Discurso durante a 139ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE A CAMPANHA DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL CONTRA A IMPUNIDADE E O CRIME ORGANIZADO.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • COMENTARIOS SOBRE A CAMPANHA DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL CONTRA A IMPUNIDADE E O CRIME ORGANIZADO.
Publicação
Publicação no DSF de 14/10/1999 - Página 27278
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, IMPRENSA, DIVULGAÇÃO, INICIATIVA, REGINALDO DE CASTRO, PRESIDENTE, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), LANÇAMENTO, CAMPANHA, COMBATE, IMPUNIDADE, RESULTADO, AUMENTO, CRIME ORGANIZADO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO ACRE (AC), ESTADO DO PIAUI (PI).
  • ELOGIO, DECISÃO, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA (ABI), LANÇAMENTO, CAMPANHA, COMBATE, IMPUNIDADE, DEFESA, ETICA, POLITICA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, noticia a imprensa que o Dr. Reginaldo de Castro, Presidente da OAB, lançará uma nova campanha contra a impunidade no próximo dia 25.  

O Conselho Federal da OAB tomou essa decisão tendo em vista a preocupação com o que chama de aumento da instituição do crime organizado em vários locais do Brasil, contra o que aconteceu no Acre, o que aconteceu no Piauí, e o que vem acontecendo em várias unidades da Federação. E a CPI, presidida pelo Senador Ramez Tebet, vem a demonstrar que são vários os casos de unidades da Federação com envolvimento de funcionários públicos, pessoas da Brigada Militar ou do Exército, juízes, parlamentares, Poder Executivo, enfim, organizações da qual fazem parte integrantes de corporações para combater o crime, praticando violências que vão muito além de um crime de quadrilha.  

Houve isso quando estourou o absurdo das fraudes nas pensões da Previdência, inclusive a advogada está até agora gozando dos capitais em Costa Rica, se não me engano, e envolveu uma infinidade de pessoas, desde o juiz, o advogado, os funcionários, enfim, toda a organização do Estado, composta de diversas entidades que executam e fiscalizam, viu-se envolvida no crime organizado para roubar e esconder.  

Essa decisão da OAB é, portanto, muito importante, como também foi importante a sua atuação no momento em que a CPI buscou o impeachment do ex-Presidente Fernando Collor de Mello. Também não posso esquecer a atuação da ABI e da CNBB. Lembro-me que quando houve a decisão de entrar com o pedido de impeachment, baseado em um trabalho feito pela CPI, na hora de escolher quem assinaria o referido pedido, as propostas eram as mais variadas, mas, modéstia à parte, a minha é que foi aceita.  

Defendi que deviam assinar uma pessoa e uma instituição. A primeira assinatura foi a de Barbosa Lima Sobrinho, assinando mais como cidadão do que como Presidente da ABI; a segunda assinatura foi a da OAB, representada pelo seu Presidente, pelo reconhecimento ao tremendo trabalho que a OAB desempenhou, coordenando a Campanha pela Ética na Política juntamente com a CNBB e a ABI.  

Vivemos um momento de coroação e de seriedade na política deste País naqueles dois anos, onde este Congresso talvez tenha vivido a fase mais bonita da sua história, primeiro porque uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que culminou com o impeachment do Presidente, termina serena, tranqüila e democrática. E tenho obrigação de dizer isso: a CPI saiu porque o Sr. Collor, embora tenha cometido mil erros, não interferiu, não boicotou, não impediu o trabalho da CPI. Não sei se por vaidade ou porque nunca tenha passado pela cabeça dele, já que não estávamos buscando o impeachment do Presidente, mas averiguando as acusações do Sr. Pedro Collor, irmão do Presidente, contra o Sr. PC Farias, que eram muito fortes e graves. O título da CPI não foi o impeachment do Presidente, e sim as acusações do Sr. Pedro Collor contra o Sr. PC Farias, que envolvia o Estado, que envolvia agentes do Estado na corrupção. Terminou aparecendo a figura do Presidente envolvido. Mas a verdade tenho que dizer: o Sr. Collor não exerceu nenhuma interferência na CPI, nenhuma pressão nos parlamentares, que, no início, na sua imensa maioria, eram contra, e terminaram, à exceção, se não me engano, de um voto, aprovando o impeachment

Depois fizemos a CPI dos Anões do Orçamento, quando ficou provado que houve corrupção no Orçamento. Cortamos na carne, como se diz, e vários parlamentares foram afastados. Parecia que ali, pela primeira vez na história deste País, estávamos começando a ter vergonha na cara, estávamos fazendo aquilo que levaria o País a uma campanha de seriedade e de dignidade.  

