Discurso durante a 58ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

LANÇAMENTO DO LIVRO DA SRA. MARIA LUIZA FAGUNDES, QUE TRATA DA PRESENÇA DAS MULHERES NA BIBLIA. CONSIDERAÇÕES SOBRE A DECISÃO DA CAMARA DOS DEPUTADOS DE ACATAR A PROPOSTA DE INVESTIGAÇÃO DA MORTE DO EX PRESIDENTE JOÃO GOULART.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO.:
  • LANÇAMENTO DO LIVRO DA SRA. MARIA LUIZA FAGUNDES, QUE TRATA DA PRESENÇA DAS MULHERES NA BIBLIA. CONSIDERAÇÕES SOBRE A DECISÃO DA CAMARA DOS DEPUTADOS DE ACATAR A PROPOSTA DE INVESTIGAÇÃO DA MORTE DO EX PRESIDENTE JOÃO GOULART.
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/2000 - Página 9871
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, SENADO, ALDO FAGUNDES, MINISTRO, JUSTIÇA MILITAR.
  • COMENTARIO, LIVRO, AUTORIA, MARIA LUZIA FAGUNDES, CONJUGE, MINISTRO, ASSUNTO, IMPORTANCIA, MULHER, BIBLIA.
  • COMENTARIO, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROPOSTA, INVESTIGAÇÃO, MORTE, JOÃO GOULART, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, SUSPEIÇÃO, OPERAÇÃO, REGIME MILITAR.
  • DECISÃO, ORADOR, AUXILIO, COMISSÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, DEPOIMENTO, EPOCA, INEXISTENCIA, DEMOCRACIA, BRASIL, AMERICA LATINA, DESRESPEITO, GOVERNO BRASILEIRO, FORÇAS ARMADAS, AUSENCIA, HOMENAGEM POSTUMA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srs. Parlamentares, tenho que aprimorar o pronunciamento, porque tenho a honra de ter aqui, na Tribuna de Honra, o Ministro Aldo Fagundes, uma das figuras mais notáveis da política rio-grandense, do Alegrete, terra de Oswaldo Aranha, Deputado Estadual, Deputado Federal, durante muito tempo o braço direito do Dr. Ulysses Guimarães, com quem coordenava o comando da direção nacional do nosso Partido. Hoje está na Justiça Militar e é um dos homens pelo qual tenho a maior admiração e o maior respeito.  

Semana retrasada, assisti ao lançamento de um livro de sua esposa, o qual li com muita calma e muito me impressionou. Maria Luiza é uma senhora extraordinária, líder de um movimento cristão que lançou um livro referente à presença das mulheres na Bíblia que me chamou muita atenção. Conta ela que, jovem, em Alegrete, fazendo uma palestra, defendendo essa tese que ela tanto admirava, um pastor da sua igreja - àquela época ainda não havia as Martas Suplicys da vida, com os direitos das mulheres - chegou e disse: "A senhora falou tanto sobre a presença das mulheres na Bíblia, mas não reparou que, 90, 95% são nomes de homens, e apenas 5% são nomes de mulheres". E ela respondeu: "Cinco por cento? Eu até não sabia que era tanto. Basta um, que é o nome de Maria, porque Maria trouxe o Salvador ao mundo sem precisar de homem". Quer dizer, só esse nome demonstra a importância da presença da mulher.  

É um livro realmente emocionante. Fiquei impressionado, porque, na Bíblia, chamava-me muita atenção a figura de Pedro, meu tocaio. E lá se dizia que ele percorreu, divulgando os ensinos, os mandamentos de Cristo, e que sua mulher estava sempre com ele. E, na Bíblia, só havia uma referência à mulher de Pedro, quando conta que Cristo foi a casa de Pedro, que estava com a sogra doente, e Ele a curou para que ela pudesse cozinhar para ele.  

Há uma outra referência, em uma epístola de São Paulo, em que ele pergunta: "E se eu quisesse levar uma mulher? Eu poderia fazer como Pedro, que tem a mulher sempre o acompanhando."  

