Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE REVISÃO DO RECEITUARIO DO FMI E DO BANCO MUNDIAL PARA OS PAISES EM DESENVOLVIMENTO, QUE ENFRENTAM CRISES DECORRENTES DA GLOBALIZAÇÃO. APELO PARA REORIENTAÇÃO DAS POLITICAS PUBLICAS NO BRASIL.

Autor
Freitas Neto (PFL - Partido da Frente Liberal/PI)
Nome completo: Antonio de Almendra Freitas Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. POLITICA SOCIAL.:
  • NECESSIDADE DE REVISÃO DO RECEITUARIO DO FMI E DO BANCO MUNDIAL PARA OS PAISES EM DESENVOLVIMENTO, QUE ENFRENTAM CRISES DECORRENTES DA GLOBALIZAÇÃO. APELO PARA REORIENTAÇÃO DAS POLITICAS PUBLICAS NO BRASIL.
Aparteantes
Gerson Camata.
Publicação
Publicação no DSF de 30/09/1999 - Página 25719
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, NECESSIDADE, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), BANCO MUNDIAL, REVISÃO, RECEITUARIO, REFERENCIA, CONCESSÃO, EMPRESTIMO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, MOTIVO, CRISE, ECONOMIA, AUMENTO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA.
  • DEFESA, ADOÇÃO, POLITICA SOCIAL, INVESTIMENTO, REGIÃO, BAIXA RENDA, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.

O SR. FREITAS NETO (PFL - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, até o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial começam a render-se diante de uma evidência: torna-se necessário rever o receituário que têm prescrito para os países em desenvolvimento que enfrentam crises decorrentes da globalização. O remédio, se não matar o paciente, arrisca ao menos a enfraquecê-lo a ponto de lhe retirar as chances de recuperação em um horizonte razoável.  

O polêmico economista Paul Krugman, do Massachusetts Institute of Technology, já havia registrado um paradoxo. Desde a Grande Depressão dos anos 30 e os ensinamentos de John Maynard Keynes, quando os países desenvolvidos enfrentam crises, como a que atualmente atinge as nações emergentes, aplica-se a eles a estratégia de aumentar as despesas públicas e reduzir juros. No entanto, quando as vítimas são os países em desenvolvimento, o FMI, o Banco Mundial e outros organismos multilaterais exigem que se adote precisamente a fórmula oposta, forçando-se a obtenção de superávits primários e a elevação dos juros.  

Isso acontece, mostra Krugman, em função de um diagnóstico que se prende à globalização. Diferentemente do que se passa com os países desenvolvidos, a dependência de capitais externos forçaria a imposição de remédios diversos, como condição para que se recupere a confiança indispensável ao restabelecimento de um fluxo de recursos capaz de sustentar a economia.  

Algo, porém, vem dando errado. A importante revista Business Week espantava-se, em matéria de capa editada há pouco mais de um mês, com a "recuperação sem reformas" ocorrida em vários países asiáticos. Os indicadores econômicos mostrariam que a melhoria da situação econômica de países que sofreram com a crise pouco ou nada tem a ver com as fórmulas impostas pelo FMI e pelo Banco Mundial, antes muito pelo contrário. Países que resistiram às reformas econômicas por eles impostas vêm obtendo bons resultados, enquanto com outros, mais dóceis, ocorre o contrário.  

Hoje, mostra a imprensa, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial começam a rever sua posição. Na Assembléia Geral do FMI, ainda em curso, seu Diretor-Gerente Michel Camdessus fez um pronunciamento surpreendente, em que o combate à pobreza constituiu o ponto central. A globalização está deixando de ser apresentada como panacéia universal, passando-se a admitir que as nações não são obrigadas a aplicar reformas institucionais e econômicas destinadas a adequar-se integralmente a ela. Em outras palavras, no que parece um esforço admirável da autocrítica, o FMI e o Banco Mundial dão sinais de que não se deve extrair a fórceps essa adequação dos países membros. Isso seria especialmente válido para os que enfrentam problemas decorrentes da própria globalização.  

Acreditamos que a globalização não seja um mal em si. É tolice, no entanto, achar que ela produz apenas vantagens, nela embarcar sem uma visão crítica e, mais importante ainda, apostar cegamente em modelos que buscam apenas adaptar a seus parâmetros todas as estruturas internas de cada nação, fazendo-o a ferro e fogo.  

Aos poucos, esse sentimento vai se espalhando entre nossos estratos dirigentes. Sintomaticamente, quem está denunciando esses fatos, a nosso ver incontestáveis, são vozes que partem das regiões mais pobres do País, são vozes que partem do Norte e do Nordeste.  

O Governador do Ceará, Tasso Jereissati, deve participar, nos próximos dias, de um encontro promovido pelo Banco Mundial. Segundo entrevista dada pelo Governador ao jornal O Globo , esse encontro visa a "discutir o modelo, a partir da conclusão a que o próprio banco chegou, de que esse receituário tem levado a uma maior concentração de riqueza no mundo e aumentado a pobreza nos países menos desenvolvidos".  

