Discurso durante a 10ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração do Dia Internacional da Mulher.

Autor
Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do Dia Internacional da Mulher.
Publicação
Publicação no DSF de 10/03/2001 - Página 2778
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, MULHER, ELOGIO, EMPENHO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO, BUSCA, IGUALDADE, OPORTUNIDADE, EMPREGO, EDUCAÇÃO, SAUDE.

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 08 de março foi comemorado o Dia Internacional da Mulher. Dia de reflexão e luta, pois a data está ligada às lutas operárias.

A história começa em 1857, quando 129 operárias de uma fábrica têxtil, em Nova Iorque, entraram em greve lutando pela redução da jornada de trabalho a oito horas diárias. Foi a primeira greve conduzida exclusivamente por mulheres nos Estados Unidos. Porém, foram violentamente reprimidas, com isso se refugiaram dentro da fábrica para se protegerem da repressão. Os patrões aproveitaram-se da situação e, depois de trancá-las, atearam fogo à fábrica. Com isso, morreram todas as operárias asfixiadas e carbonizadas. Então, o dia 08 de março, foi instituído em 1910 como um dia de lutas, na II Conferência Internacional de Mulheres, em homenagem às operárias que morreram.

A lembrança do fato, que foi sendo relegado ao esquecimento na mesma medida em que a data foi sendo oficializada, é particularmente oportuna nos dias de hoje, pois mantendo preconceitos milenares, na maioria absoluta das sociedades contemporâneas, as mulheres são submetidas a discriminações, preconceitos e à divisão sexual do trabalho, que se manifestam de formas mais contundentes ou amenas, visíveis ou mascaradas. No caso do Brasil a situação é agravada pelas condições em que se deu a Constituição do País. Se o caráter antidemocrático, excludente, segregador e conservador com que se conformaram o Estado, a sociedade e a cultura dominante, já marginaliza o conjunto das camadas populares, muito mais o faz quando se trata de reproduzir aqui dentro traços do conservadorismo mundial.

Se aqui não se vive os absurdos de estados teocráticos islâmicos; as profundas diferenças sociais, a recusa permanente do Estado em atender às elementares necessidades do povo e o conservadorismo garantem uma super exploração do trabalho feminino, a reprodução de valores preconceitosos e o aprofundamento da discriminação.

A igualdade jurídica formal em muitos aspectos da vida civil constituem avanços da maior importância, mas são incapazes por si só de garantirem a igualdade real e a aplicação de políticas que de fato combatam as diversas manifestações da opressão feminina. Ao contrário, a acumulação capitalista só multiplica, material e espiritualmente, as condições para a auto-reprodução das relações de gênero que levam a subordinação e ao discurso machista de inferiorização da mulher.

Como os homens são considerados provedores e chefes da família, o trabalho da mulher é sempre visto como secundário e supõe-se que seus ganhos são para complementar a renda doméstica, cuja parte principal é do pai ou do marido. O que justifica o recebimento de salários menores, o exercício de atividades sem vínculos formais, por tempo parcial, trabalhos temporários e pequenos “bicos” e a precarização do emprego doméstico. E fica ainda mais evidente a utilização do preconceito para aumentar a exploração do trabalho quando mulheres exercem tarefas qualitativamente e quantitativamente iguais ao homem e recebem salário inferior.

Segundo estudo do DIEESE "a um número crescente de mulheres responsável pelo sustento da família. Em 1990, 20% do total de chefes de família eram mulheres, em 1995, eram 22% e, em 1998, já chegam a 26%. Isso quer dizer que para mais de um quarto das famílias os rendimentos da mulher não têm um caráter complementar, ao contrário, são responsáveis pela manutenção da casa. Como também com relação à renda, as mulheres estão em pior situação em todas as regiões metropolitanas analisadas: o rendimento médio real anual das ocupadas corresponde a menos de 70% dos rendimentos auferidos pelos homens".

O baixo nível salarial e as dificuldades do povo brasileiro obriga que uma grande parte das esposas e filhas dos trabalhadores urbanos e rurais se empreguem também. Como a maior parte dos encargos doméstico continua por conta das mulheres, elas ficam sujeitas à dupla jornada de trabalho: a jornada no trabalho produtivo, fora de casa, e outra na prestação de serviços para a comunidade familiar. No caso do Brasil, a dupla, por vezes tripla, jornada é um dos pilares básicos de sustentação da exploração da maioria, já que os serviços prestados pelo estado são insuficientes e os salários não garantem que se sacie no mercado as necessidades básicas do povo.