D. Maria Luíza fez uma análise da mulher de Pedro, que não tinha nome, mostrando o seu significado, o que me emocionou. Nas palavras de D. Maria Luíza, eu li o que em nenhum texto das igrejas tinha tomado conhecimento. Pedro era um marinheiro e ela, como todas as mulheres de marinheiros, saía no início da noite para levar os maridos ao mar em busca da pesca e ficavam em casa sonolentas na expectativa do retorno. De madrugada iam aguardar o retorno e ajudar os maridos a preparar os peixes para venda e as redes para o dia seguinte.  

Conta D. Maria Luíza que ela arrumava a casa, os pertences, a vida de Pedro. Lá pelas tantas, o irmão de Pedro chamado André sai de casa para defender João Batista, fazendo com que dobrasse a responsabilidade da mulher de Pedro, que passou a ter que executar também as tarefas de André.  

Com a morte de João Batista, André voltou muito magoado, até que Cristo passou por ali e convocou os dois irmãos para seguirem-no como apóstolos. D. Maria Luíza conta como foi o trabalho da mulher de Pedro, o sacrifício e a luta dela depois que Pedro saiu e ela ficou ali com a responsabilidade da condução de tudo.  

Conta ela que, um dia, Pedro chegou muito triste, contando que Cristo havia sido preso, crucificado e ele sentia-se muito machucado por ter negado a Cristo três vezes. Conta tudo o que aconteceu, quando Pedro saiu na cruzada pelo mundo e ela o acompanhou.  

Dizem que foi Deus quem escreveu a Bíblia, as pessoas apenas escreveram com a força divina. Fico impressionado com o que escreveu D. Maria Luíza. Pretendo pedir transcrição nos Anais de alguns dos artigos que ela escreveu, porque considero extraordinário o trabalho dessa senhora, que defende a tese da importância da mulher. Ela que foi o braço direito do marido, Aldo Fagundes, durante a campanha eleitoral e discutia os assuntos relativos a mulher. Na política ontem; hoje, como uma pregadora da sua Igreja, andando pelo Brasil e pelo mundo, defendendo essas idéias.  

Por isso, aproveito a presença do meu grande amigo, Aldo Fagundes, presente neste momento, honrando o Senado, para dizer que naquele noite mesmo li todo o livro, que me impressionou muito. Cheguei quase a telefonar-lhe às 2 horas da madrugada, mas achei que era um pouco de exagero.  

O outro assunto que me traz à tribuna Aldo Fagundes, ex-Ministro do Superior Tribunal Militar, está bem a par, porque era Deputado do MDB à época. As manchetes de hoje revelam que a Câmara dos Deputados decidiu aceitar proposta para investigar a morte de João Goulart. Será criada uma comissão com quinze membros, por solicitação do Líder do PDT, Deputado Miro Teixeira, para apurar notícias que vieram da Argentina sobre a Operação Condor.  

O que foi a Operação Condor? Foi uma operação diabólica do regime de militar, integrada por militares do Uruguai, da Argentina, do Chile, do Paraguai e do Brasil, para cassar pessoas que defendiam teses diferentes do regime militar.  

Quando houve a instalação do regime militar no Brasil, Jango, Brizola, Darcy Ribeiro e vários brasileiros, notadamente muitos gaúchos, foram para Montevidéu, que era a Suíça brasileira, e a democracia existia ao longo do tempo. Durante anos e anos, os brasileiros, principalmente os gaúchos, viveram ali com carinho e com afeto. Estive em Montevidéu e andei por lá com o Jango e era impressionante vê-lo andando pelas ruas e pelos restaurantes daquela cidade e ser tratado sempre como presidente, com muito carinho e muito respeito.  

Lamentavelmente, o Uruguai, pequeno, não teve condições de fazer retroceder a ditadura no Brasil. Mas o objetivo de ampliar o regime de força para o Cone Sul fez sucumbir a democracia no Uruguai. Lá, de maneira diferente, pegaram um testa-de-ferro civil, que passou a ser o representante do regime militar. E aí passaram a perseguir os brasileiros.  

No Chile, que depois também foi um grande núcleo de democracia, para onde iam democratas do mundo inteiro, debatia-se, sob o Governo de Allende, a luta contra a ditadura na América Latina. Com o assassinato de Allende, a situação ficou insuportável.  

