Discurso durante a 107ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa do fortalecimento da Agência Nacional de Petróleo - ANP, para viabilizar o combate às irregularidades no setor petrolífero brasileiro.

Autor
Carlos Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MT)
Nome completo: Carlos Gomes Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Defesa do fortalecimento da Agência Nacional de Petróleo - ANP, para viabilizar o combate às irregularidades no setor petrolífero brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 05/09/2001 - Página 20848
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • REGISTRO, INEFICACIA, ATUAÇÃO, AGENCIA NACIONAL DO PETROLEO (ANP), FISCALIZAÇÃO, VIGILANCIA, ACIDENTES, PREJUIZO, CIDADÃO, MEIO AMBIENTE, DEFESA, AUMENTO, PODER, GESTÃO, SETOR, PETROLEO, POSSIBILIDADE, PUNIÇÃO, IRREGULARIDADE.
  • ANALISE, FALTA, SEGURANÇA, ARMAZENAGEM, INFERIORIDADE, QUALIDADE, COMBUSTIVEL, POSTO DE GASOLINA, PROBLEMA, SONEGAÇÃO FISCAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CARLOS BEZERRA (PMDB - MT) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) foi criada para cumprir diversas atribuições, no meio das quais a vigilância em relação aos acidentes que atentem contra a segurança do cidadão, e o meio ambiente brasileiro se destaca como uma das mais relevantes. No entanto, as notícias que nos chegam a todo momento atestam quão frágeis estão as estruturas sobre as quais a ANP vem operando. Sem dispor de um poder institucional que imponha sanções rigorosas aos infratores, se vê progressivamente esvaziada de sentido e de propósito público.

            O apelo a uma maior agilização da agência ascendeu à condição de prerrogativa máxima. Isso exige disposição do Estado em delegar às estruturas gerenciais das agências não somente promessa de poder, mas poder efetivo transfigurado na forma de recursos financeiros e materiais e legislação suficientemente independente. Sob pena de ser vista como mais um aparelho burocrático fadado à sina do fisiologismo e do corporativismo, tão típicos da cultura política brasileira, a ANP deve, com urgência, ser dotada de verdadeiro poder administrativo, capaz de responder à altura da complexidade do setor petrolífero no Brasil. Cumpre frisar que o combate rigoroso às recorrentes irregularidades do setor contribuirá para a redução de riscos à população e ao meio ambiente.

            Não por acaso, o número de incidentes envolvendo a indústria petrolífera cresce assustadoramente no Brasil. Vazamentos de gás e de petróleo se transformaram em acontecimentos recorrentes, preenchendo os noticiários nacionais com vexatórios atestados de negligência e imprudência por parte das autoridades supostamente responsáveis e competentes.

            Isso para não mencionar a questão da qualidade da gasolina que é repassada dos postos aos motoristas brasileiros. A freqüência com que donos de postos são autuados por força de adulteração do conteúdo das bombas tem crescido a taxas muito altas nos últimos anos. Ao lado disso, acrescentam-se a freqüente falta de laudo de “estanqueidade”, que verifica se há vazamentos no local, problemas na parte elétrica, falta de extintores de incêndio em seu prazo de validade e irregularidades no alvará de funcionamento. Emblematicamente, São Paulo e Rio de Janeiro lideram a quantidade de postos em situação irregular.

            Pelo menos desde 1992, a imprensa e as ONGs do meio ambiente não hesitam em acompanhar, no Brasil, os desastres mais significativos contra nosso patrimônio ecológico. Isso se deve, em larga medida, aos efeitos políticos legados pela Eco-92, cujas denúncias contra o barbarismo ambiental cometido pela industrialização desenfreada se firmaram, de vez, como nova prática e, portanto, novo dever jornalístico. Já naquela época, se comentava muito sobre os riscos de vazamento de combustível dos postos de gasolina no Brasil, por causa da visível precariedade da infra-estrutura de segurança empregada na armazenagem subterrânea. Com uma tecnologia anacrônica, o monitoramento dos postos somente poderia ser garantido com a paralisação dos tanques, o que significava interrupção das vendas, portanto, interrupção dos lucros.

