante lembrar que, durante o período em que funcionou a Assembléia Nacional Constituinte, o Capítulo III, que trata da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, suscitou os maiores e mais acalorados debates em todas as bancadas ali instaladas. Para conceituar-se o que é “propriedade produtiva”, foram consumidos muitos dias, em torno de propostas e discussões que envolviam posições quase inconciliáveis. Não fora a habilidade do Relator, nosso colega Senador - então Deputado Bernardo Cabral - e se não tivéssemos a respeitabilidade do Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, o Deputado Ulysses Guimarães, certamente a conclusão desse capítulo teria sido mais difícil ainda.

           A nossa Constituição, como vimos, consagrou o princípio de que não são passíveis de desapropriação, para fim de reforma agrária, a pequena propriedade rural, desde que ocupada pelo seu proprietário, e as propriedades produtivas - e o conceito de propriedade produtiva está explicitado logo a seguir, dentro, ainda, de determinados requisitos, como a preservação da ecologia, a garantia aos trabalhadores rurais de seus direitos trabalhistas, etc, sempre a partir da constatação de que a terra cumpra realmente um papel social.

           É preciso, portanto, antes de mais nada, atentar-se para esse aspecto: saber se a propriedade considerada produtiva está cumprindo seu papel social, a fim de evitar-se esse tipo de invasão. O que observamos é que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra normalmente procura invadir as propriedades já formadas, que já têm uma infra-estrutura produtiva - o que tem uma lógica perversa e avessa às definições constitucionais: é muito mais fácil tirar vantagens de uma propriedade dessas do que, por exemplo, de uma área na Amazônia, onde o trabalhador vai ter que derrubar a mata, abrir estrada, construir casa para morar. É essa facilidade que leva o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra a invadir glebas produtivas, em que não necessitará praticamente de nenhum investimento, pois a propriedade já está em franca produção.

           O Governo está na obrigação de determinar ao INCRA que faça um levantamento minucioso sobre os reais contingentes de trabalhadores empenhados em ser assentados no Programa de Reforma Agrária; saber quantos são, qual é a sua origem, se eles têm experiência na área agrícola - para que o Governo, de posse desses dados e dentro de sua disponibilidade financeira, possa efetivamente assentar os trabalhadores, por intermédio desse Instituto.

Ao que parece, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os trabalhadores que integram o Movimento dos Sem Terra não querem ser assentados em regiões como a Amazônia, onde existe um estoque de terras muito grande para ser distribuído. Eles querem, sim, ser assentados em Estados em que haja infra-estrutura de transporte, de escoamento de produção, onde as propriedades já estejam produzindo, como disse anteriormente.

Tenho sempre a preocupação de trazer números e informações concretas sobre o Acre, em todos os problemas que abordo nesta tribuna. Acredito que, assim, estou chamando os nobres Senadores a uma atitude semelhante, formando, no plenário, um quadro nacional do tema enfocado.

No Acre, segundo informações do Superintendente do INCRA, existe um milhão de hectares de terra disponíveis para o programa de reforma agrária. Temos cinqüenta e seis projetos de assentamento feitos pelo INCRA. Nas terras desapropriadas, que vão além de um milhão de hectares, dariam para assentar, talvez, cem ou duzentos mil desses trabalhadores que estão invadindo terras no Paraná, em São Paulo e no Mato Grosso.

Gostaria que o Governo destinasse recursos para que essas terras, que o INCRA diz possuir no Estado do Acre, sejam devidamente preparadas. Assim, os trabalhadores poderão ser assentados com uma infra-estrutura de transporte, de moradia, de escola para os seus filhos, de postos de saúde, etc, para que possam não apenas trabalhar e produzir, mas também escoar e comercializar sua produção.

Penso que esse problema da reforma agrária tem um conteúdo político superior ao conteúdo econômico. Os líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra têm reafirmado seu propósito de não só ocupar terras como também de cumprir um papel político no contexto brasileiro.

Sabemos que muitos dos líderes desse movimento defendem a implantação de um regime socialista em nosso País. Sem obedecer aos ritos democráticos, passando por cima do princípio das eleições gerais, querem implantar, à força, através de um movimento revolucionário, um regime socialista como foi implantado na China, em Cuba, na Nicarágua e em outros países.

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) - Senador Nabor Júnior, V. Exª me concede um aparte?

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC) - Concedo o aparte ao nobre Senador Gilberto Mestrinho.

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) - Nobre Senador Nabor Júnior, a política de assentamento que o INCRA vem realizando na região amazônica não tem trazido os resultados esperados. Ao contrário, as áreas de assentamento do INCRA na região correspondem a 15.429 milhões de hectares. Se puséssemos pelo menos, três pessoas em cada hectare, haveria 45 milhões de pessoas. No entanto, vemos diariamente que, quando se quer atacar a Amazônia, pega-se o desmatamento do INCRA e diz-se que somos nós que estamos desmatando, causando prejuízos à região. Reconheço que tem havido grande esforço para dar ao homem a terra, mas essa política tem de ser reformulada, porque não adianta dar a terra, o lote, se não houver estrada, implemento agrícola, um técnico agrícola ensinando. Nós, da região, não temos tradição de agricultura, e os que vão de fora não têm tradição de Amazônia. É preciso que se promova a simbiose entre os nativos e os de fora para se aclimatarem à região amazônica e, então, colherem-se resultados. Nós não queremos que aconteça agora o que, no passado, aconteceu com os chamados “brabos”, como V. Exª. se lembra, os nordestinos que iam explorar borracha na Amazônia e que morreram aos milhares por não conhecerem as peculiaridades da nossa região e da nossa floresta. Há que se reformular, pois, a política de assentamento na região amazônica, de modo a escolher a melhor terra para um determinado tipo de produto. A Amazônia tem vocação para a silvicultura, e não para certos tipos de agricultura. Há que se ensinar a fazer manejo e a plantar, nas nossas condições, as espécies que ali germinam. Não adianta levar espécies exóticas porque elas não vão funcionar. As experiências feitas não deram certo. Por isso é preciso reformular essa política e fazer com que o homem tenha uma orientação, um ensinamento correto do que fazer nesses assentamentos, senão teremos fracasso, dinheiro jogado fora e multidão de pessoas que voltarão para as cidades, fazendo com que elas inchem e fique a vida impraticável para eles e para os que já vivem lá. Muito obrigado.