O Movimento pela Ética na Política se reunia com o Governo Federal - Betinho na Presidência e D. Mauro como Secretário-Executivo - e fazia uma campanha contra a fome. O Presidente da República criava uma comissão para investigar qualquer denúncia de corrupção envolvendo o Governo. Entregava o comando dessa comissão aos chamados notáveis da sociedade. O Sr. Emerson Kapaz, que agora saiu do PSDB e foi para o Partido Comunista para ser Prefeito de São Paulo, era uma dessas pessoas.  

Pensei que vivíamos uma nova era. No entanto, Sr. Presidente, vejo agora, com profunda mágoa e profundo pesar, isso deixando de acontecer. A primeira paulada que recebi foi quando o Governo Federal impediu que se criasse a CPI dos corruptores. Ali não tinha o que se fazer. Era pegar o que já estava feito nas duas CPIs anteriores, porque a CPI da Corrupção do Orçamento possuía todos os dados sobre os corruptores e a CPI das denúncias do Pedro Collor contra o PC Farias também já incluía informações contra os corruptores.  

Na primeira CPI, quando as denúncias de Pedro Collor de Mello envolveram a figura do Presidente Fernando Collor de Mello, as demais questões ficaram paralisadas. Um fato compreensível. A CPI só se envolveu com a acusação contra o Presidente e o seu conseqüente impeachment. O resto das provas ficou guardado.  

Quando se criou a CPI dos Anões do Orçamento, foram somadas aos dados daquela Comissão as informações que haviam sobrado da CPI do Impeachment. Os trabalhos da CPI foram se desenvolvendo e as provas foram aparecendo, até o momento em que se descobriu uma empresa em Brasília, onde havia uma montanha de papéis envolvendo fatos muito sérios. Um Parlamentar da CPI, lamentavelmente, deu todo o material para a imprensa. E tudo foi publicado nos jornais: o que era sério e o que não era, inclusive uma lista com os nomes de Parlamentares e de pessoas pertencentes a entidades da maior seriedade que ganhavam presentes de Natal daquela empresa. Isso causou uma revolta tão grande na Câmara e no Senado que houve a determinação de acabar com a CPI imediatamente. Faltavam 20 dias, e não deram um dia a mais de prazo.  

Então, tivemos que tomar uma decisão, e fui o responsável por ela. Ou investigávamos os Parlamentares, ou investigávamos as empresas corruptoras. O meu argumento ingênuo: "vamos investigar os Parlamentares, porque investigando-os e julgando-os teremos autoridade para investigar, depois, os corruptores. E vamos colocar como item número um das conclusões da CPI a criação imediata da CPI dos Corruptores."  

Em 20 dias concluímos os trabalhos: cassamos 10 Parlamentares. Mas o Dr. Fernando Henrique não deixou que a minha comissão dos corruptores fosse instalada. Até vou fazer justiça. Não foi um argumento de má-fé, não foi medo; foi um argumento pragmático dessa assessoria que o cerca. Disseram: "Perdemos um ano", para eles foi perdido, "na CPI do Impeachment ; perdemos um ano na CPI dos Anões do Orçamento. Estamos começando um novo governo e vamos começar com CPI de novo?" Assim, arquivaram o pedido.  

Estamos começando por onde terminamos. A OAB, a CNBB, a ABI, as entidades estão lançando o Movimento Contra a Impunidade e Pela Ética na Política. Desta vez, os argumentos são muito mais sérios e não ouvíamos falar sobre eles naquela oportunidade: o crime organizado, as quadrilhas - não como as da máfia italiana, mas onde integrantes da organização governamental, sejam civis, militares, do Judiciário ou do Legislativo, fazem parte -, integradas por pessoas que têm a responsabilidade de agir e de fiscalizar.  

