Discurso no Senado Federal

RELATO DA ATUAÇÃO DO CONSELHO INTERMINISTERIAL DO AÇUCAR E DO ALCOOL - CIMA.

Autor
Jonas Pinheiro (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Jonas Pinheiro da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDUSTRIAL.:
  • RELATO DA ATUAÇÃO DO CONSELHO INTERMINISTERIAL DO AÇUCAR E DO ALCOOL - CIMA.
Publicação
Publicação no DSF de 15/10/1999 - Página 27632
Assunto
Outros > POLITICA INDUSTRIAL.
Indexação
  • PARTICIPAÇÃO, ORADOR, ORGÃO CONSULTIVO, CONSELHO INTERMINISTERIAL, AÇUCAR, ALCOOL, RELATORIO, ATUAÇÃO, REDUÇÃO, FUNÇÃO, ESTADO.
  • REGISTRO, ATUAÇÃO, GOVERNO, ATENDIMENTO, CONSELHO, COMBATE, DESEQUILIBRIO, OFERTA, DEMANDA, ALCOOL, AUMENTO, CONSUMO, ALTERAÇÃO, MATRIZ ENERGETICA, ENERGIA RENOVAVEL, APOIO, PRODUÇÃO.
  • REGISTRO, ATUAÇÃO, INICIATIVA PRIVADA, OBJETIVO, RECUPERAÇÃO, ATIVIDADE, ESPECIFICAÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, ALCOOL, COOPERATIVA.
  • NECESSIDADE, DEBATE, DEFINIÇÃO, FUNÇÃO, SETOR PUBLICO, INICIATIVA PRIVADA, RELAÇÃO, PRODUÇÃO, AÇUCAR, ALCOOL.

O SR. JONAS PINHEIRO (PFL - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sr as e Sr s Senadores, o Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool - Cima tem no seu bojo o Comitê Consultivo do qual faz parte o Congresso Nacional por meio de documento formal encaminhado pelo Presidente do Senado, quando indicou o meu nome e o do Senador Geraldo Melo para fazer parte desse Comitê Consultivo. A Câmara dos Deputados fez a indicação dos Deputados Federais Xico Graziano, Roberto Balestra, João Caldas e José Múcio Monteiro.

Sr. Presidente, neste instante, quero dar satisfação à Casa do que já foi feito em relação a esse programa de álcool e de açúcar por intermédio do Cima e desse Comitê Consultivo, explicando os avanços que já conseguimos nessa discussão com o Governo Federal e com a sociedade.

A participação do Governo nas atividades do setor agroindustrial canavieiro, ao longo do tempo - ou seja, desde a criação do Instituto do Açúcar e do Álcool até os dias atuais -, modificou-se substancialmente, principalmente a partir do início dos anos 90. A análise dessa trajetória mostra claramente que a intervenção estatal deixou aos poucos de ser determinante para tornar-se indicativa, como, aliás, exige a Constituição de 1988.

Hoje, o setor privado decide o que e quando deve produzir bem como o que, quanto, quando, para quem e por quanto deve vender. Essas decisões - que antes cabiam ao Estado enquanto Governo (representado pelo extinto Instituto do Açúcar e do Álcool por quase sessenta anos), agora têm de ser tomadas pelos empresários à luz dos sinais de mercado. Já não são divulgados planos de safra; os preços estão livres de controles; as exportações e importações de açúcar e de álcool estão sujeitas, apenas, a barreiras tarifárias, sendo que, no caso das saídas para o mercado externo, a alíquota do imposto é zero; no caso do açúcar, o imposto de importação é de dois por cento, o que representa proteção insignificante. O Governo também tem dado claros sinais de que já não quer interferir nas relações privadas entre plantadores, fornecedores de cana e industriais. À primeira vista, parece que o Governo decidiu abandonar o setor à sua própria sorte.

De outra parte, não se pode esquecer que, quando da recente crise de superoferta de álcool, o mesmo Governo tomou decisões importantes para preservar os interesses do setor, protegendo a produção interna, estimulando o uso do produto e contribuindo para o enxugamento do mercado, com as compras destinadas a formar o estoque estratégico. Nada teria acontecido, no entanto, se não fosse a pressão exercida pelos próprios representantes do setor privado sobre o Governo.

