Discurso durante a 111ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

ANALISE DO PLANO PLURIANUAL ANUNCIADO, ONTEM, PELO GOVERNO FEDERAL. DESCRENÇA COM RELAÇÃO AS METAS A SEREM ATINGIDAS NO PROGRAMA 'AVANÇA BRASIL', CONSIDERANDO A FALTA DE GARANTIA PARA A REALIZAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • ANALISE DO PLANO PLURIANUAL ANUNCIADO, ONTEM, PELO GOVERNO FEDERAL. DESCRENÇA COM RELAÇÃO AS METAS A SEREM ATINGIDAS NO PROGRAMA 'AVANÇA BRASIL', CONSIDERANDO A FALTA DE GARANTIA PARA A REALIZAÇÃO DE PROJETOS SOCIAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 02/09/1999 - Página 23051
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • NECESSIDADE, GARANTIA, EXECUÇÃO, PROGRAMA, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, PLANO PLURIANUAL (PPA), APREENSÃO, DESCUMPRIMENTO, MOTIVO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, EXIGENCIA, MERCADO INTERNACIONAL.
  • CRITICA, FALTA, AVALIAÇÃO, PLANO, GOVERNO, EXERCICIO FINANCEIRO ANTERIOR.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Como Líder. Sem revisão da oradora) - Sr. Presidente, Sr as e Srs. Senadores, como membro da Comissão de Combate à Pobreza, tenho o tempo todo me deparado com o conceito de segurança alimentar.  

Os inúmeros debates que têm-se realizado sobre esta questão são altamente ricos, com uma contribuição muito grande, existindo inclusive um Fórum Nacional de Segurança Alimentar. Hoje, na Comissão, a Drª Lena Lavinas – com a qual aprendi muito – fez uma brilhante exposição sobre o tema. Estou lidando com o conteúdo deste tema e vejo, à luz de uma grande crise social, que as pessoas estão vivendo momentos de dificuldades pela falta de emprego, de moradia, de perspectivas de sobrevivência, e alguns até vivendo abaixo dos limites necessários de proteínas, como muito bem foi demonstrado pela pesquisa feita pela Drª Lena Lavinas, do IPEA.  

Pensando no conceito de segurança alimentar, à luz da realidade a que me referi, é que imaginei que talvez fosse interessante - feitas as devidas adaptações -, criarmos também o conceito de segurança política. Tal conceito serviria exatamente para que as pessoas tivessem as mínimas condições ou garantias de que aqueles programas, aquelas iniciativas propostas pelos governantes, pelos dirigentes seriam levadas à cabo, e que os representantes de instituições, a sociedade, as pessoas em geral sentissem que aquilo que está sendo proposto pelos seus dirigentes seria realizado, no mínimo, no seu essencial.  

Estou me referindo a isso, Sr. Presidente, em função do famoso PPA, apresentado ontem pelo Governo e, aliás, rebatizado de "Avança, Brasil", porque no ano passado recebeu o nome de "Brasil em Ação".  

De acordo com essa observação que acabo de fazer do conceito de segurança política, pensei o seguinte:  

Quais são as garantias políticas, qual é a segurança política de implementação das intenções reveladas pelo Governo? A economia não dá garantia alguma, até porque tem demonstrado o contrário: enorme truculência para quebrar regras, acordos, expectativas sociais, para gerar sofrimento social, sempre sob a justificativa de funcionamento de um dado modelo. Só a política pode impor limites à economia e fazer valer a sociedade, a integridade humana, coletiva e individual da sociedade.  

Não estou aqui, Sr. Presidente, esquecendo o fato, como muitas vezes querem dizer aqueles que se contrapõem à Oposição, de que poderemos criar uma realidade fantasiosa, acima da realidade objetiva. Não é isso. Como professora secundária de História, em meu curso de formação, sempre ouvi - na época em que era moda os professores serem marxistas - repetirem a frase do velho Marx de que "os homens fazem a História, mas a fazem em condições historicamente determinadas".  

Sei que a história é feita em condições determinadas. Mas, se os homens se restringirem aos limites da história, se a história for compreendida pelos governantes como uma fatalidade, se trabalharmos com o conceito de deificação da história, não necessitaremos de presidente ou não precisaremos sair da lógica dos impérios teocráticos, da época em que os governantes eram confundidos com a figura de Deus. Quem é sociólogo, antropólogo e historiador sabe muito bem que os primeiros governos foram teocráticos, em que o faraó era divino e que o que acontecia na história era fruto da ação dos deuses, portanto, não tínhamos como romper esses limites.  

