Discurso durante a 37ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGENS PELO TRANSCURSO, HOJE, DO DIA NACIONAL DO INDIO. REGISTRO DO QUINTO ANIVERSARIO DO MASSACRE DE ELDORADO DOS CARAJAS.

Autor
Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. REFORMA AGRARIA. JUDICIARIO.:
  • HOMENAGENS PELO TRANSCURSO, HOJE, DO DIA NACIONAL DO INDIO. REGISTRO DO QUINTO ANIVERSARIO DO MASSACRE DE ELDORADO DOS CARAJAS.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2001 - Página 6673
Assunto
Outros > HOMENAGEM. REFORMA AGRARIA. JUDICIARIO.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, INDIO.
  • REGISTRO, ANIVERSARIO, HOMICIDIO, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, MUNICIPIO, ELDORADO DOS CARAJAS (PA), ESTADO DO PARA (PA), AUTORIA, POLICIA MILITAR.
  • CRITICA, IMPUNIDADE, HOMICIDIO, SEM-TERRA, AUMENTO, VIOLENCIA, CAMPO.
  • REGISTRO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, BRASIL, MUNDO, DATA, ANIVERSARIO, HOMICIDIO, SEM-TERRA, LUTA, REFORMA AGRARIA.
  • APOIO, REIVINDICAÇÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, MANIFESTAÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • DEFESA, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, TRANSFERENCIA, JUSTIÇA FEDERAL, JULGAMENTO, CRIME, VIOLENCIA, DIREITOS HUMANOS.

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, quero fazer uma homenagem singela, mas sincera, ao Dia Nacional do Índio, que se comemora hoje.

Desde o descobrimento do Brasil, as nações indígenas têm sido vítimas da ação gananciosa dos poderosos. Aqueles que são os verdadeiros donos desta terra sofrem há 500 anos, desde que aqui desembarcaram os espanhóis, os portugueses, os franceses, os holandeses, enfim, os europeus que vieram colonizar a nossa terra. Naquela época, as nações indígenas começaram a ser dizimadas e hoje estão praticamente em extinção. Portanto, as nossas homenagens aos nossos índios, os verdadeiros brasileiros.

Embora um pouco tardiamente, pois não tive oportunidade de falar no dia 17 de abril, gostaria de referir-me ao quinto aniversário do massacre de Eldorado dos Carajás, uma ação nefasta, um assassinato em massa de trabalhadores rurais praticados pela Polícia Militar do Pará.

Há cinco anos, no dia 17 de abril de 1996, foram brutalmente assassinados em Eldorado dos Carajás, no Pará, 19 trabalhadores rurais, no episódio que ficou conhecido como o “massacre de Eldorado dos Carajás”.

Como é do conhecimento de todos, mas apenas para relembrar os motivos - fúteis, por sinal - que levaram à barbárie daquela chacina, no mês de abril daquele ano, um grupo de 1500 sem-terra que se encontrava acampado na Fazenda Macaxeira, em Curionópolis, saiu em caminhada até a capital do Estado, Belém, com o objetivo de pressionar para que terras fossem desapropriadas na região. E uma pausa da caminhada, os sem-terra montaram acampamento próximo à cidade de Eldorado dos Carajás, reivindicando ao governo estadual transporte para chegar até Belém. Como demoraram para ser atendidos, resolveram montar um bloqueio na rodovia, a fim de pressionar as autoridades. Para forçar os trabalhadores a deixarem o local, a Polícia Militar, sob o comando do coronel Mário Pantoja, surpreendeu-os com um batalhão de cerca de 250 homens, armados com fuzis, escopetas e metralhadoras.

Sob bombas de efeito moral, os sem-terra resolveram reagir atirando pedras. A polícia, então, partiu para a ofensiva, atirando para matar, numa verdadeira operação de guerra. O resultado teve repercussão internacional: 19 pessoas morreram e mais de 60 ficaram feridas.

Esse conflito foi o apogeu de uma sucessão de episódios que transformaram o Pará, já em 1979, no Estado campeão de violência no campo. A liderança em número de mortes só foi ameaçada em 1995, quando pistoleiros da região e integrantes da Polícia Militar de Rondônia mataram 12 pessoas na cidade de Corumbiara.

Passados cinco anos, até hoje nenhum dos policiais militares envolvidos no massacre está preso. O Governador Almir Gabriel foi reeleito e o comandante do policiamento, Coronel Pantoja, continua a exercer seu “ofício”. Aliás, o coronel e seus soldados ainda não prestaram contas à justiça. A prometida “apuração rigorosa” não passou de mera demagogia. Cobrar a punição dos assassinos é dever de toda a sociedade brasileira.

Deve-se destacar, também, que o Brasil é hoje o segundo país do mundo de maior concentração da propriedade da terra, só perdendo para o Paraguai. Segundo o Incra, 2% de proprietários rurais são donos de mais de 50% das terras. Como sempre tenho afirmado desta Tribuna, se o Governo Federal quisesse fazer de fato a reforma agrária, utilizando a lei agrária em vigor, desapropriando apenas as grandes propriedades, poderia desapropriar mais de 100 milhões de hectares, o que poderia beneficiar mais de 8 milhões de famílias, quando o País tem mais de 4 milhões de famílias que querem terras.

O dia 17 de abril foi transformado, pela Via Campesina, organização mundial de camponeses, no Dia Internacional de Luta Camponesa. Com isso, ocorreram várias manifestações nas capitais brasileiras e também em países como Espanha, Indonésia, Noruega, Uruguai e Canadá. No Brasil, fazem parte da Via Campesina o MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens, o MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores, o MMTR - Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais, e o MST.