Já em meio à crise, o Governo entendeu que as reivindicações do setor poderiam ser atendidas com a simples manutenção de práticas de controle sobre preços e comercialização da cana e do álcool, mesmo que por tempo determinado. A Medida Provisória nº 1670, de junho de 1998, foi a prova disso.

As fortes reações contrárias à permanência da situação de intervenção direta fizeram prevalecer - por decisões administrativas ou judiciais - a vontade daqueles que preferiam menor grau de interferência nos seus negócios.

Ainda que derrotado em suas intenções, o Governo prosseguiu atuando para facilitar a adequação entre oferta e demanda dos produtos setoriais. Assim é que, por determinações do Cima e por orientação do Comitê Consultivo, encontramos algumas decisões importantes. Por exemplo: o teor de mistura obrigatória de álcool etílico anidro à gasolina foi modificado, passando de 22% para 24% e temos estudos recentes de que poderá passar para 26%; a alíquota do imposto de importação do álcool foi aumentada em 1998, de 20% para 35%; o MTBE, que oxigenava a gasolina no Rio Grande do Sul, foi substituído por álcool anidro que deu uma expansão do consumo de álcool em torno de trezentos milhões de litros/dia; os órgãos do Governo Federal foram alertados para que passassem a ter especial atenção nas aquisições e locações de veículos para a frota oficial, que deve, em futuro próximo, ser toda movida a álcool, isto é, carros de até 1200 cilindradas; a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados, que já era concedida aos táxis, foi direcionada exclusivamente para as vendas de carro a álcool. Está decidido que as ações do Governo devem demonstrar, com clareza, o que se espera da participação do álcool e do bagaço de cana na Matriz Energética Nacional, como importantes fontes de energia de origem renovável. Além disso, o Conselho manifestou-se favorável à preferência ao carro a álcool, no contexto de eventual programa de renovação de frota, de modo a preservar-se a demanda pelo produto hidratado. Determinou a realização de estudos sobre a atual estrutura de preços/tributação dos combustíveis, para identificar as adequações necessárias e possíveis, principalmente à luz da extinção da Parcela de Preço Específico, programada para até agosto de 2000; e autorizou testes de campo para a mistura de 3% de álcool etílico anidro ao óleo diesel de uso metropolitano. O Conselho também determinou que o apoio concedido à produção da cana em regiões de maiores custos passasse a ser pago diretamente aos plantadores, evitando fraudes no comércio de álcool - já está havendo esse pagamento aos plantadores na região da Sudene, e brevemente estará também sendo pago nos Estados do Mato Grosso, do Pará, de Tocantins - muito bem representado, aqui, pelo nosso Presidente; posteriormente estarão sendo incluídos os Estados de Minas Gerais, de Goiás, de Mato Grosso do Sul, do Espírito Santo e também do Rio de Janeiro. Que os valores destinados a garantir a competitividade do álcool hidratado com a gasolina, a preços de mercado, também fosse repassado aos destiladores; que o Governo, através da Petrobrás, comprasse certo volume de álcool, excedente às necessidades do mercado, para compor o estoque estratégico de combustíveis; e que parte dos custos com financiamentos para a armazenagem do produto, em operações realizadas entre unidades produtoras e o Banco do Brasil S/A, fosse coberta com recursos da PPE, que é a Parcela de Preço Específico.

A par dos esforços públicos para a volta da situação de equilíbrio setorial, pela primeira vez em toda a história, foram vistas iniciativas particulares para ajudar na recuperação da atividade, com destaque para a constituição da Brasil-Álcool S/A e a da Bolsa Brasileira de Álcool S/A, voltadas para a melhor organização da distribuição de combustível, garantindo maior agilidade nas vendas e buscando remuneração adequada no próprio mercado. Foi a iniciativa privada que constituiu essas empresas para praticar a comercialização do álcool em sistema cooperativo.