Os neoliberais dizem: "O que vocês da Oposição acham que se pode fazer? O mercado é assim mesmo. O Brasil não tem condições de competir com o mercado". As pessoas justificam algo ruim que fazem, mesmo quando não querem, porque o mercado é devastador, avassalador na sua ânsia de gerar dinheiro, gerar avanços para o seu crescimento.  

Sr. Presidente, tenho a clareza de que trabalhamos com uma realidade, mas precisamos mudá-la porque, muito embora façamos a história, não podemos achar que ela é fruto da nossa imaginação, que podemos lhe arbitrar qualquer sentido.  

O investimento social previsto nada significa sem garantias efetivas de que não será destroçado na primeira esquina sob o tacão das razões econômicas. Razões essas nem sempre internas. E quantas vezes, Sr. Presidente, observamos que as razões econômicas que nos são apresentadas como motivo para corte na área social e nos investimentos produtivos, os quais podem gerar riquezas, empregos e alternativas para a sobrevivência das pessoas, não são necessariamente as do nosso País, pensadas internamente. São, muitas vezes, exigências externas. Ao passar dos anos, aqueles mesmos que fizeram as bulas, as receitas, que teceram os rosários para que rezássemos o seu terço, o seu rosário na economia vêm dizer que um dos grandes problemas dos planos é a falta de investimento na área social, é não pensarmos em saídas do ponto de vista social, principalmente no que se refere a investimento em nível de educação.  

Graças a Deus já fazem essa crítica! Todavia, devo registrar que nem sempre esses cortes são feitos do ponto de vista das nossas razões internas. Se não houver essa garantia, ou seja, essa segurança política, projetos em que as razões econômicas são hegemônicas podem gerar um cenário semelhante ao da bomba inventada tempos atrás, cuja novidade era sua capacidade de matar todas as pessoas numa determinada área, sem destruir as construções, os investimentos econômicos, o patrimônio, enfim.  

Digo isso, Sr. Presidente, porque, se continuarmos com essa lógica de "o mercado financeiro vai bem, obrigado; existem 60 milhões de incluídos que vão bem, obrigado", então tudo pode acabar pelo entorno, que as estruturas permanecem, o mercado continua, as possibilidades para alguns estão ótimas, graças a Deus. No entanto, realizou-se uma verdadeira destruição das pessoas, da cultura, das esperanças, das expectativas, sem que tivéssemos destruído o patrimônio daqueles que pensam que o mercado é tudo e que responde a tudo.  

Mesmo que o Governo entenda que ele, sim, sabe o rumo das coisas, é preciso advertir que este lema Avança Brasil tem armadilhas semânticas, sugeridas pela realidade. Por exemplo, sugere-me a visão de governantes, de dirigentes, todos engravatados, empurrando o Brasil ladeira acima, sem tomar o devido cuidado com o fato de que lá em cima pode haver um despenhadeiro, proporcionando uma situação de um verdadeiro "Deus nos acuda", com o País despencando ladeira abaixo, e todo mundo correndo atrás, como aconteceu no início deste ano, quando, com a crise fiscal, precisou-se mudar o câmbio, fazer as mudanças, que já eram necessárias desde o período anterior, desde o primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, e não foram feitas.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Presidente da República disse, em seu discurso, acertadamente, que a Nação é mais do que o Estado, é maior do que as atividades que o Estado pode desempenhar. Nação, disse ele, "é um sentimento que se concretiza no dia-a-dia, no cotidiano das pessoas, é uma visão que essas pessoas têm dentro de si, dos seus corações e das suas mentes, de imaginar um futuro para este País". Com essas palavras do sociólogo e Presidente Fernando Henrique Cardoso, eu concordo inteiramente. Elas são absolutamente corretas; estão em acordo com o conceito que tenho do que seja uma Nação.  

Isso faz lembrar o cidadão paranaense, pobre, que recolheu em sua casa uma outra família pobre. Esse cidadão, quando ia passando na rua, viu uma família pobre embaixo de uma árvore — isso saiu nos jornais televisivos — e levou essa família para a sua casa. O sentimento que aquele cidadão teve foi o de que "já que ninguém faz nada, eu resolvi fazer alguma coisa, levei aquela família, eu não poderia deixar aquela família embaixo da árvore". Esse cidadão é um exemplo do conceito de Nação. Mesmo com o sentimento de que "ninguém faz nada", esse cidadão resolveu fazer alguma coisa por um sentimento de solidariedade. Esse ninguém ao qual ele se refere tem um nome, é um sujeito muito determinado. Talvez ele pudesse ter dito: já que o Governo não faz nada, que o Prefeito não faz nada, já que as instituições que têm a responsabilidade de fazer não fazem nada, já que o Congresso – Senadores e Deputados – não faz nada, eu, como cidadão, faço.  

