Discurso durante a 16ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

CRITICAS AO PENSAMENTO DE JOSEPH SCHUMPETER, SOBRE A INCOMPATIBILIDADE DO CAPITALISMO COM A DEMOCRACIA. ANALISE DA ATUAL CRISE ECONOMICA NOS EUA.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • CRITICAS AO PENSAMENTO DE JOSEPH SCHUMPETER, SOBRE A INCOMPATIBILIDADE DO CAPITALISMO COM A DEMOCRACIA. ANALISE DA ATUAL CRISE ECONOMICA NOS EUA.
Publicação
Publicação no DSF de 20/03/2001 - Página 3521
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, INCOMPATIBILIDADE, CAPITALISMO, DEMOCRACIA, ESPECIFICAÇÃO, INCITAMENTO, GUERRA, INSTRUMENTO, MANUTENÇÃO, LUCRO.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), SUPERIORIDADE, DIVIDA PUBLICA, RETORNO, GASTOS PUBLICOS, INDUSTRIA DE MATERIAL BELICO, INDUSTRIA, PESQUISA ESPACIAL.
  • ANALISE, CRISE, PAIS ESTRANGEIRO, JAPÃO, ARGENTINA, EQUADOR, PERU, SEMELHANÇA, BRASIL, OBEDIENCIA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), FALENCIA, SITUAÇÃO SOCIAL.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs Senadores, aproveitarei este final de segunda-feira para tecer minhas considerações - segunda e sexta-feira sempre foram os dias em que pude utilizar a sobra do tempo e do espaço para fazer as minhas arengas.

Joseph Schumpeter foi considerado um dos mais brilhantes economistas do século XX. Austríaco, formado em Direito, ele acabou nos Estados Unidos, onde fundou, entre outras, a Sociedade de Estatística Norte-Americana. Schumpeter dizia, talvez com o pensamento dourado - o wishful thinking - que, de vez em quando, ele utilizava, que havia uma conjugação muito feliz entre o capitalismo e a política, a economia e a política na sociedade capitalista. Ele dizia que os políticos, ávidos por obterem mais votos, mais prestígio, por ampliarem seu eleitorado e por se reelegerem, acabavam, mesmo os reacionários, apresentando medidas populares que suavizavam as durezas, as exigências, a voracidade e a afirmação unilateral da tecnologia capitalista das coisas sobre as pessoas. Assim, a política suavizaria esse aspecto.

Quando li pela primeira vez, até achei bonito e acreditei um pouco. Hoje descreio totalmente desta proposta, desta afirmativa de Joseph Schumpeter. Penso que o capitalismo é incompatível com a democracia. Entendo que o capitalismo, ao se desenvolver, vai revelando que necessita fundamentalmente da guerra. Isto já repeti aqui inúmeras vezes: que 334 guerras o capitalismo provocou, promoveu entre 1774 e 1970; e 87 guerras internacionais, de acordo com Eric Hobsbawn no seu livro O Breve Século XX.

            Penso que, quando o capitalismo recorre a uma guerra ou um estado de beligerância permanente; quando o capitalismo acende e sopra o fogo da Guerra Fria, tentando, como se vê agora claramente em diversas partes do mundo, transformar os carvões em brasas e em fogo vivo; quando o capitalismo deflagra guerras quentes e frias; quando promove guerras santas ou quando ajuda a manter um estado de guerra - como, por exemplo, a guerra do petróleo -, ele mostra que é completamente incompatível com a democracia. Ao se iniciar a guerra, os resquícios de democracia, que por acaso pudessem existir, desaparecem.

De modo que então, se o capitalismo sempre necessitou e ainda necessita da guerra para conseguir a sua reprodução, para reduzir o ritmo de desenvolvimento das forças produtivas, para impedir a queda da taxa de lucro, para ampliar o seu mercado e para todas as funções vitais etc., o capitalismo sempre usou muito bem a guerra.