As responsabilidades assumidas pela mulher e a ausência de aparelhos do Estado são um empecilho ao trabalho feminino: dificultam tanto o cumprimento das tarefas relativas à vida familiar como a assiduidade e a pontualidade no emprego. Entre outras, aquelas são razões racionais de discriminação contra a mulher, principalmente para o emprego e admissão de mulheres casadas.

A libertação da mulher não consiste apenas em livrá-la da exploração do trabalho e garantir-lhe condições mínimas para uma sobrevivência digna. É preciso também lutar para libertá-la da necessidade de carregar sozinha, ou apenas com o auxílio de outras mulheres da família, todo o fardo do trabalho doméstico: trabalho não remunerado e quanto mais pesado quanto menores forem as prestações de serviço e as facilidades oferecidas pelo estado, como a água encanada, esgoto, coleta de lixo, creches, postos de saúde, lavanderias, restaurantes comunitários, dentre outros. Isto significa que a libertação feminina exige não só a eliminação da carência de recursos, que afeta as famílias pobres, mas também a abolição da divisão sexual do trabalho de modo que homens e mulheres possam assumir tanto as tarefas remuneradas, bem como a de cuidar do lar e da família.

A luta pela libertação das mulheres tem que se dar no interior do esforço de construção, teórica e prática, da estratégia socialista no País. Tem que articular a luta socialista no Brasil com o combate à dominação secular do mundo masculino sobre o feminino e as suas especificidades. Tem que denunciar a discriminação, o preconceito e o conservadorismo nos costumes e a instrumentalização destes para garantir uma maior exploração do trabalho de toda a população. Tem que exigir políticas e instrumentos estatais capazes de satisfazer às demandas domésticas e privadas dos trabalhadores em geral e afirmar um novo patamar nas relações humanas. E sobretudo, tem que começar a combater os pilares de sustentação da hegemonia que garante a dominação, a subserviência e amarras materiais e espirituais sobre as mulheres.

A luta das mulheres não pode ser algo estranho à luta mais global dos trabalhadores. No atual período da luta de classes, o campo democrático-popular e a luta de gênero no interior desse mesmo campo deve se materializar na organização e articulação comum das mulheres no interior do interior do bloco histórico e não à parte dele. Sem prejuízo de outras iniciativas, as mulheres devem sempre procurar se organizar dentro de entidades que congreguem o conjunto de segmentos sociais como partidos políticos, entidades sindicais, estudantis, comunitárias. O que cria melhores condições para a construção de elementos estratégicos mais unificadores.

É preciso retomar a dimensão global e a unidade dos movimentos populares. Os movimentos de mulheres e feministas tem que se unir aos movimentos gerais dos mais pobres, sem deixar de levantar as reivindicações específicas. Tem que abordá-las à partir das diferenças regionais, dos centros urbanos, das áreas rurais e organizar as mulheres para a conquistar direitos elementares. Ainda que esses direitos não lhes digam respeito exclusivamente, são elas as mais afetadas pela sua ausência; como ampliação dos espaços democráticos e combate ao preconceito, salário igual para trabalho igual e redução da jornada de trabalho, fim da precarização e da flexibilização das relações sociais, mais verbas para a saúde e educação, construção de lavanderias e restaurantes populares, a multiplicação de creches, de postos de trabalho, etc.

Importantes avanços no interior de diversas esferas do estado, os conselhos de mulheres têm sido, na prática, um adorno que diversas administrações usam para posarem de progressistas, espaços de disputas menores por influência e aparelho políticos. Com raras exceções, no melhor dos casos, têm se transformado em instrumento de atrelamento à políticas governamentais e fóruns de construção de propostas que jamais saem do papel. Os movimentos devem ocupar essas aberturas institucionais sem contudo atrelarem-se a eles ou trocarem a mobilização pelas articulações e lobbies palacianos. É preciso encará-los na sua justa medida: como espaços limitados de articulação e produção de políticas específicas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/03/2001 - Página 2778