Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

DEFESA DA REALIZAÇÃO DE ESTUDO MINUCIOSO PARA A REVITALIZAÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO.

Autor
Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • DEFESA DA REALIZAÇÃO DE ESTUDO MINUCIOSO PARA A REVITALIZAÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO.
Publicação
Publicação no DSF de 23/06/2001 - Página 13921
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUMENTO, PROBLEMAS BRASILEIROS, CRISE, ENERGIA ELETRICA, SECA, FOME, VIOLENCIA.
  • ANALISE, REDUÇÃO, AGUA, MUNDO, MOTIVO, AUMENTO, POLUIÇÃO, CONSUMO.
  • ANALISE, REDUÇÃO, REFERENCIA, VOLUME, AGUA, NAVEGABILIDADE, PEIXE, RIO SÃO FRANCISCO, MOTIVO, CONSTRUÇÃO, REPRESA, COMPANHIA HIDROELETRICA DO SÃO FRANCISCO (CHESF), RESULTADO, PREJUIZO, RENDA, PESCADOR, MUNICIPIO, PENEDO (AL), ESTADO DE ALAGOAS (AL), DESACELERAÇÃO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
  • NECESSIDADE, RECUPERAÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, BENEFICIO, MELHORIA, PESCA, NAVEGABILIDADE, AUMENTO, VOLUME, AGUA, REALIZAÇÃO, TRANSPOSIÇÃO, AUXILIO, ESTADOS, SECA, REGIÃO NORDESTE.

O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esta tribuna aqui ultimamente mais parece um muro de lamentações. A cada dia que passa, os Senadores vêm aqui para lamentar as mais variadas situações: a violência urbana, a impunidade, a seca do Nordeste, as péssimas condições das estradas, a situação da saúde da população brasileira, enfim, um rosário de lamentações que se desfila aqui por esta tribuna do Senado.

Tenho acompanhado pela imprensa todas as reportagens sobre a situação de seca, miséria e fome que assola o povo brasileiro, principalmente o nordestino. Ainda hoje, recebi das mãos de um jornalista aqui de Brasília o exemplar de um jornal com uma reportagem que nos dá conta de uma comunidade do Entorno do DF, com 55 mil habitantes, onde 13.750 pessoas estão desempregadas, ou seja, 25% da população. Essa é a realidade hoje do nosso País.

O Senador Ney Suassuna tem ocupado a tribuna, semanalmente, para abordar a questão da falta de água no Nordeste.

Na semana passada, estive em Pernambuco, para participar de uma audiência pública da CPI do Futebol, ocasião em que nossos companheiros nos informaram que, naquele Estado, havia mais de 100 cidades em estado de calamidade pública. Na Paraíba, são 128 Municípios na mesma situação, assim como no Rio Grande do Norte. É uma situação realmente assustadora. E não nos parece que haja alguma decisão que aponte para uma solução imediata. Ainda há o problema da falta de energia elétrica, que se iniciou com o racionamento e poderá acabar com os “apagões” nas grandes cidades, que poderá perdurar por todo o ano de 2001 e entrar até o ano 2002.

É lamentável que a população tenha de pagar o preço pelo descaso e pela falta de responsabilidade do Governo FHC e seus Ministros.

O tema principal que quero abordar é a questão do rio São Francisco. Não pertenço à Bancada nordestina, sou representante do Estado do Rio de Janeiro, mas a situação do rio São Francisco chama a atenção de toda a Nação.

A humanidade encontra-se num momento de definição histórica. Defrontamo-nos com a perpetuação de disparidades existentes entre as nações e no interior delas, o agravamento da pobreza, da fome, das doenças e do analfabetismo, e, com isso, a deterioração contínua dos ecossistemas de que depende o nosso bem-estar.

Não obstante, caso se integrem as preocupações relativas ao meio ambiente e desenvolvimento e a elas se dedique mais atenção, será possível satisfazer necessidades básicas, elevar o nível de consciência de todos a um projeto de desenvolvimento sustentável e socialista.