Sr. Presidente, estamos aqui na paz desse painel desativado. Eu deveria fazer um discurso sobre esse painel, que fez com que eu ficasse gripado e até contraísse uma pneumonia, visto que só funciona sob uma temperatura a que o ser humano não resiste. É impossível trabalhar aqui e suportar a temperatura que o painel exige. Somos comandados por ele e suas exigências técnicas. Agora, de repente, ninguém fala nada. O painel está desativado porque estamos de férias, finalmente estamos de férias! Isto aqui não funciona há muito tempo; o Senado Federal não funciona há muito tempo. Não precisamos de painel mais, e a minha gripe agradece a temperatura um pouco mais elevada de que se pode desfrutar. Mas só temperatura atmosférica, porque temperatura política, essa, já entrou há muito tempo em congelamento.

O que eu queria hoje procurar enfatizar é o seguinte: parece que estamos numa ilha de paz e de fantasia e que vai tudo muito bem, obrigado, aí por fora. Parece que não existe uma crise fantástica nos Estados Unidos, crise que é tão mais grave quanto ela significa: a falência dos mecanismos fundamentais que sustentaram o capitalismo norte-americano em muitas décadas.

Não vou me estender muito, mas há três anos, tendo a dívida pública norte-americana atingido 5,4 trilhões de dólares, o governo dos Estados Unidos percebeu que o teto havia sido alcançado e que não seria possível continuar a fazer emissões que sustentam os setores bélicos, principalmente os setores espaciais, os setores que, na guerra quente ou na fria, passaram a absorver quantias fantásticas. Se a Nasa, por exemplo, fosse desativada calcula-se que dois milhões e quatrocentos mil norte-americanos perderiam seu emprego. Isso se a Nasa fosse privatizada. E assim vemos como essa estrutura bélica, essa estrutura de gastos espaciais, esse déficit crescente, como a dívida que sustenta tudo isso, a dívida dos Estados Unidos, obviamente, tinha alcançado o seu limite. Isso significa que a crise estava presente na dinâmica da economia capitalista norte-americana. Então o Sr. Bill Clinton prometeu que no ano 2012 os Estados Unidos estariam livres da dívida de mais de US$5 trilhões que ele acumulou para fazer o seu crescimento tortuoso; que no ano 2012 os Estados Unidos não teriam dívida pública. Ou seja, de agora para frente, de três anos para cá, os Estados Unidos iriam ter, em vez de um déficit orçamentário que acompanha aquele país desde Andrew Jackson, desde 1830, os Estados Unidos, pela primeira vez na sua história, iriam inverter as coisas e passar a ter, tal como este Brasil apenado e telecomandado, um superávit no orçamento. Para isso, seria preciso restringir cerca de US$400 a 500 bilhões em gastos do Governo, por ano, até o ano 2012. Pois bem. A experiência mal durou três anos. Agora, assume o Sr. Bush e percebe que aquele caminho era o caminho da perdição, da crise, do desemprego, das agitações da bolsa e de outras mazelas que avassalam a economia norte-americana. O Sr. Bush já falou: “Nada disso. Vamos voltar ao déficit orçamentário. Vamos gastar US$400 bilhões em guerra e espaço este ano.” Deu-se marcha a ré completa. A economia dos Estados Unidos, em três anos, tentou ir para um caminho e voltou em sentido oposto. Está completamente perdida, como nós também, no final de uma linha, depois da qual o que se segue não queremos dizer. De modo que reacenderam-se as despesas de guerra na esperança de que, novamente, a economia norte-americana pudesse ride again. Como dizia o Ronald Reagan, o cowboy, a economia norte-americana pudesse cavalgar de novo. Ride again!

Pois bem, acontece o seguinte: a economia japonesa, desde 1990, entrou numa crise que se chama a crise eisi. Nem sabemos disto: que o Japão entrou numa crise de sobreacumulação. E existe uma corrente de economistas no Japão que afirmam que o problema do capitalismo não é a falta de capital; é, pelo contrário, excesso de capital. Agora não podemos esclarecer isso, mas o fato é que, no início dos anos 90, o Japão esperava retomar uma fase de grande prosperidade quando foi tomado por uma crise que o acompanha até agora. O mesmo se deu lá no Japão. Eles, que eram vítimas do neoliberalismo, da idéia de equilíbrio orçamentário, de enxugamento, de aumento do desemprego, da demissão de funcionários, da redução do poder do Executivo, voltaram atrás, quiseram retomar a dinâmica keynesiana. E o governo japonês, em três anos, gastou US$600 bilhões a mais do que arrecadou. Voltou o déficit orçamentário. O déficit standing, os gastos acima do Orçamento.