Lembro-me que João Goulart saiu do Uruguai e foi à Europa para tratar um problema de coração. Naquela época já se falava em ameaças de assassinato a João Goulart, em assassinato de lideranças na América Latina de oposição ao regime militar. E Jango saiu de Montevidéu e foi a Paris submeter-se a exames. Na volta, ficava no Uruguai e basicamente em sua fazenda na Argentina.  

Eu era Deputado Estadual quando, no dia 6 de dezembro de 1976, fomos surpreendidos com a notícia da morte do Presidente João Goulart.  

Tenho a obrigação de me colocar à disposição da Comissão da Câmara dos Deputados, porque gostaria – se me permitissem – de falar sobre alguns fatos relativos àqueles acontecimentos.  

Eu era Presidente e Líder do MDB na Assembléia Legislativa. Ninguém esperava e, de repente, veio a notícia de que o Sr. João Goulart tinha sido encontrado morto em sua fazenda na Argentina. Naquela noite, ele havia jantado em Paso de Los Libres, cidade argentina, do outro lado da ponte de Uruguaiana.  

Posso e tenho obrigação de mencionar a tremenda injustiça do Governo brasileiro com relação ao tratamento dado à figura do Presidente João Goulart. O Presidente João Goulart, com as notícias da sua doença, estava tão machucado, que muitas pessoas tiveram de fazer um esforço enorme para ajudá-lo, porque ele estava pensando em pegar um avião e vir a Brasília. Acontecesse o que acontecesse, fosse ele preso ou morto, ele achava que deveria fazer isso.  

Morto o Presidente João Goulart, os seus amigos e nós, as Lideranças, principalmente do MDB do Rio Grande do Sul, começamos a tomar providências. Procuramos o Embaixador, o Governo Brasileiro, as autoridades. A primeira notícia que nos davam era a de que não se sabia se Jango seria sepultado no Brasil ou no exterior. Jango foi o único Presidente brasileiro que morreu no exílio. Dramaticamente, os dois Presidentes da República que nasceram em São Borja, depois de deixarem a Presidência da República, só voltaram mortos para a sua cidade.  

Getúlio Vagas deu um tiro no peito, no Rio de Janeiro, levado pela ditadura, pela violência, pelo arbítrio das Forças Armadas e pela violência da UDN, do Sr. Carlos Lacerda. Morto, voltou para São Borja. E o Dr. João Goulart foi além do Dr. Getúlio Vargas: não morreu sequer na sua Pátria; morreu no exílio.  

Achávamos que um Presidente da República, morto no exílio, teria um tratamento especial, até porque, naquela altura, já se começava a fazer justiça à memória do Dr. João Goulart. Já se começava a ficar claro que o que tinha havido no Brasil era uma ditadura, um golpe, uma violência, um arbítrio. Já naquela altura, faziam-se acusações absurdas e ridículas contra o Sr. João Goulart, de que ele tinha ficado milionário. Uma publicação na revista Time Life dizia que o Dr. João Goulart tinha comprado uma infinidade de fazendas e era o proprietário da maior extensão de terras em todo o mundo.  

Naquela altura, o Deputado Marcílio Goulart Loureiro - Deputado Estadual e primo-irmão de Jango - e eu fomos a Montividéu. Lá João Goulart foi a um cartório e registrou uma procuração em causa própria ao Diretor-Presidente da Time Life , comprometendo-se a vender por US$1 qualquer fazenda que o Sr. João Goulart tivesse adquirido desde que havia assumido a Presidência e a Vice-Presidência da República e cuja escritura estivesse em seu nome, no da sua mulher, no dos seus filhos ou no de quem quer que fosse.  

Trouxemos essa carta. O Estadão , de São Paulo; o Zero Hora , de Porto Alegre, e O Globo , do Rio de Janeiro, publicaram uma matéria de primeira página com as acusações feitas na Time Life . Procuramos essas entidades e levamos a declaração do Sr. João Goulart, publicada na Time Life . Pedimos que eles a divulgassem. Não saiu uma página em nenhum jornal! O único documento que existe hoje a esse respeito é um pronunciamento do Marcílio e um pronunciamento meu, feitos na Assembléia Legislativa, em que contávamos o fato. Naquela oportunidade, pedimos a transcrição nos Anais da Assembléia Legislativa daquele documento, da procuração do Sr. João Goulart, feita em causa própria, em Montevidéu, dizendo que os proprietários da

Time Life poderiam comprar por US$1 qualquer fazenda sua. E não foi publicada uma linha desse pronunciamento em lugar nenhum!  