            Atualmente, o foco das discussões se deslocou ligeiramente da segurança da armazenagem para a qualidade do combustível comercializado nos postos. A própria ANP estima que cerca de 18 milhões de litros de gasolina adulterada são vendidos mensalmente na região metropolitana de São Paulo. Para se ter uma idéia da dimensão do problema, somente na capital paulista, mais de 10% dos postos sob checagem foram flagrados vendendo gasolina ou álcool fora das especificações legais. Nesse seleto grupo de transgressores, há aqueles que carregam uma triste marca: já foram fechados oito vezes.

            O mais absurdo de tudo é que, embora o Estado de São Paulo consuma 35% de todo o combustível usado no Brasil, existem apenas sete fiscais para sete mil postos de gasolina. À CPI dos Combustíveis, que foi instalada na Assembléia Legislativa paulista no início do ano, competia investigar o problema da evasão fiscal do mercado de combustível, cujo montante poderia chegar a 180 milhões de reais por ano. Pois não foi que, durante o desenvolvimento dos trabalhos, descobriu-se uma estreita conexão entre roubo de cargas (no caso, de álcool) e adulteração dos combustíveis?

            A legislação brasileira sobre o tema é inequívoca quando determina que o percentual de mistura de álcool com gasolina é de 22%. Acontece que se detectou que os carros nacionais suportam rodar, sem problemas, com até 26% de álcool misturado à gasolina, durante curto prazo de utilização. Isso, evidentemente, desperta o interesse generalizado dos donos de postos para a aquisição desse combustível adulterado e mais barato. A própria ANP já identificou postos comercializando gasolina com até 48% de álcool.

            Ora, tal qual a CPI dos Combustíveis, a ANP não dispõe de poder de polícia, o que, em certa medida, invalida qualquer iniciativa inibitória e repressiva contra práticas tão virulentas de comércio. Em abril último, o então Presidente da ANP, David Zylbersztajn, reconhecia publicamente a situação crítica de São Paulo, reafirmando que quase 10% do total de gasolina consumida na capital paulista era, de fato, adulterada. Na verdade, a cifra ganha contornos até muito modestos quando comparada com as projeções apontadas pelo Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo de São Paulo, que chega a alcançar o índice de 30%. Segundo o Sindicato, as quadrilhas têm alto conhecimento de química e agem com “extremo profissionalismo”.

            Mais grave ainda é a recente declaração do Sindicato das Distribuidoras de Combustíveis (Sindicom), segundo a qual as distribuidoras vão registrar uma queda atípica de 5% nas vendas para seus revendedores, num contexto paradoxal de expansão do PIB brasileiro. A contradição se explica por dois motivos básicos: de um lado, a alta dos combustíveis, de outro, a adulteração praticada por alguns postos. Se, para o fechamento de 2001, o Sindicom projeta uma queda de 7% na venda de gasolina, na venda de álcool a queda não fica por menos de quase 30%.

            Na realidade, com ou sem razão, o Sindicom não deixa de enfatizar que os problemas no setor foram inaugurados em 95, quando da abertura comercial que autorizou o surgimento de centenas de novas distribuidoras. Desde então, o mercado passou a operar com 210 distribuidoras e cerca de 26 mil postos revendedores. Em tempo, até 95, apenas 10 empresas dominavam todo o mercado brasileiro. De qualquer modo, por conta de uma expansão desorganizada e descontrolada, prevê-se, para este ano, uma perda estimada em um milhão e seiscentos mil reais de recursos arrecadados pelo Estado, correspondente ao valor de impostos sonegado pelas distribuidoras de combustíveis. Problema já antigo, a sonegação adquiriu, nos últimos anos, a companhia da adulteração de combustíveis entre as questões prioritárias para o setor.