As últimas décadas têm sido de períodos de reflexão em nível internacional sobre o meio ambiente. Verificamos que estamos prejudicando o nosso planeta. Cada vez mais nós nos damos conta de que a Revolução Industrial mudou para sempre a relação entre o homem e a natureza, pois o processo capitalista de produção no mundo está mudando as condições básicas que possibilitaram o aparecimento de vida sobre a Terra.

Percebemos que a água doce constitui um componente essencial da hidrosfera da Terra e parte indispensável de todos os ecossistemas terrestres. O meio de água doce caracteriza-se pelo ciclo hidrológico, que inclui enchentes e secas, cujas conseqüências se tornaram mais extremas e dramáticas em algumas regiões. Percebe-se são os recursos hídricos estratégicos para as futuras nações modernas do nosso Planeta, pois a água é necessária em todos os aspectos da vida.

Hoje, metade da população mundial (mais de três bilhões de pessoas) enfrenta problemas de abastecimento de água. Muitas fontes de água doce estão poluídas ou simplesmente secaram. Pelo menos 80 países vão sofrer problemas por escassez de água em um futuro próximo, segundo dados do Banco Mundial.

Temos um exemplo bem próximo: Recife, capital de Pernambuco, em vários períodos do ano, é submetida a um racionamento rigoroso; em outros, não tem água mesmo.

Impressiona o fato de que 97% da água existente no planeta Terra é salgada (mares e oceanos); 2% formam geleiras inacessíveis e apenas 1% é água doce, que se encontram armazenadas em lençóis subterrâneos, rios e lagos. Pois bem, temos apenas 1% de água distribuída desigualmente pela Terra para atender a mais de 6 bilhões de pessoas, que é a população mundial.

Com toda a certeza, os focos principais do problema estão na situação de 1,4 bilhão de pessoas que, hoje, não têm acesso à água em boas condições; nos 2,4 bilhões de seres que não dispõem de saneamento básico; e nos 7 milhões que morrem, a cada ano, de doenças veiculadas pela água (no Brasil, a maior parte das internações na rede pública de saúde tem essa causa, assim como 80% das consultas pediátricas).

O consumo mundial de água cresceu em mais de seis vezes entre 1900 a 1995. Cresceu mais do que o dobro das taxas de crescimento da população e continua a crescer rapidamente com a elevação do consumo de setores agrícolas, industriais e residenciais.

Nosso debate reside, então, na identificação de mecanismos que possam garantir a disponibilidade desse recurso no presente e, principalmente, para as futuras gerações.

            Porém, Sr.ª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, chamo a atenção para a situação do rio São Francisco, conhecido como o “Rio da Unidade Nacional” ou, simplesmente, “Velho Chico”. Ele está perdendo a sua força, seu leito se esvazia e fica raso. Segundo artigo do Engenheiro agrônomo, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, Sr. João Suassuna:

Algumas questões tratadas despertaram preocupação. Refere-se às questões do ambiente físico do rio, bem como da continuidade da preservação da vida que no seu meio prolifera - principalmente dos peixes - e, como não podia deixar de ser, das dificuldades encontradas pelo pescador que nele labuta, na sua luta constante e incansável em busca da sua sobrevivência.

A cidade de Penedo fica localizada no Estado de Alagoas, às margens do São Francisco, distando aproximadamente a 42km de sua foz, distância suficiente para se ter, naquela localidade, a influência das marés. Chamou-nos a atenção a existência de enormes bancos de areia formados em alguns locais do seu leito, em frente à cidade, oriundos, provavelmente, dos desbarranqueamentos de suas margens, motivados por desmatamentos criminosos em áreas preservadas por lei. O resultado dessa formação de areia reflete-se na dificuldade de navegação do rio, principalmente com embarcações de grande calado, que transportam cargas pesadas, numa prova inequívoca da necessidade de se tomar medidas urgentes para se reverter esse quadro que preocupa todos.