Portanto, a figura de João Goulart, àquela altura, já tinha o seu lugar. Já estava claro que ele tinha sofrido um golpe de Estado nesta Casa. O Dr. Tancredo berrava no Congresso Nacional quando o Presidente do Senado, num golpe brutal, imoral e indecente, decretava vaga a Presidência da República, dizendo que isso estava acontecendo porque o Dr. João Goulart estava em lugar incerto e não cabido. Tancredo dizia: "Mas ele está na sede do Comando do 3º Exército do Rio Grande do Sul. Se os senhores quiserem, liberem-nos, que, daqui a três horas, telefonarei, e o avião virá para cá!". E decretaram vaga a Presidência da República, num golpe baixo, sujo e imoral. Isso também ficou provado.  

Portanto, a figura do Dr. João Goulart já era do mais alto respeito àquela altura, e nos surpreendeu o fato de que toda a ação do Governo brasileiro se dava no sentido de fazer com que aquilo terminasse no máximo.  

Milhares de brasileiros e gaúchos se posicionaram quando souberam que ele entraria ali, que ele viria pela ponte Uruguaiana Passo de Los Libres em direção a São Borja. O carro que conduzia o Presidente seguia a 160 km/h e quase atropelou os gaúchos que estavam em Uruguaiana para lhe prestar uma homenagem.  

A mim, Presidente do Partido, as autoridades do Exército disseram o seguinte: "O Governo fez uma grande concessão, permitindo que o corpo fosse enterrado em São Borja. Mas ele deve chegar a São Borja e ser enterrado na mesma hora".  

Destacaram tropas de Livramento, do Alegrete, de Santiago, de toda a região. Milhares de soldados e oficiais do Exército brasileiro estavam na cidade de São Borja. Não foram muitos os brasileiros que foram a São Borja para o enterro. De alguns, eu me lembro: Almino Afonso, Darcy Ribeiro e o Dr. Tancredo. De Porto Alegre, dezenas de aviões e centenas de carros dirigiram-se a São Borja.  

Pensávamos no que iríamos fazer. Preparamos o esquema: o corpo deveria seguir diretamente para o cemitério. A igreja da cidade estava fechada. Ao pararem o carro, a igreja se abriu e estava lotada. Conduziram na marra o caixão de Jango e fizeram o velório. As Forças Armadas não tinham o que fazer; tiveram que aceitar isso. O caixão estava fechado. Não se permitiu, em hipótese alguma, que as irmãs, a viúva, as autoridades políticas, ninguém abrisse o caixão. Isso não foi permitido. Foi proibido abrir o caixão.  

No momento do velório, um Coronel do Exército me disse: "Temos que terminar com isso, temos que terminar com isso!". E, praticamente, postaram-se as Forças Armadas ali, para que o caixão entrasse no carro e seguisse para o cemitério, que fica mais ou menos a quatro quilômetros de distância da Catedral de São Borja.  

Porém, se lá havia dez mil militares, havia o dobro de civis. O povo da região inteira estava ali, na frente da catedral. E o que aconteceu? Na hora de pegar o caixão, em vez de colocá-lo no carro do Exército, as pessoas o agarraram e o conduziram a pé.  

O comandante da operação disse-me: "Ou o caixão vai para o carro, ou algo vai acontecer". Eu lhe disse: "Coronel, se o senhor quiser que aconteça, vai acontecer. Mas vai morrer todo mundo aqui. Não entendo o que o senhor quer. Não está havendo nada! As pessoas estão em silêncio". Não havia nem grito. Havia uma mágoa, uma tristeza. Muitas pessoas choravam. Não havia grito de protesto e nem de revolta, mas uma profunda tristeza de um povo que estava chorando. Eu disse: "Se o senhor quiser, faça alguma coisa. Eu não vou fazer nada. Acho que a situação é normal. Ele está sendo levado para o cemitério. Este é o caminho. Ele será enterrado".  

