Discurso durante a 23ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DEFESA DA PARTICIPAÇÃO DO CAPITAL ESTRANGEIRO NO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DO BANESPA.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO. BANCOS.:
  • DEFESA DA PARTICIPAÇÃO DO CAPITAL ESTRANGEIRO NO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DO BANESPA.
Publicação
Publicação no DSF de 10/02/2000 - Página 2030
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO. BANCOS.
Indexação
  • CRITICA, MINISTRO DE ESTADO, DISCORDANCIA, DECISÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUTORIZAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, CAPITAL ESTRANGEIRO, PRIVATIZAÇÃO, BANCO DO ESTADO DE SÃO PAULO S/A (BANESPA), PREJUIZO, REPUTAÇÃO, BRASIL, EXTERIOR.
  • CRITICA, POSIÇÃO, BANCO PARTICULAR, AUSENCIA, DEFESA, AGRICULTURA, INDUSTRIA NACIONAL, OPOSIÇÃO, NORMAS, PRIVATIZAÇÃO, BANCOS, MOTIVO, INTERESSE PARTICULAR.
  • DEFESA, PARTICIPAÇÃO, CAPITAL ESTRANGEIRO, ECONOMIA NACIONAL, REPUDIO, DESTINAÇÃO, RECURSOS, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.

O SR. MAURO MIRANDA (PMDB – GO. Pronuncia o seguinte discurso.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, faltam apenas três meses para a privatização do Banespa, e o Governo parece perdido em suas contradições. O País assiste a um festival de desencontros no primeiro escalão, colocando em dúvida o cumprimento de um ato formal que foi assinado pelo Presidente da República.  

Por esse ato, um decreto de dezembro do ano passado, o Presidente abriu a possibilidade de que o capital estrangeiro possa assumir integralmente o controle do banco no leilão agendado para maio. Foi um ato soberano de governo, passível de protesto da sociedade e dos partidos de oposição, mas nunca um ato que pudesse despertar a condenação pública de ministros que têm deveres de lealdade com o Chefe desse mesmo Governo. Uns revelam sua posição às claras, mas a maioria dos que defendem o Banespa nacional prefere ficar no anonimato.  

Quero dirigir uma pergunta simples e direta a esses servidores qualificados que desfrutam da confiança do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Servidores que, mais do que todos nós, têm deveres especialíssimos com a imagem de credibilidade do País no exterior. O que eles querem é que o Presidente revogue o decreto, mostrando que somos um País de faz-de-conta para os investidores internacionais? Quem vai pagar o prejuízo que esse vexame vai causar a nossa imagem num momento em que precisamos desses investimentos para crescer? Depois de longo purgatório que foi imposto pelas políticas recessivas do FMI, e no momento em que começam a aparecer alguns sinais de recuperação no horizonte, é incompreensível que esse movimento na contramão venha exatamente de dentro do poder. Esse é o lado mais incompreensível de toda essa polêmica em torno do Banespa.  

Eu quero fazer uma observação pessoal. Em tese, concordo com as preocupações de setores responsáveis do país, que temem uma concentração excessiva de instituições estrangeiras no nosso setor bancário. Mas também não posso fechar os olhos para essa grande hipocrisia, esse grande cinismo dos três principais conglomerados financeiros do País, que, de repente, assumem uma posição nacionalista, radical, que nunca tiveram. Eles foram beneficiários, sócios, defensores da privatização de setores verdadeiramente estratégicos, como a siderurgia, as telecomunicações e a mineração, incluindo a Vale do Rio Doce. Então, tudo bem com a privatização, desde que ela chegue aos seus quintais. Foram os bancos brasileiros, com seus juros escorchantes, que levaram à desnacionalização da indústria. Eles mataram as indústrias daqui, para que as de fora chegassem. Na reforma cambial, todos nós ficamos mais pobres, menos os bancos, porque lucraram com a desvalorização do real e com os altíssimos estoques em dólares que eles detinham em seus cofres. O que eles querem é abocanhar mais espaços, construir um sistema financeiro ainda mais fechado.  

Pergunto, Srªs e Srs. Senadores: há quantas décadas estamos sendo desnacionalizados, sem que esses bancos questionassem esse fato? Quantas montadoras verdadeiramente nacionais temos? Quantos laboratórios temos? A Bayer, a Ciba-Geigy, a Schering, a Glaxo, a Hoescht, a Bristol, a Pfizer, para citar alguns desses laboratórios, são nossos ou são multinacionais? E a Coca-Cola? E a Colgate? O Carrefour? As vacinas, as sementes, os insumos básicos da agricultura são fortemente dependentes das multinacionais, que fazem os preços que querem, e os bancos não vêm nos defender. O Carrefour faz o preço que quer para os produtores de alface, e o Bradesco fica de longe vendo a quebradeira do setor rural.  

Então, Srªs e Srs. Senadores, desde quando se dá essa invasão no país? A verdade é que acordamos usando Colgate e dormimos vendo um enlatado na televisão. Os senhores viram o Bradesco, o Itaú ou o Unibanco se insurgirem contra os alienígenas? Nunca, Srªs e Srs. Senadores! Que eles ganhem o leilão, e vou até aplaudir, mas que não me venham com essa estória de desnacionalização. Não tenho nada contra os bancos nacionais. Meu problema é com a hipocrisia, o engodo. Chamo a atenção dos senhores para o artigo de Hélio Gaspari, na Folha de S.Paulo de hoje, página 9 do primeiro caderno. Afirma ele: "Na hora em que o maçarico se aproximou de seus cofres, estão costurando por dentro para tirar os concorrentes estrangeiros do leilão do Banespa". Ele fala dos banqueiros nacionais, que estão conseguindo "um prodígio de lógica".  