No Rio de Janeiro, o ato foi realizado nas escadarias da Assembléia Legislativa; logo após, seguiu para o Tribunal de Justiça e, depois, para o Incra. O MST cobrou resposta sobre uma pauta de reivindicações deixada em março de 2000, durante a Jornada de Luta das Mulheres Sem Terra. Como também foram ao Governador Garotinho exigir o assentamento das famílias acampadas na Fazenda da Ponte, em Resende (Acampamento Terra Livre); agilização do Projeto de Assentamento Antônio Farias (Campos dos Goytacazes); crédito para os assentados; escolas; postos de saúde; assistência técnica; vistoria de novas áreas para desapropriação; titulação dos assentamentos; recuperação das lagoas e tratamento da água e reflorestamento.

O MST, além de protestar contra a impunidade dos responsáveis pelo massacre, exigindo a prisão para os assassinos do massacre de Eldorado dos Carajás, pretende também:

-     Exigir a CPI da corrupção urgente - os camponeses vão lutar pela CPI para apurar denúncias de corrupção no Governo Federal, como no caso da Sudam;

-     Lutar contra as importações agrícolas;

-     Reivindicar uma política agrícola que incentive a agricultura familiar;

-     Denunciar o uso de transgênicos - alertar a sociedade para os perigos e o monopólio. A Via Campesina luta pelo direito de produzir alimentos saudáveis, preservando a vida dos seres humanos e do meio ambiente;

  Lutar contra a Alca, e

  Dizer não ao pagamento da dívida externa.

Srªs e Srs. Senadores, a história da luta pela terra em nosso País tem sido escrita com sangue. Não foram poucos os que tombaram, até agora, pelos seus ideais, sendo que um dos casos que merecem destaque é o da sindicalista Margarida Maria Alves, trabalhadora rural, rendeira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, Paraíba, que foi assassinada no dia 13 de agosto de 1983 pelos jagunços Amaro José do Rego e Amauri José Rego, ambos foragidos da justiça desde a data do crime.

O crime foi encomendado por latifundiários da região, sendo que o principal acusado é o Sr. José Buarque de Gusmão Neto, conhecido como Zito Buarque. Dizem que o motivo do assassinato estaria ligado ao fato de a companheira Margarida Maria Alves defender direitos do trabalhador sem terra como o registro em carteira, a jornada de oito horas, o décimo-terceiro salário e férias, entre outros.

A história desse processo criminal nos causa espanto, pois no primeiro júri o acusado Zito Buarque foi absolvido. Os advogados da CUT recorreram da sentença. Porém, o julgamento desse processo foi adiado várias vezes nos últimos anos. Parece-me que está previsto um novo júri, na cidade de João Pessoa, nos dias 7 a 11 do próximo mês, conforme fui informado pelos advogados da CUT.

Vejam, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse caso vai completar 18 anos e, até hoje, os assassinos não foram presos. Temos outros exemplos, como os mortos de Eldorado dos Carajás; os de Corumbiara; os presidentes do Sindicato de Rio Maria João Canuto e Expedito Ribeiro; o Padre Josimo e o Deputado Paulo Fonteles. Segundo denúncia da Pastoral da Terra, de 1985 a 1995 foram assassinadas 922 pessoas no campo, somando-se mais de 820 registros de tentativas de assassinato e 2.412 ameaças de morte. Em razão desses crimes, apenas 57 pessoas foram processadas e tão-somente 12 condenadas.

Portanto, a impunidade tem caminhado ao lado da violência, o que acaba por significar estímulo a novas ações criminosas dos latifundiários, que contam ainda com um Judiciário lento e omisso na apreciação dos litígios.

O massacre de Eldorado dos Carajás fez cinco anos e todos os acusados continuam impunes, sendo que uma das causas da impunidade é a submissão de alguns juízes aos latifundiários.

Em agosto de 1999, foram julgados três oficiais da Polícia Militar do Estado do Pará. Aquele julgamento, qualificado pela imprensa e denunciado pelas entidades de direitos humanos como uma “farsa”, foi anulado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará, porque o magistrado não agiu conforme a lei.

Todos sabemos que o Poder Judiciário é lento e ineficiente, especialmente quando trata das questões ligadas aos mais humildes.

Existe uma Proposta de Emenda à Constituição, a nº 29/2000, tramitando no Senado, que propõe a transferência do julgamento dos crimes contra os direitos humanos para a Justiça Federal. Esses crimes (neste caso, todos os crimes praticados contra os trabalhadores que participam da luta pela reforma agrária) serão julgados pelo juiz ou juíza federal, que, em tese, e porque estarão longe da sede da fazenda, poderão julgar com imparcialidade.

Por outro lado, esse projeto é importante pois vai passar a responsabilidade para o Governo Federal, e as primeiras investigações serão realizadas pela Polícia Federal, que, também em tese, está mais preparada e também mais longe da sede da fazenda.

A Proposta de Emenda à Constituição nº 29/2000 aguarda parecer do Exmº Sr. Senador Bernardo Cabral na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Acredito que haja empenho dos membros desta Casa para a apreciação e aprovação dessa PEC, que transfere a competência dos crimes contra os direitos humanos para a Justiça Federal, que poderá demonstrar maior imparcialidade no tratamento dos processos que envolvem graves violações aos direitos humanos.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2001 - Página 6673