Foram feitos vários telefonemas, mas ele aceitou a situação. Quando estávamos chegando ao cemitério, deslocaram-se os militares, porque a ordem era enterrá-lo prontamente. Os militares já se posicionavam ali, ao lado das outras pessoas, para enterrarem o caixão. Quando iam fazer isso, eu, que estava ali, comecei a falar: "Presidente João Goulart, estamos aqui...". E uma pessoa me puxava, e o coronel me olhava com cara de ódio, mas fiz o discurso em homenagem do povo do Rio Grande do Sul à memória do Presidente João Goulart. Contei a sua história. Esses fatos aparecem no fantástico filme sobre a vida de Jango, filme este que foi patrocinado por sua filha.  

Terminei meu discurso dizendo: "Eu, como Presidente do Partido, falei em nome do Rio Grande do Sul. Em nome do Brasil, vai falar o Dr. Tancredo Neves, que foi seu Primeiro-Ministro e seu grande Líder". Eu não tinha falado nada a esse respeito com o Dr. Tancredo, mas, na verdade, ele agiu com muita categoria, aceitou a missão e fez um belíssimo pronunciamento.  

Conto esses fatos para dizer que a presença rápida do Dr. João Goulart no Brasil se deu, realmente, de uma maneira muito estranha. Não havia o que temer! Não tinha por que não abrir o caixão! A viúva, os familiares, as suas irmãs, todos nós queríamos que o caixão fosse aberto! Mas não admitiram isso. O caixão estava lacrado. E havia aquela angústia, aquela agonia, de sepultá-lo e colocar uma pedra em cima.  

Depois, ficamos sabendo que não houve autópsia na Argentina, e estão dizendo que ele foi enterrado com a roupa que estava. Agora, surge a denúncia de que o teriam traído, dando-lhe um medicamento trocado para os seus problemas do coração: ao invés de lhe facilitar a convivência com a doença, o remédio o teria levado à morte.  

É correta a decisão da Argentina de querer investigar. É correta a decisão do Governo brasileiro - não podia ser diferente - de fazer a investigação. É correta a decisão da Câmara dos Deputados de designar uma comissão composta por cinqüenta Parlamentares, para, com a rapidez necessária, fazer a investigação. Mas eu não podia deixar de vir aqui para contar o fato ocorrido, a maldade e a crueldade com que com o Governo tratou a figura do Sr. João Goulart, não o respeitando nem depois de morto. Não deixaram nem que ele viesse aqui para o enterro de sua mãe. Quando sentiu que tinha problemas e que poderia morrer lá fora, ele pediu para morrer no Brasil como ex-Presidente da República, mas não o permitiram. Foi uma figura marcada pelo ódio de seus adversários.  

Um ano depois, Sr. Presidente, realizávamos uma missa na catedral de Porto Alegre em homenagem à sua morte, oficializada pelo Cardeal D. Vicente Scherer com muito respeito e muito carinho. E ali, lotada a catedral, com muita gente na rua falando, gritando e protestando, vieram as tropas militares. Deus me livre, como apanharam essas pessoas! Para fugirem, entraram na igreja. As tropas militares também entraram na igreja, praticamente a cavalo, e esses jovens apanharam muito na Catedral Metropolitana de Porto Alegre, na missa de sétimo dia do Presidente João Goulart.  

Sr. Presidente, essa é uma das páginas mais trágicas, mais tristes, no que tange à maldade, à frieza, à falta de grandeza do Governo brasileiro, que roubou a Presidência, que derrubou um Presidente e tentou demolir a sua imagem. O Governo era o vitorioso e não teve um gesto de respeito com a figura do derrotado, com o cadáver do derrotado, com os filhos pequenos do derrotado, com a viúva do derrotado, com os irmãos do derrotado, com os partícipes das idéias do derrotado. Esse é um capítulo realmente muito triste da nossa História, Sr. Presidente.  