Vai além o Governador Tasso Jereissati, ao admitir que esse modelo é responsável pela impopularidade do Presidente da República, impopularidade infelizmente demonstrada pelas mais recentes pesquisas de opinião, embora ressalve que "nem tudo deu errado". Como tenho também dito desta mesma tribuna, "algumas coisas deram certo e outras precisam ser reavaliadas".  

Quais as que exigem reavaliação? Basicamente, afirma o governador cearense, "a incapacidade que teve o modelo de gerar não só desenvolvimento, mas uma política de desconcentração de renda adequada e de superação da pobreza". Em outras palavras, como diz Tasso Jereissati, "algumas coisas vistas como intocáveis há quatro ou cinco anos já não o são".  

Entre elas está a presença do Estado que, em um país heterogêneo como o Brasil, "ainda tem papel importantíssimo para promoção do desenvolvimento, diminuição dos desequilíbrios de renda com políticas públicas eficazes para melhorar a qualidade de vida da população". As palavras são, uma vez mais, do governador.  

Observadores têm dado ênfase, ao comentar essas e outras posições assumidas de público nos últimos dias pelo Governador do Ceará, ao fato de pertencer ele ao mesmo partido do Presidente da República, assim como enfatizam a proximidade de pensamento que já se registrou entre ambos. As implicações políticas dessas declarações, portanto, vêm prevalecendo nos comentários feitos a respeito na própria imprensa.  

Prefiro sublinhar outra constatação. A percepção das distorções ocasionadas por esse modelo mostra-se mais aguda entre os que representam as populações mais atingidas por elas. É o caso do povo das regiões Norte e Nordeste. Um modelo econômico em que se retira o Estado da economia, deixando-a inteiramente à mercê da iniciativa privada, dependerá da lógica dos investidores privados. E essa lógica, compreensivelmente, pouco ou nada tem a ver com a redução dos desequilíbrios regionais.  

Seria surpreendente que um investidor externo ou mesmo nacional, preocupado sobretudo com a rentabilidade de seu capital, preferisse aplicá-lo em regiões ainda carentes de infra-estrutura e mais afastadas de grandes mercados consumidores. A história brasileira mostra que só se conseguiu orientar investimentos para áreas mais pobres quando se desenvolveram políticas públicas nesse sentido. Podemos admitir que nem sempre se adotaram as políticas mais acertadas, assim como reconhecemos que havia alternativas mais racionais. O problema, porém, estava nos caminhos seguidos, nunca na decisão de adotar políticas com o objetivo da redução das desigualdades.  

Não se consegue o pleno desenvolvimento sem que este se distribua pelo território nacional com um padrão mínimo de eqüidade. É o que comprova a existência de bolsões de miséria, formados principalmente por migrantes, em torno das grandes regiões metropolitanas brasileiras, inclusive e principalmente as do Sul e Sudeste. Pesquisas divulgadas nesta semana mesmo mostram que um terço dos habitantes da Grande São Paulo nasceu no Nordeste. Deslocaram-se para o Sudeste em busca de melhores condições de vida. É no Sul e no Sudeste que se concentra a riqueza nacional, que se concentra a infra-estrutura, que se concentram os investimentos, que se concentram os empregos de melhor remuneração.  

O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - V. Exª me permite um aparte?  

O SR. FREITAS NETO (PFL - PI) - Com muita honra, ouço V. Exª.  