Para se ter idéia da magnitude do problema, as balsas que transportam veículos de Penedo para o Estado de Sergipe, e vice-versa, fazem um percurso completamente fora de propósito, desviando os bancos de areia e tornando, com isso, o percurso oneroso, demorado e, como se isso não bastasse, perigoso. Comenta-se que a profundidade do rio, em frente a Penado, é da ordem de 1,80 m.

Ainda sobre os bancos de areia, foi feito um relato interessante de um pescador penedense, Seu Toinho, figura muito querida na localidade. Segundo ele, após a construção, pela Chesf, das represas para geração de energia elétrica, o São Francisco deixou de ter enchentes naturais (a última foi em 1975), o que dificultou sobremaneira a dragagem natural dos bancos de areia do rio, a qual era realizada, antes da construção das represas, pela força natural das águas em suas enchentes. Por esse motivo, a Chesf será questionada, em juízo, pela colônia de pescadores, para promover enchentes artificiais retificadoras da calha do rio, com a passagem de um maior volume de água nas comportas das represas, como forma de solucionar o problema.

Após a construção das represas do sistema Chesf, o São Francisco ficou com sua vazão regularizada. Existe uma crítica muito forte, por parte dos que habitam as localidades ribeirinhas, de que o rio está correndo com pouca água. Essa questão vem despertando o imaginário das pessoas no sentido de começar a entender a razão da captura de peixes de espécies marinhas, como o Camurim e o Xaréu, em cidades distantes do estuário do rio, como ocorreu no Município de Porto Real do Colégio, a aproximadamente 100 Km de sua foz. Ora, se o peixe de água salgada consegue adentrar a uma distância de 100 Km do seu habitat é porque os níveis de sal nas águas do São Francisco estão tão elevados que possibilitam a formação de um ambiente favorável à sobrevivência de tais espécies naquele ambiente. Diante desse fato, está nos parecendo que as incursões das águas do mar para dentro do rio estão sendo maiores do que as incursões naturais das águas do rio em direção ao mar. Em outras palavras, o rio está perdendo essa luta.

Outro aspecto importante que mereceu nossa atenção foi o desaparecimento do pescado ao longo do rio. Segundo relato de Seu Toinho, que nasceu e se criou em Penedo e começou a pescar ainda criança, com a venda do pescado do São Francisco conseguiu criar uma família de onze filhos. Atualmente, um de seus filhos, que seguiu a profissão de pescador, casou e não está conseguindo criar o seu único filho. Segundo seu depoimento, com o problema das incursões marinhas e com a construção das represas que interferiram no fenômeno da piracema (traduzido pela interrupção da subida do peixe, rio acima, para desova e, conseqüentemente, perpetuação da espécie), o peixe está escasseando no rio, o que traz, como conseqüência, baixos níveis de renda para o pescador e, portanto, maiores dificuldades para criar sua família. Fatos como esses também estão sendo alvo de ações judiciais por parte dos pescadores, estando a Chesf intimada a indenizá-los, numa forma de cobrir parte de seus prejuízos.

Por questões como essas, julgamos imprescindível a realização de um estudo minucioso na bacia hidrográfica do São Francisco. Um estudo que viabilize a sua navegabilidade, revitalize suas margens, amplie seu volume com a melhoria da qualidade de suas águas e garanta o pescado, o que é mais importante, dê credibilidade ao Governo para propor a utilização de suas águas para fins de abastecimento das populações na tão falada transposição de águas de sua bacia. Só por intermédio de estudos como esses é que realmente podemos vislumbrar saídas dignas e racionais para o uso de águas do chamado rio da integração nacional.

            O Governo Federal deve priorizar a recuperação do rio, a sua revitalização, pois precisamos fazê-lo reviver os seus dias originais de esplendor, sem assoreamento, sem depredações, podendo o Velho Chico cumprir o seu destino de alimentar uma grande parte da população brasileira.

            Muito obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/06/2001 - Página 13921