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC) - Agradeço o oportuno e judicioso aparte de V. Exª, com cujos conceitos concordo integralmente.

A questão tem muitos lados, como, por exemplo, o critério de gastos por parte do Governo Federal: a União vive a utilizar recursos vultosíssimos, para resolver as tensões sociais causadas pelas invasões, nos Estados de São Paulo, Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Sul, etc., às vezes desapropriando áreas que já estão formadas. Ora, se esse dinheiro ou parte dele fosse investido em determinadas regiões da Amazônia, para dotá-las das condições necessárias para o assentamento de trabalhadores rurais, daríamos uma boa contribuição ao projeto nacional de reforma agrária.

Como diz V. Exª., precisamos ter estradas que ofereçam tráfego permanente para o escoamento da produção, assistência técnica, assistência creditícia; temos de assegurar armazenamento e comercialização da produção desses trabalhadores, sem o que tudo se constituiria em investimento perdido.

Agora mesmo, isso está acontecendo em um projeto do INCRA no meu Estado. Na época do escoamento da produção, como as estradas não oferecem condições de tráfego, praticamente se perdem os produtos que não são colocados no mercado. Muitos desses trabalhadores, inclusive, estão abandonando seus lotes.

Está havendo, assim, uma reconcentração de áreas de terra no Acre, pois os trabalhadores se vão desfazendo de seus lotes, que são adquiridos por médios e grandes proprietários. Daqui a pouco, o Governo terá de desapropriar aquelas áreas, as mesmas que já haviam sido desapropriadas para fins de reforma agrária.

Tal fato está acontecendo no Acre, principalmente no Projeto Pedro Peixoto, nas proximidades de Rio Branco.

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) - Eminente Senador Nabor Júnior, permite-me V. Exª. outro aparte?

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC) - É sempre um privilégio ouvir V. Ex.ª.

O SR. PRESIDENTE (Luiz Otávio) - Se me permitem V. Exªs., consulto o Plenário sobre a prorrogação da sessão por 5 minutos, para que o aparteante se manifeste e o orador conclua o seu pronunciamento. (Pausa.)

Não havendo objeção do Plenário, está prorrogada a sessão por 5 minutos.

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - Muito obrigado, nobre Presidente. Senador Nabor Júnior, houve uma fase em nossa História que a preocupação efetivamente era a de desapropriar; não era a de fazer assentamentos, equalizando-se a distribuição de terras, mas, tão-somente, desapropriar. Até hoje os processos estão tramitando, porque nunca foi tratada efetivamente com seriedade a reforma agrária, embora reconheça que esteja havendo um esforço muito grande, visando a implantação de assentamentos mais racionais, produtivos, em bases reais. V. Exª. tem razão: é preciso também desmistificar a questão do tamanho da propriedade, de vez que, na Amazônia, as propriedades são realmente grandes, sendo necessário todo um projeto que leve em conta as peculiaridades da região, a questão ambiental, as culturas apropriadas e a questão do crédito e, fundamentalmente, o escoamento da produção. V. Exª. está de parabéns.

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB - AC) - Muito obrigado, Excelência.

Concluindo, Sr. Presidente, faço um apelo ao Senhor Presidente da República e ao Ministro Extraordinário de Política Fundiária para que analisem com maior empenho a situação de tensão social em que se encontra nosso País, em decorrência dessas invasões, promovidas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra.

É imperioso que se ponha um paradeiro na situação; se não houver uma revisão das práticas desse movimento e de seus notórios interesses - não apenas econômicos, mas políticos também - poderemos viver, dentro de pouco tempo, uma conflagração de tremendas proporções, no Brasil.

Tudo isso configura a necessidade de que se adotem medidas efetivas, capazes de resolver, de uma vez por todas, a questão da reforma agrária. O Governo apresenta números e procura mostrar que vem trabalhando com empenho e denodo para assentar o maior número de trabalhadores. Garante que, nos quatro anos do primeiro e no início do segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, já foram assentados cerca 280 mil trabalhadores rurais. O que não afasta, todavia, a necessidade de ser assentado um contingente, talvez, até superior a esse.

Os números mostram que, apesar das dificuldades de natureza econômico-financeira, o Governo vem cumprindo o seu papel. No entanto, precisa adotar providências que contenham os excessos que estão sendo cometidos, principalmente nos Estados do Centro-Sul do País, sob pena de vermos gerado um quadro de verdadeira revolução, que manchará de sangue o generoso solo do nosso querido Brasil.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/1999 - Página 15907