Hoje, os plantadores de cana e os industriais, em movimentos até então inéditos - exatamente porque todas as decisões antes cabiam ao setor público - têm buscado alternativas de tratamento para as questões de seus interesses que: (I) de modo visivelmente progressivo, incluem a participação de governos estaduais e municipais das áreas onde se localiza a atividade canavieira e (II) reduzem o apelo a apoios do Governo Federal. São de notar, por exemplo, as recentes iniciativas do Governo do Estado de São Paulo para estimular o uso do álcool combustível, com a finalidade principal de manter a atividade sucroalcooleira local e preservar o emprego de seus cidadãos.

O relacionamento do Governo com o setor agroindustrial canavieiro, sem dúvida, sofreu modificações profundas e importantes nesses últimos anos. Mas não seria totalmente correto interpretar as mudanças na forma de interferir como sendo ausência ou afastamento deliberado.

O Governo ainda toma medidas importantes, cuja ação e cobrança vêm da iniciativa privada, tais como:

1.     assegurar a fonte dos recursos necessários ao financiamento dos programas de produção e uso do álcool combustível;

2.     definir a participação dos combustíveis de origem renovável na Matriz Energética, privilegiando a dos produtos da cana;

3.     formar e manter estoque estratégico de álcool combustível, para regular a oferta e evitar riscos de desabastecimento;

4.     decidir sobre a imposição de barreiras tarifárias às exportações de açúcar e de álcool, para assegurar o abastecimento do mercado doméstico;

5.     apoiar os responsáveis pelas lavouras de cana-de-açúcar de áreas com menores índices de produtividade;

6.     viabilizar o apoio financeiro aos produtores de álcool de áreas remotas, para emitir o acesso do produto aos centros de consumo em condições competitivas;

7.     sempre que necessário, adotar medidas para manter a competitividade do álcool com os combustíveis de origem fóssil, equalizando eventuais diferenças entre preços de mercado dos produtos;

8.     exigir e fiscalizar o cumprimento da legislação ambiental brasileira, em particular no que respeita os limites estabelecidos para as emissões veiculares, privilegiando o uso do álcool etílico combustível, produto limpo e de origem renovável;

9.     estabelecer especificações técnicas para o combustível e fiscalizá-las, na defesa dos interesses dos consumidores;

10.     facilitar, às empresas do setor, o acesso a linhas de financiamento para a manutenção dos estoques obrigatórios de açúcar e de álcool, que resultam da característica de sazonalidade da produção;

11.     atuar em negociações bilaterais e multilaterais, para garantir o acesso do açúcar e do álcool brasileiros a outros mercados; e

12.     defender a concorrência e prevenir o abuso do poder econômico.

O Governo tem dado sinais de que concorda em contribuir para o êxito dos esforços do setor privado, no sentido do equilíbrio entre a oferta e a demanda dos produtos, visando à manutenção da renda e do emprego setoriais. Mas tem evitado, claramente, exercer controles que hoje lhe parecem excessivos, por interferirem em assuntos que, no seu atual modo de ver - e, principalmente à luz do dispositivo constitucional de início referido -, se inserem na esfera exclusiva dos interesses privados.

É interessante notar que, ainda assim, o Governo só se move em resposta às demandas do setor privado. A operacionalização das medidas que o Conselho Consultivo do Álcool e do Açúcar - Cima - e o Comitê aprovam tem sido excessivamente lenta, em virtude das resistências dos escalões inferiores, pelas mais variadas razões. Uma delas, certamente, é a falta de transparência, por parte de todos, do que se pretende alcançar com o conjunto das medidas aprovadas.

No modelo anterior, quando o planejamento estatal era determinante, o Governo explicitava as suas determinações com clareza e as divulgava em leis, decretos, portarias, etc. Os privados não tomavam decisões, mas sabiam o que lhes cabia fazer. Agora, embora não se possa dizer que o Governo tenha deixado de intervir, esta interferência tem sido errática. Do modo como tem sido feita, pode estar resolvendo problemas pontuais, mas certamente não está servindo como um bom vetor para direcionar a iniciativa privada.

A pauta proposta pela Secretaria-Executiva do Conselho para a próxima reunião do Comitê Consultivo parece ser um bom indicador do modo despegado como o Governo atua, nos assuntos do interesse do setor. É, também, uma clara sinalização da dependência que tem, de que os privados lhe digam o que fazer.