Volto ao problema do desconforto do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que, pela lógica enviesada de parte de seu Ministério, deve voltar atrás e passar pelo constrangimento da quebra de compromisso. Ele deveria, imediatamente, ao contrário, colocar um basta nas especulações que denunciam um governo dividido sobre essa questão de alta voltagem para a sintonia fina dos capitais de fora. Exceto para nós, que não fazemos parte do grupo de assessoramento ao Presidente, e que, por isso, podemos espernear à vontade, a hora de discutir já passou. Estarei torcendo para que o Bradesco ou o Itaú leve o Banespa, mas não acho justo nem inteligente restringir espaço aos bancos estrangeiros numa economia globalizada. É como segurar o vento na gaiola. Outro absurdo seria fortalecer o poder de competição de bancos nacionais com recursos do BNDES, que devem ser canalizados para setores produtivos. É verdade que a remessa de lucros é o preço a pagar, no caso de vitória de grupos estrangeiros, mas teremos o efeito positivo do ingresso de novos recursos externos via privatização.  

Outro lado relevante é que esses bancos serão agências permanentes de captação de capitais externos, em conexão com as matrizes, e isso pode reduzir os spreads no custo final dos investimentos alocados para os nossos setores produtivos.  

Srªs e Srs Senadores, a Arisco é um dos grandes ícones do desenvolvimento de Goiás e do Centro-Oeste. O crescimento e a consolidação da Arisco são partes fundamentais e inseparáveis da extroversão econômica do meu Estado. Seus produtos estão nas gôndolas de todas as redes nacionais de supermercados e já têm forte presença no exterior. De alguma forma, a Arisco era o nosso sonho goiano de uma multinacional. Pois bem: esta semana foi anunciada a venda da Arisco para a Refinações de Milho Brasil, que é controlada pela americana Bestfoods. Tenho um enorme carinho pela empresa, mas não vou cultivar nenhum sentimento de xenofobia, pensando que o Estado de Goiás está sendo vendido. Ao contrário, creio que vamos ganhar, com a força dos novos investimentos na geração de empregos e na ampliação dos agronegócios. O isolacionismo econômico e comercial serviu para embalar os sonhos e discursos arrebatados dos anos 50, e esse passado de ideais é parte de um patrimônio de recordações de que me orgulho. Mas o mundo mudou, e temos que mudar valores para não perder o passo.  

Mais difícil do que a ameaça de perder o Banespa para o capital estrangeiro foi viver o processo de privatização das telecomunicações, um setor de grande valor estratégico que hoje está quase todo dominado por grupos internacionais. Já critiquei desta tribuna a concorrência desleal e ilegal de técnicos estrangeiros que se instalaram no Brasil após a desnacionalização desse setor, e tenho acompanhado as decisões saneadoras do Ministério do Trabalho. Terei a mesma atitude se isso acontecer também com o setor bancário. Exceto em relação a esse desvio, felizmente superado, não posso negar que a privatização fez bem ao setor de telecomunicações, que é fundamental para o Brasil não ficar para trás na velocidade da globalização da nova economia. Para muitos brasileiros, patriotas autênticos e sinceros, foi como um estupro cívico enfrentar a venda das grandes estatais de siderurgia, petroquímica, mineração e eletricidade. Preços aviltados, uso de moedas podres, suspeitas de favorecimentos foram coisas dos primeiros tempos da privatização, que não acontecem agora, felizmente.  

Se o Bradesco, o Itaú ou o Unibanco não comprar o Banespa, nada de importante vai acontecer a cada um desses três grandes impérios financeiros. Eles vão continuar grandes, poderosos, diversificados e lucrativos, como têm sido, e muitas vezes à custa da morte de pequenas, médias e grandes empresas que não puderam suportar seus juros escorchantes e que acabaram colocando milhares de brasileiros na amargura do desemprego. E estaremos livres de colocar mais dinheiro público no setor financeiro, o que aconteceria se o BNDES tivesse de bancar a privatização. Matéria recente da Folha de S.Paulo quantificou o tamanho do rombo causado por 23 bancos oficiais que quebraram. Uma fábula de R$90 bilhões. Importância que, segundo o mesmo jornal, "daria para construir 4,5 milhões de casas populares ou aumentar em 4,5 vezes o gasto anual do Governo Federal com a saúde pública".  

Faço coro com a coerência e a sensatez do Ministro Martus Tavares, que tem ponto de vista muito claro sobre as realidades da economia globalizada, onde não existe espaço para preconceitos. Pela cartilha dos dissidentes privilegiados, aqueles que não querem perder o espaço crítico, mas também não querem deixar de ser governo, os produtores de Goiás deixariam de vender milho para a Cargyll, porque é multinacional. O produtor de alface não venderia para o Carrefour, porque é francês. Não venderíamos leite e derivados para a Parmalat e a Nestlé. É tarde para ressuscitar os ranços de políticas cartoriais que custaram alto para o nosso desenvolvimento, como foi a velha lei de informática, para citar um único exemplo dos mais recentes. Contrariar a competição como fundamento básico da economia globalizada seria uma fraude contra o bom-senso, e poderia representar para o País um retrocesso lamentável na atual visão altamente favorável de outros governos e de organismos e consultorias internacionais. Por isso, creio que o Presidente da República, além de não voltar atrás, deve exigir compromissos de solidariedade de todos os seus ministros.  

É o que penso, Sr. Presidente.  

Muito obrigado.  

 

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/02/2000 - Página 2030