Que pena que isso tenha que ser feito! Que bom que isso vai ser feito! Que pena que tenha que ser feito, porque essa já poderia ser uma página virada na história do Brasil.  

Outro dia, li uma publicação em uma revista que me causou mágoa e revolta, pois afirmava que faz parte da característica do brasileiro ser corrupto, que é endêmico. O povo brasileiro, a sociedade brasileira, todos nós somos corruptos. Não acredito nisso e não aceito esse tipo de coisa.  

Não aceito que se diga isso, porque não vejo no povo brasileiro sintoma de corrupção a mais do que no americano, no australiano, no indiano ou no europeu. É verdade que somos um País onde as elites dominaram o tempo todo, e elas nunca foram muito sérias, desde que Pedro Álvares Cabral aqui chegou, pois Pero Vaz de Caminha já pedia ao Rei, na sua carta, que mandasse de volta seu sobrinho. Isso é verdade. No entanto, parece-me que o povo brasileiro tem boa índole, mas, nós, a elite governante, não tivemos autoridade para cumprir com a nossa missão e desempenhar o nosso papel.  

Por isso, vejo com respeito a decisão da OAB e de seu Presidente no sentido de reunir novamente as entidades que fizeram, ontem, o Movimento pela Ética na Política e, hoje, o Movimento Contra a Impunidade. Não é possível que continuem a ocorrer casos como o do Deputado do Acre. E está provado que o primeiro e o segundo suplentes também fazem parte da mesma equipe. O Governador chegou a fazer um apelo, atendido pela Polícia Federal, com competência, diga-se de passagem, para que os envolvidos fossem transferidos para Brasília. Isso é muito sério. No Acre, no Piauí, em Alagoas e no Rio de Janeiro vemos esse tipo de ação.  

É uma situação na qual ou agimos como devemos ou não sei o que vai acontecer, pois o acusado acusa o acusador e, com tantas trocas de acusações na imprensa, não se sabe onde é que está a verdade e onde é que está a mentira. É muito difícil, quase impossível, discernir o corrupto, o ladrão, o assassino real e evidente do denunciante - aquele que está acusando de coração e de alma aberta -, ou do omisso - é muito grave, mas é muito diferente de ter participado -, ou do que ganhou comissão - não participou, mas recebeu para deixar as coisas acontecerem.  

No Acre, a Procuradoria da República e a Polícia Federal agiram bem ao colocar todos os implicados num avião para Brasília, pois o envolvimento era de tal ordem que não se podia definir quem iria prender e inquirir os suspeitos.  

É muito séria a decisão da OAB de criar esse movimento. E é muito séria a nossa responsabilidade, bem como a do Presidente Fernando Henrique Cardoso, de dar apoio àquela instituição.

 

Sr. Presidente, há dois anos, patrocinei, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, por duas vezes, a vinda ao Brasil dos célebres componentes, juízes e procuradores, da "Operação Mãos Limpas", da Itália, um trabalho sensacional realizado naquele país. Naquela ocasião, a máfia estava se desenvolvendo, avançando, crescendo, enfim, praticamente dominando o país. Foi então que houve um movimento integrado dos magistrados, procuradores, delegados e da polícia que mudou o perfil da Itália. É verdade que pegaram cerca de 100 parlamentares e botaram na cadeia por serem ladrões; ex-primeiros ministros, vários ministros e até o presidente da Fiat foi parar na cadeia. Pegou-se gente graúda, juízes, muita gente, mas foi assim que mudaram o destino da Itália. Pela primeira vez, milhões e milhões de dólares voltaram para os cofres do Poder público, porque eles foram lá, prenderam os ladrões e pegaram o dinheiro de volta. Esta foi uma operação que o mundo inteiro acompanhou: a "Operação Mãos Limpas".  