Se é assim - e se isso é bom - também parece que os privados devem estar preparados para verbalizar as suas pretensões, de modo claro, sistemático e coordenado.

Nesse contexto, sugerem-se as seguinte reflexões, principalmente à luz dos temas que estão na pauta:

1.     O que deve e o que não deve ser objeto das preocupações públicas? Que papel se deve esperar do Governo? Passada a crise (mesmo que não superados os seus efeitos), o que é importante manter, o que ainda deve ser buscado e o que se poderia dispensar?

2.     De que medidas de apoio não podem prescindir os empresários (da cana, do açúcar e do álcool) para que possam, enfim, seguir os sinais de mercado - como parece ser o desejo do Governo - em uma atividade que está sujeita aos riscos da agricultura; que é concentrada no tempo, o que também obriga à concentração de gastos, com descompassos entre despesas e receitas; que é exercida por muitos e demandada por poucos; que enfrenta preconceitos, principalmente por conta do desconhecimento sobre os benefícios que traz à sociedade brasileira (e que, muitas vezes por causa dos preconceitos, não recebe o apoio público que poderia ter); que enfrenta a concorrência de um dos mais bem articulados setores da economia (o da produção e distribuição dos derivados de petróleo); que está cerceada por barreiras impostas a seus produtos no mercado internacional; que demanda capital de giro de modo substancial, em particular para o carregamento de estoques; que está afastada do acesso ao crédito etc?

3.     O que poderia se constituir em funding para essas medidas de apoio? Há, por exemplo, um plano B para o caso de a reforma tributária não ser aprovada ainda neste ano? Há alguma ação articulada para que, ao menos, os recursos que já eram despendidos em programas de produção e uso do álcool continuem a ser aplicados em benefício do setor, mesmo que em finalidades diferentes?

4.     Como o governo poderia ou deveria explicitar a sua política para o setor, diante das atribuições que lhe são privativas? É possível que ele, de modo próprio, tenha a iniciativa de dizer o que fará, ou é preciso que seja estimulado a fazê-lo? Não seria mais conveniente e mais adequado se o novo papel do Estado estivesse localizado no contexto de uma política pública concatenada, com objetivos e diretrizes claros? Isso não obrigaria a que os compromissos, de parte a parte, também ficassem mais claros e os resultados mais previsíveis? Não poderia ser essa a forma de sistematizar os movimentos de ambas as partes, em substituição ao planejamento determinante no modelo anterior?

5.     Dado que, na prática, a forma de intervenção estatal nas atividades do setor se alterou de modo significativo, demandando participação privada em maior grau, e que o Governo só atua se e quando demandado, como deve ser o relacionamento do setor privado com o setor público daqui por diante? Devem-se evitar esforços improdutivos e, ao mesmo tempo, as provocações ao Governo precisam ser feitas no tempo certo. Que importância deve ser atribuída ao Comitê Consultivo e à Câmara Técnica, como canais de interlocução entre as partes, formalmente constituídos? Que papéis devem desempenhar? Com que objetivos? Como devem ser organizadas as suas ações?

Talvez seja o caso de tentar-se estabelecer um modelo de gestão compartilhado, com responsabilidades claramente definidas e ações bem identificadas e, sempre que possível, cronogramadas com execução monitorada, para que se imponha um bom ritmo e um bom rumo a todo e qualquer esforço no sentido da preservação da atividade.

A partir das respostas que puderem ser oferecidas às indagações acima formuladas, certamente será mais fácil responder a perguntas como as que o Governo está fazendo ao setor privado por meio da pauta do encontro que fizemos recentemente.

Essa, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Senadores, é a preocupação deste comitê, o qual integramos por obediência a uma portaria desta Casa, em prol do setor produtivo do álcool e do açúcar.

Como palavra final, eu diria que o avanço está indo muito bem. O preço do álcool já reagiu muito bem. O preço do açúcar está reagindo muito bem. Ainda não é aquilo de que o setor precisa e o qual merece, mas já avançou e é algo que temos pautado para as próximas reuniões.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/10/1999 - Página 27632