Esse cidadão é um exemplo de sentimento de Nação, que estaria de acordo com o conceito proferido pelo Presidente e sociólogo Fernando Henrique Cardoso.  

Esse é o patrimônio humano com que conta o País e que expressa bem a idéia de Nação, de fraternidade. E há milhares de pessoas pelo País fazendo o mesmo. O que é óbvio é que o "ninguém" a que esse cidadão paranaense se referiu são as estruturas da sociedade.  

A Nação, com certeza, é bem maior do que os limites burocráticos, do que os limites frios do Estado, que, muitas vezes, está mais preocupado em dar respostas ao mercado do que à vida das pessoas. Esse sentimento de Nação faz com que tenhamos um conteúdo cultural, social, político, espiritual, que nos faz bem maiores do que os limites frios aos quais me referi anteriormente.  

O Presidente disse mais: "Um projeto nacional não pode ser concebido como se o Estado fosse o Leviatã, fosse a alavanca para desenvolver setores que não podem ser desenvolvidos ou para dar recursos àqueles que não têm competência para bem usá-los". Falou ainda em parceria, em complementaridade de ações com os governos estaduais e municipais, com as milhares de ações da sociedade. Ele considera que o novo orçamento mostra uma revolução na estrutura do Estado brasileiro e o do Governo brasileiro.  

Então, cabe perguntar: vamos, de fato, fazer um revolução de verdade, a começar pelas garantias políticas aqui referidas, a exemplo da segurança alimentar, da segurança política? A resposta deve, necessariamente, passar pelo reconhecimento de que houve um afastamento do Estado de um eixo social, e, por esta razão, a sociedade assumiu funções de políticas públicas, de forma que, hoje, as milhares de ações por ela desenvolvidas, certamente, são o que assegura o equilíbrio social do País e, no seu conjunto, possivelmente, têm uma relevância e uma eficiência maiores que tem a ação do Estado.

 

Mas não se deve, com isso, subdimensionar a importância do Estado e o fato de que ele é o único que pode dar escala e continuidade às experiências bem sucedidas. E o Brasil está repleto delas: ações de combate à miséria, de geração de renda, de solidariedade - como é o caso do cidadão a que me referi anteriormente. Essa é a parceria que a sociedade quer, ou seja, o Governo deve assumir que quem faz bem deve participar da elaboração e deve ter voz ativa no uso dos recursos e nas formas pelas quais serão aplicados.  

Sr. Presidente, as observações que faço em relação ao que foi apresentado ontem pelo Presidente da República, qual seja, o Plano Plurianual – PPA, batizado de Avança Brasil, são no sentido de contribuir politicamente com algo que considero essencial.  

O Brasil em Ação representou um momento em que o Governo tentou apresentar para a sociedade brasileira um plano, que já estava no conteúdo da peça orçamentária, já fazia parte das ações do Governo e talvez tenha sido repaginado e batizado como Brasil em Ação. O que faltou ao Brasil em Ação talvez esteja faltando no Avança Brasil, ou seja, a alma, o espírito, o conteúdo, a garantia política, a certeza de que o que foi dito em alto e bom som, com uma grande ênfase por parte do Governo, será aplicado, será realizado.  

Sr. Presidente, porventura já se fez um balanço do que foi o Brasil em Ação? No Estado de V. Exª, o Pará, quais foram as mudanças que, de fato, tivemos no cotidiano das pessoas com o Brasil em Ação? Na região Norte e nas demais regiões do nosso País, certamente algumas coisas foram realizadas, mas não podemos nos conformar em falar muito e realizar muito pouco, considerando normal, a cada momento, fazermos um grande barulho, e desse barulho surgir apenas um pequeno resultado.  

Talvez devêssemos aprender, com esse momento em que a sociedade, de voz rouca, foi às ruas para dar um recado ao Congresso, ao Executivo, a todas as estruturas dirigentes deste País, aprender, com um pouco mais de humildade, a fazer menos barulho, a ter menos atitudes políticas de respostas momentâneas e termos mais ação política de respostas que possam ser duradouras, que possam ser sentidas na vida das pessoas, senão poderemos ficar realmente muito mal-acostumados. A cada situação difícil, apresentaremos alguma saída e nos conformaremos em apenas vermos aplacada a crítica, o protesto, e em apenas termos dado uma resposta para um fato criado, sem que essa resposta, necessariamente, tenha se traduzido em um significado e um conteúdo de mudança real na vida das pessoas e da sociedade nos seus mais diferentes aspectos.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/09/1999 - Página 23051