Pronunciamento de Ademir Andrade em 30/04/2001
Discurso durante a 43ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
REVERENCIAS A MEMORIA DO HISTORIADOR CAIO PRADO JUNIOR.
- Autor
- Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
- Nome completo: Ademir Galvão Andrade
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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HOMENAGEM.:
- REVERENCIAS A MEMORIA DO HISTORIADOR CAIO PRADO JUNIOR.
- Publicação
- Publicação no DSF de 01/05/2001 - Página 7633
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
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- HOMENAGEM POSTUMA, CAIO PRADO JUNIOR, HISTORIADOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB - PA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em tempos de muita descrença nas instituições, de exacerbado individualismo, de verdadeira sacralização do mercado, de tantas e tantas denúncias de improbidade e de malversação de recursos públicos, nesses tempos difíceis em que o efêmero tende a ocupar o espaço do permanente e em que a ânsia de ser moderno subjuga e maltrata o que deveria ser eterno, é bom falar de alguém que, ao longo de uma vida de oitenta e três anos, não foi outra coisa senão o valente lutador das causas justas, o incansável peregrino da liberdade, o sábio que procurava conhecer para poder compreender a vida e o mundo.
É bom poder reverenciar a memória de alguém como Caio Prado Júnior.
Nascido no berço esplêndido de uma das mais poderosas, ricas e influentes famílias de São Paulo, Caio Prado Júnior tinha tudo para usufruir as benesses de uma vida sem o menor resquício de dificuldades materiais. Sua iniciação nos estudos se fez à maneira das famílias aristocráticas da época: ao menino nascido em 1907 não foi dado freqüentar grupo escolar; preceptores cuidadosamente selecionados encarregaram-se de sua alfabetização, ao mesmo tempo em que lhe ministravam as aulas particulares de idiomas, a começar pelo francês.
Mal saído da adolescência, Caio Prado Júnior sinaliza para o que seria sua vida dali em diante. A partir da sólida formação secundária que o tradicional Colégio São Luís lhe proporcionou, ingressa na respeitável Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, no que, aliás, seguia os passos de seus iguais. Afinal, as famosas arcadas sempre receberam os filhos da elite paulista, formando gerações e mais gerações de juristas e de destacados homens públicos. Todavia, já como estudante universitário, em pleno início da juventude, Caio haveria demonstrar pendores que, por certo, a muitos assustaria.
Estávamos na efervescente década de 1920. Os estragos ocasionados pela Grande Guerra de 1914-1918, manifestavam-se por todos os lados. Crise econômica - que encontraria sua culminância em 1929 e na Grande Depressão dela decorrente - e gigantesca instabilidade política apontavam para a falência dos regimes liberais e democráticos. Na esteira da ascensão de Benito Mussolini ao poder na Itália, em 1922, sucediam-se os regimes fascistas, de que o nazismo alemão foi expressão máxima. Enquanto a Revolução Bolchevista procurava se firmar na nascente União Soviética, o totalitarismo de direita ganhava terreno.
O Brasil, embora país periférico, não ficou imune a esse turbilhão. Era a década do esgotamento final da República Velha, plenamente dominada pelas “carcomidas” oligarquias. Não por acaso, num mesmo ano, 1922, explode o Movimento Tenentista; de franca repulsa ao estado de coisas vigentes no país; é criado, no Rio de Janeiro, o Centro Dom Vital, em torno do qual se estrutura o pensamento católico fortemente influenciado pelas teses fascistas; formaliza-se a fundação do Partido Comunista, pólo aglutinador do movimento de esquerda; em São Paulo, é lançada a Semana de Arte Moderna, marco exponencial do que se poderia chamar de “invenção” de uma cultura brasileira. Nesse caldeirão de idéias, move-se o jovem Caio Prado, sempre militante das causas transformadoras da sociedade brasileira.
A militância política cedo começou. Primeiro, no Partido Democrata, alternativa de São Paulo ao velho Partido Republicano Paulista, um dos principais sustentáculos da República oligárquica. Vem daí sua primeira prisão política, a primeira entre muitas que viriam: deu vivas a Getúlio Vargas, o candidato oposicionista, em plena convenção do PRP que homologou a candidatura oficial de Júlio Prestes à presidência da República. Nos anos trinta, assume o marxismo como concepção de História - que o acompanhará por toda a vida - e, em relação à militância política, filia-se ao Partido Comunista.
É correto dizer, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, que a trajetória de Caio Prado Júnior comporta três faces, sempre convergentes, de uma vigorosa atuação pública. Como empresário de sucesso, seu nome está definitivamente ligado à Livraria Brasiliense e, posteriormente, à editora do mesmo nome. Para dar mais eficiência ao trabalho a que se entregou de corpo e alma tratou de montar uma gráfica - a Urupês -, onde foram impressos alguns títulos que se inscreveram em nossa história intelectual e acadêmica. Ao fundar a Revista Brasiliense, ofereceu ao Brasil a possibilidade de entrar em contato com autores e idéias comprometidos com a construção de uma sociedade mais justa e democrática.
Como militante político, Caio Prado Júnior deu incontáveis provas de extremada lealdade aos princípios nos quais acreditava. Militante comunista, jamais foi sectário. Eleito deputado em São Paulo, em 1945, sofreu a violência da cassação do mandato, quando o Partido Comunista teve seu registro suspenso. Intelectual marxista, jamais admitiu a transposição mecânica de conceitos e modelos teóricos para a análise da realidade brasileira. Também nisso residia a grandeza do verdadeiro sábio. Justamente por assim ser, conseguiu construir uma obra que se tornou atemporal, clássica em todos os sentidos, voltada para a interpretação do Brasil.
Aí está, penso eu, a contribuição mais expressiva que Caio Prado Júnior ofereceu ao seu País. Autor de incontáveis artigos, publicou dezesseis livros, alguns dos quais consensualmente considerados seminais. Muito jovem ainda, publicou um trabalho, Evolução Política do Brasil, em 1933, obra que forma com Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freire, e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda, as três publicadas no mesmo contexto histórico, a trilogia redefinidora do Brasil.
Eterno viajante, Caio acreditava que para escrever sobre o Brasil e sua gente era indispensável conhecer todo o país. Assim como fez em relação ao mundo, não mediu esforços em conhecer sua terra por inteiro. Formação do Brasil Contemporâneo, de 1942, História Econômica do Brasil, de 1945, e, sobretudo, A Revolução Brasileira, de 1966, são obras maiores, sem as quais o esforço de interpretação do Brasil torna-se infrutífero.
Ao morrer, em 1990, Sr. Presidente, Caio Prado Júnior não deixou apenas uma vasta e riquíssima obra publicada. Ficou o legado de quem, por autêntica rebeldia moral, abraçou a causa das transformações estruturais de que o Brasil tanto carece. Ficou o exemplo de quem jamais compactuou com quaisquer formas de repressão e de arbítrio, mesmo que isso lhe custasse perseguições, prisões e exílio. Ficou a herança de um trabalho intelectual cujo maior compromisso era a construção de um instrumental para a análise da realidade brasileira que servisse de base, sobretudo, a socialistas e democratas.
Começando e terminando sua carreira como historiador, Caio Prado Júnior nos fez mais brasileiros, ao nos ajudar a compreender melhor nossa trajetória histórica. Poucos conseguiram fazer tanto por sua gente e seu País. Poucos sonharam e lutaram tanto pela generosa utopia de construção de um mundo melhor, justo e fraterno para todos.
Muito obrigado.