O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Ilustre Senador Freitas Neto, primeiro me escuso pela rouquidão, proveniente de uma violenta gripe que está grassando pela cidade com a mudança da estação. Quero cumprimentá-lo pela oportunidade do seu pronunciamento. Realmente, V. Exª ressalta aquilo que, de uns 20 dias para cá, começou a mudar na visão dos organismos internacionais mais fortes, como o Fundo Monetário e o Banco Mundial, em relação à economia dos países em desenvolvimento. E com uma visão matemática. V. Exª citou a News Week. Realmente há um mês esses dois organismos constataram que as nossas políticas empobreceram ainda mais os pobres, impuseram um desemprego cruel, baixaram a renda dos pobres e enriqueceram ainda mais os países ricos. Foi bom que essa constatação chegasse aqui, porque o Brasil é o País da moda. No inverno, todos usam preto; no verão, todos usam amarelo. As teorias, os modismos econômicos também ocorrem e são muito rápidos neste País. Eles chegam e todo mundo embarca naquela canoa. Lá na frente, a canoa afunda, o sujeito pega uma bóia amarela e assim vai seguindo o País. Observamos que o tal neoliberalismo, a tal globalização, que foi proclamada como a grande solução para todo mundo, na verdade produziu no Brasil desemprego e perda de qualidade de vida. Dizia-se que iríamos privatizar as nossas empresas para diminuir a dívida externa. A dívida externa explodiu, piorou! Um patrimônio nacional feito há tantos e tantos anos foi todo dilapidado, jogado fora. Vemos agora quantos desempregados existem, provenientes dessas empresas estatais que foram vendidas. Diziam: "Ah! Vai baixar a tarifa". Agora fizeram esse sistema de competição do 21 com o 31. Quem ganhou foram apenas as atrizes que apareceram na propaganda. As empresas receberam autorização para um aumento médio de 9,5% a 10% na tarifa básica. Assim elas podem reduzir 30% na tarifa do 21, do 31 ou do 14, que, só na base, vão receber de 9,5% a 10% de aumento. Portanto, a situação também não melhorou para o usuário, e não vejo qualquer repercussão tão positiva, a não ser as propagandas na televisão de que se vai abaixar o preço. Talvez a única vantagem atualmente seja a promoção que foi lançada para ganhar 21 viagens a Disney. Mas creio que o povo não está atrás disso. Cumprimento V. Exª. Da mesma maneira que exaustivamente foi aqui debatido o slogan "viva a globalização" e "viva o neoliberalismo", nós, que não conseguimos constatar isso anteriormente, vimos que lá fora eles reconheceram que estavam embarcando numa canoa furada; que o Brasil mergulhou nessa canoa e que, agora, ou tiramos a água para ela não afundar ou, correndo, tapamos o buraco antes que ela chegue à corredeira. Parabenizo V. Exª e reafirmo que é hora de debatermos o assunto.

 

O SR. FREITAS NETO (PFL - PI) - Senador Gerson Camata, concordo perfeitamente com o seu honroso aparte e o acrescento ao meu pronunciamento.  

V. Exª deu o exemplo das telecomunicações. Quero também dar um exemplo do meu Estado, um Estado pobre da região Nordeste, o Piauí, de cuja empresa de telecomunicações fui Presidente: a Telepisa. Até ser privatizada recentemente, estava sempre nos jornais, inaugurando telefones DDD e DDI até em pequenas cidades; telefonia celular em várias regiões do Estado, ampliando o sistema telefônico da capital e de outras cidades importantes. Depois que foi privatizada, realmente não vi mais cidade do Piauí, daquelas que não contavam com o sistema DDD/DDI, receber um sistema telefônico. Sempre que a empresa aparece nos jornais é em notícias de aumento no seu número de demissões. Há muito menos funcionários e os serviços não melhoraram.  

O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Permite-me V. Exª mais um aparte?  

O SR. FREITAS NETO (PFL - PI) - Concedo novamente o aparte a V. Exª.  

O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Será de apenas 15 segundos, agora. No Espírito Santo, ocorreu o maior fenômeno: o serviço 102, Informações, daquele Estado é em Minas.  

O SR. FREITAS NETO (PFL - PI) - O do Piauí é em Fortaleza.  

O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Como eles não conhecem as cidades, é difícil conseguir a informação.  

O SR. FREITAS NETO (PFL - PI) - No Piauí, quando se disca o 102, atende-se em Fortaleza.  

O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Fazem interurbano de graça.  

O SR. FREITAS NETO (PFL - PI) - Agradeço, portanto, a V. Exª pelo aparte.  

Prosseguindo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há cerca de uma década o Brasil não conta com políticas públicas voltadas para a redução das desigualdades regionais. Curiosamente, a desaparição dessas políticas seguiu-se à promulgação da Constituição que, em seus arts. 43, 151 e 170, exige o combate sem tréguas a essas desigualdades. A coincidência se explica pelo fato de que foi também no início desta década que o País passou a reduzir ao máximo a presença do Estado na economia, seguindo à risca os cânones dos teóricos da globalização.  

Uma vez mais insisto: a globalização não é um mal em si. Trata-se de uma realidade, com a qual precisamos conviver e com a qual conviveremos. Ao nos adaptarmos a ela, porém, não precisamos necessariamente adotar todos os parâmetros pregados pelos seu teóricos mais radicais e mais apaixonados. Essa precaução deve-se acentuar quando nos vemos diante de uma crise gerada pela própria globalização e quando, para enfrentar essa situação, tentam-nos impor, uma vez mais, doses maciças de medidas inspiradas nas mesmas teses.  

É isso que temos pregado desta tribuna, é isso que diz o Governador Tasso Jereissati, é isso que brada o Nordeste. É a advertência que vem das pesquisas de opinião, é o alerta dado pela população mais pobre e cada vez mais abandonada das áreas mais carentes do País. Precisamos repensar o modelo, como parecem fazer até mesmo o FMI e o Banco Mundial. Devemos reorientar as políticas públicas. A omissão do Estado representa a condenação inapelável de regiões inteiras à pobreza.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/09/1999 - Página 25719