Durante muito tempo, uma das coisas mais ridículas, mais grosseiras e mais indecentes que já vi na minha vida foi a publicação, feita pelo Governo militar, de um cartaz com os nomes dos ex-Presidentes da República. Nele não estava a figura de João Goulart. Era como se ele não tivesse sido Presidente da República. Quiseram apagar a História da maneira mais ridícula e grosseira que posso imaginar.  

Isso passou, esse tempo passou. Esses militares que fizeram a ditadura de 64 ficaram reduzidos, na História do Brasil, à irresponsabilidade dos que não têm sonho nem idéia de pátria.  

O Sr. João Goulart foi uma das causas da queda do Dr. Getúlio Vargas. Como Ministro do Trabalho, ele assinou um aumento para o salário mínimo - vejam como vem de longe essa história -, e, por isso, os militares exigiram a sua queda. Reparem que a retaliação do Dr. Fernando Henrique Cardoso contra os que votaram pelo valor de R$177 para o salário mínimo não é um fato novo. Isso já vem desde 1954, quando o Ministro do Trabalho, vendo uma situação injusta, fez uma proposta ao Presidente Getúlio Vargas, para que se desse um aumento real para o salário mínimo no Brasil. Ali exigiram a sua demissão, e Getúlio Vargas teve que ceder.  

Na verdade, João Goulart foi um homem que se impôs ao nosso respeito e à nossa admiração. Ele poderia - como Getúlio Vargas, em 1954, preferiu a morte à guerra civil -, em 1964, ao invés de ir para o exílio, fazer a guerra civil. E ele tinha o Rio Grande do Sul do seu lado. Ele tinha mais gente do Brasil do seu lado.  

É verdade que a mídia, a lavagem cerebral que se fazia pelo rádio, pela imprensa e pela televisão, mentindo e inventando fatos sobre ele, fazia com que a sociedade adotasse a posição, com a Igreja à frente - que triste passagem! -, de exigir a derrubada do Sr. João Goulart. Mas, se ele debatesse as suas teses e resistisse, haveria uma página de sangue muito grande na História. Os americanos enviaram duzentos mil mariners a El Salvador para lá introduzirem a ditadura, e, hoje, sabemos que, naquela época, eles já estavam andando pela costa do Brasil. O próprio embaixador de então, com a maior cara-de-pau, publicou nas suas memórias a passagem e a ação da Embaixada e do serviço secreto americanos, além de que os mariners estavam aqui, realmente, para lutar contra a resistência do Sr. João Goulart.  

O SR. PRESIDENTE (Nabor Júnior) - (Faz soar a campainha)  

O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) - Sr. Presidente, V. Exª tem razão. Há tanta gente querendo falar, que me sinto até encabulado e um pouco magoado. São tantos pedindo a palavra, e eu ocupando este espaço.  

O SR. PRESIDENTE

(Nabor Júnior) – A Mesa gostaria apenas de lembrar ao Senador Pedro Simon que vamos preparar a sessão especial para receber, no nosso recinto, o Presidente da Itália.  

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) – A sessão será feita aqui ou na Câmara?  

O SR. PRESIDENTE (Nabor Júnior) – Será feita no recinto do Senado Federal, e, por essa razão, a sessão terminará mais cedo. Pediria a compreensão de V. Exª.  

O SR. PEDRO SIMON (PMDB – RS) – Sr. Presidente, recepcionamos aqui o Presidente do Líbano, mas, como há muitos italianos devido à novela Terra Nostra , a sessão em que será recebido o Presidente da Itália poderia ser realizada na Câmara dos Deputados.  

Sr. Presidente, encerro dizendo que o mínimo que o Presidente Fernando Henrique Cardoso poderia fazer, Sua Excelência que conheceu o exílio, que também conheceu a cassação, ou melhor, que foi excluído da Universidade de São Paulo, era colocar o Sr. Gregori no Ministério da Justiça por se tratar de um homem que merece o maior respeito e a nossa admiração.  

Faz muito bem o Governo brasileiro em prestar esses esclarecimentos, porque, afinal, o País ainda está devendo a devida homenagem e o devido respeito à memória de João Goulart.  

Muito obrigado, Sr. Presidente.  

 

era® Ó


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/05/2000 - Página 9871