O Brasil insiste em ter superávit primário e em pagar a dívida pública. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, quando Senador, em 1992, dizia (página 242 do livro As Idéias e Seu Lugar): “É impossível pagar a dívida pública e equilibrar o Orçamento”. Também o FMI pensava assim. Por isso só deu quatro meses de vida ao Plano Real, em 1994.

Pois bem. A Argentina já havia se antecipado. Descobriram lá alguém que pudesse seguir o modelo que se atribui ao FMI, um modelo neoliberal, um modelo em que o governo assume todas as funções, todos os papéis desempenhados pela crise econômica: aumenta o desemprego, aumenta o número de falências, quebram-se bancos - nos Estados Unidos, entre 1930 e 1933, na grande crise, cinco mil bancos quebraram -, a taxa de lucro cai, desvalorizam-se as terras, cai a queda da taxa de lucro, devido à queda de preços, que reduz as receitas e faz cair os preços, aumentando ainda mais o desemprego, reajustando para baixo o nível da produção. De modo que, então, o que nós estamos vendo agora na Argentina é a volta do Sr. Cavallo. Também ele quer ride again: Cavallo quer cavalgar o cavalo de novo. E como o Sr. Murphy sabia ser incapaz de administrar o caos, chamaram de volta o Sr. Cavallo. Entre outras coisas nesse caminho, Cavallo já havia vendido seu plano para o Presidente do Equador, por US$500 mil. Bucaran, el loco, pagou US$500 mil ao Sr. Cavallo por esse plano xerocado do FMI. De modo que agora reassume o Sr. Cavallo. Pelo menos US$500 mil a mais ele tem, porque Bucaran, el loco, pagou a ele.

Também no Equador, tal como no Peru, essa aplicação da camisa-de-força neoliberal deu no que deu. Fujimori, El Chino, também de dupla nacionalidade, o que fez depois de sua reeleição? Tratou de preparar a fuga para sua terra natal, para o Japão, onde se encontra homiziado.

Pois bem, eu iria falar; não vou mais. Sei que sou muito lento em relação ao tempo. A culpa é minha, e não do tempo. O tempo, aliás, não pode ser culpado de nada. Nascemos pelo tempo, nossa gestação é produto do tempo, e o tempo que nos produziu desde o princípio, desde o óvulo e o espermatozóide, também nos levará. E agora vai me levar mais depressa, porque eu tinha aqui a mostrar a experiência do Gortari na Argentina, com sua cunhada, com seu irmão, grandes esperanças do PRI, estão todos foragidos, bandidos, assaltantes.

Eu ia também mostrar como estamos cercados por todos os lados. O que acontece lá na Colômbia com a FARC, o que acontece no México com Chiapas e com o movimento zapatista, o que acontece na Argentina, onde até os aposentados fazem greve, até os aposentados vão para a rua e levantam a sua bandeira, a bandeira de quem se recusa a morrer de fome, tal como acontecerá agora no Brasil, onde mais uma mordida nos aposentados está sendo preparada por esse Governo neoliberal.

De modo que teria muito assunto para tratar e mostrar que estamos aqui nessa ilha cercada de perigos por todos os lados. E os perigos vão se aproximando, e as medidas vão se esgotando. De dois em dois anos há uma nova posse com anúncio de um novo programa, com novas promessas, que o tempo logo em seguida desmoraliza.

Eu ia mostrar essa nossa crise, a crise do nosso desemprego - somos bem remunerados, mas estamos desempregados, estamos sem trabalho. Tudo isso faz parte de um conjunto muito perigoso que está ladrando lá fora, que está gritando lá fora e nós aqui fazendo ouvidos moucos, como se nada fosse capaz de perturbar nosso futuro tranqüilo, brilhante e inútil.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/03/2001 - Página 3521