Não sei se não é o caso de o Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Procurador-Geral da República, o Presidente do Senado Federal e o Presidente da Câmara dos Deputados fazerem uma reunião e tentarem, pelo menos, unir os esforços para conseguir algum objetivo.  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Permite-me um aparte, nobre Senador?  

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Com prazer ouço o Senador Lauro Campos.  

O SR. PRESIDENTE (Lúdio Coelho) - O tempo de V. Exª está esgotado.  

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT - DF) - Senador Pedro Simon, é um papel importantíssimo o que V. Exª desempenha neste momento, num País em que aconselharam lá de cima a que esquecêssemos de tudo e V. Exª, com uma memória viva desta Casa, vem relembrar tudo o que deveria ter sido esquecido, de acordo com alguns interesses escusos a que V. Exª não se submeteu. Desse modo - como o tempo já está esgotado e o meu aparte, ainda que fosse de um minuto, seria longo -, gostaria apenas de dizer que antigamente muitas pessoas diziam que eu era radical, porque afirmava que o Brasil é uma "bancocracia", é dominado pelos bancos, pelo interesse dos bancos; taxas de juros, política monetária e tudo mais para favorecer banqueiros. Agora, o Sr. Everardo Maciel, Secretário da Receita Federal, acaba de afirmar que o Brasil é uma "cleptocracia" e que está caminhando para se transformar em uma "narcocracia". O domínio dos ladrões, "cleptocracia", se transformará no domínio dos narcotraficantes, numa "narcocracia". Essas expressões, muito mais duras do que as que eu usava até há pouco tempo, da "bancocracia", que continua presente, já falam tudo, resumem tudo, expressam tudo aquilo que o nosso tempo espremido não permite que nós expressemos. Meus parabéns. Muito obrigado pelo aparte.  

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Agradeço o aparte de V. Exª. Encerro obedecendo a determinação do Regimento, mas é preciso registar que o aparte do Senador Lauro Campos é muito importante. O Sr. Everardo Maciel, aquele mesma pessoa que na CPI do Sistema Financeiro nos emocionou a todos pela sua seriedade, pela sua competência e pela proposta que fez, quando afirmou que cerca de R$800 bilhões não são arrecadados porque saem pelos vazios, pelas entrelinhas deixadas na legislação e aproveitadas pelo Sistema Financeiro e pelas grandes empresas, declara que o Brasil é um sistema que está indo da "cleptocracia" para o paraíso das drogas. Está havendo uma mistura da droga com o roubo organizado. Foi o que aconteceu na Colômbia. E o ex-Presidente da Colômbia, quando esteve presente na Comissão de Relações Exteriores, nos chamou a atenção sobre essa questão, assim como o vice-Presidente. "Abram os olhos no Brasil para que essas coisas não aconteçam". Olhem que para um Secretário da Receita dizer isso...  

O nobre Senador, representante de Brasília, é considerado um radical, apesar de toda a sua fisionomia tranqüila e serena. Tem mesmo a postura de um mestre, de um professor universitário, o que ele realmente é. No entanto, S. Exª é considerado um radical. S. Exª falava em "bancocracia" e nós aceitávamos, porque é o que estamos vendo. Muda-se tudo no Brasil, mas os mesmos estão no Sistema Financeiro. Toda a política muda, muda e muda, para eles sempre terminarem por cima. Mas agora vem o Sr. Everardo Maciel e afirma que estamos mudando, que todo mundo está roubando. Quem diz é o Secretário da Receita. Então, partindo desse momento em que todo mundo rouba, o tráfico organizado irá dar as coordenadas que poderá colocar em risco a nossa Amazônia.  

Agradeço a tolerância, Sr. Presidente, e volto a cumprimentar a OAB. Penso que o Presidente Fernando Henrique Cardoso teria uma atitude realmente muito significativa se ele chamasse o Presidente da OAB, conversasse com ele e, depois disso, se S. Exª tivesse a humildade de marcar uma reunião com o Presidente do Supremo Tribunal Federal, com o Presidente da Câmara, com o Presidente do Senado e com o Procurador-Geral da República para ver que medidas podem ser tomadas para, efetivamente, enfrentarem essa questão.  

Muito obrigado.  

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/10/1999 - Página 27278