            No Rio de Janeiro, o panorama não se diferencia muito. Cerca de 50% dos postos de gasolina se enquadram na categoria “bandeira branca”, cuja significação remonta à idéia de independência em relação às tradicionais distribuidoras de petróleo. Em meados de julho, a ANP implementou uma operação-relâmpago de fiscalização junto às principais saídas do Rio, montando barreiras com o propósito de apreender caminhões que transportam combustível adulterado. Após dez horas de operação, quase 20 caminhões foram apreendidos, entre os cerca de 500 fiscalizados.

            Do ponto de vista político-institucional, a ANP, por sua vez, parece dar a impressão de que prefere cruzar os braços diante do problema. Seu programa de monitoramento de combustíveis funciona com a assistência de apenas 15 universidades em todo o País. A alta rotatividade dos combustíveis nos postos exige uma dinâmica de coleta muito ágil e complexa, para a operacionalização da qual a ANP teria que alavancar uma sofisticada rede de investimentos. Pior que isso, cumpre admitir que, na ausência de um poder de polícia, a agência se vê destituída do poder indispensável de fechar postos. Resta-lhe apenas o dispositivo de lacrar bombas para evitar que o combustível chegue ao consumidor.

            Com o mesmo limite de poder, o monitoramento do órgão regulador sobre os preços praticados nos postos de 411 municípios do País se caracteriza por uma fragilização indiscutível. De fato, a retomada desse monitoramento em julho último se propôs a estender a tarefa para um âmbito mais largo, acompanhando também a evolução dos preços do álcool, do gás natural veicular, óleo diesel e gás liqüefeito de petróleo.

            Para a opinião pública, no entanto, o papel da ANP se aproxima muito da esfera da ação preventiva e punitiva do Poder Público, em se tratando de acidentes ambientais provocados por derivados de petróleo. Por essa janela específica, o olhar do cidadão identifica, acompanha e julga as movimentações do órgão. Nesse contexto, quando proliferam os acidentes envolvendo a Petrobrás e suas subsidiárias, com destaque para vazamentos de óleo em grandes quantidades, a opinião pública percebe a timidez com que a ANP se ocupa desses casos. De certo modo, isso enfraquece sua imagem pública, prejudicando sua luta por uma posição institucional que justifique, afinal de contas, sua existência.

            Consideremos, por exemplo, o caso do naufrágio da plataforma petrolífera P-36, em março último, no litoral fluminense. O relatório final, divulgado há menos de um mês pela ANP em conjunto com a Marinha, aponta defeitos de manutenção, de operação e de projeto da plataforma, além da visível falta de treinamento da equipe de emergência. Sem sombra de dúvida, tal relatório contrastava em muito com outro, publicado anteriormente pela Petrobrás. Ora, enquanto este suavizava as responsabilidades da empresa no acidente, o da ANP, ao contrário, imputava claramente graves negligências e imprudências ao gerenciamento da plataforma. Pois bem, diante de tudo isso, a opinião pública nutriu a vã expectativa de que a ANP fosse mais além em seus compromissos de fiscalização, impondo sanções severas às trapalhadas da Petrobrás.

            Para concluir - Senhor Presidente -, gostaria de apenas enfatizar a necessidade de o Governo Federal dotar seu sistema de agências de dispositivos administrativos, jurídicos e econômicos à altura de seus desafios, sob o iminente risco de testemunhar o colapso moral de suas funções institucionais. Porque possui vitrines muito próximas ao crivo da imprensa e da opinião pública, a ANP experimenta, nos dias atuais, momentos intermitentes de desgaste e de torpor, que podem, em curto prazo, corroer por completo sua eficácia institucional e política. Contra isso, por fim, teremos que nos mobilizar, visando à definitiva instalação de uma agência nacional, cuja maior ocupação seja a real fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo.

            Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.


            Modelo17/27/245:28



Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/09/2001 - Página 20848