Discurso durante a 136ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Premência na efetiva vigência da Lei 9.974, de 2000, que ordena o recolhimento adequado das embalagens de produtos agrotóxicos.

Autor
Carlos Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MT)
Nome completo: Carlos Gomes Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Premência na efetiva vigência da Lei 9.974, de 2000, que ordena o recolhimento adequado das embalagens de produtos agrotóxicos.
Publicação
Publicação no DSF de 18/10/2001 - Página 25368
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, ILEGALIDADE, PRORROGAÇÃO, IMPLANTAÇÃO, LEGISLAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, UTILIZAÇÃO, EMBALAGEM, AGROTOXICO, REDUÇÃO, DOENÇA, MORTE, AGRICULTOR, SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, GOVERNO, MOTIVO, ADIAMENTO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CARLOS BEZERRA (PMDB - MT) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o Brasil é um país curioso. Aqui, por exemplo, certas leis não pegam. O que significa isso, na prática? Significa que quem tem a responsabilidade de fazer cumprir a lei não cumpre essa obrigação. Refiro-me, obviamente, ao Poder Executivo, a quem cabe o que, em inglês, se chama law enforcement, expressão sem paralelo no nosso idioma, que significa fazer com que as leis aprovadas pelo Parlamento sejam cumpridas pelo cidadão comum.

            A Lei n.º 9974, de 2000, por exemplo, sancionada em junho do ano passado, deveria ter começado a ser aplicada no início deste ano, ordenando o recolhimento adequado das embalagens de produtos agrotóxicos. Não foi. O Governo Federal adiou a sua aplicação para 31 de maio. Depois, postergou novamente a sua efetiva vigência para 31 de maio do próximo ano, alegando a necessidade de dar mais prazo aos governos estaduais e ao setor produtivo para se estruturarem com vista ao cumprimento das normas de segurança e de proteção ao meio ambiente ali previstas.

            Na verdade, o que parece é que, segundo informação do jornal Gazeta Mercantil, o Governo não fez o dever de casa. Ainda não concluiu o texto do Decreto que deverá regulamentar as Leis nº 9974, de 2000, e nº 7802, de 1989, a legislação atual e moderna que o Congresso brasileiro criou sobre os agrotóxicos e a disposição de suas embalagens. E, não tendo cumprido o seu papel, prorrogou, por vias oblíquas, de maneira espúria, um prazo estabelecido em lei, que, rigorosamente, só pode ser alterado por uma nova lei, não pela vontade do governante no exercício do poder.

            Mas, como eu disse no início deste pronunciamento, o Brasil é um país curioso... Tão curioso que uma lei que trata de assunto de tal gravidade tem a sua efetiva vigência postergada pela autoridade que deveria se empenhar para garantir o seu cumprimento, com a maior urgência e seriedade, com todos os prazos nela determinados. Tão curioso que a autoridade que deveria zelar pelo cumprimento da lei é a primeira a descumpri-la.

            Refiro-me à letalidade decorrente do manuseio incorreto de agrotóxicos e de suas embalagens. Dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas, do Ministério da Saúde, revelam que, do total de intoxicações humanas ocorridas em 1997, apenas 7,3% foram devidas a agrotóxicos. Entretanto, esses parcos 7,3% foram responsáveis por nada menos que 33,84% do total de óbitos por intoxicação naquele ano.

            Segundo a Gazeta Mercantil de 1º de agosto passado, dados da Fundação Oswaldo Cruz apontam 4,1 mil casos de intoxicação por agrotóxicos no Brasil, em 1999. Mas algumas Organizações Não-Governamentais contestam esse número. Segundo uma fonte da AS-PTA, entidade voltada para o desenvolvimento da agricultura, a Organização Mundial de Saúde estima 300 mil casos por ano no Brasil.

            Ainda que alguns números sejam discutidos, como se vê, estamos lidando com assunto de alta periculosidade. E, a propósito, quero lembrar aqui o argumento do saudoso Governador Mário Covas que iluminou esta Casa com suas idéias ao se posicionar em relação à pena de morte. Dizia Covas que um único erro judiciário, que levasse à morte um só inocente, era suficiente para que ele fosse contrário à adoção dessa forma de punição em nosso País.

            Eu digo, Sr. Presidente, que uma única morte no campo, em decorrência da não aplicação imediata dessa legislação, é suficiente para que eu me insurja contra o adiamento que fez o Governo Federal. Isso sem contar todos os demais prejuízos pela demora na implementação da lei.

            Digo mais, que o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso está a dever boas explicações ao Congresso Nacional por não ter obedecido à lei que aqui foi votada por Deputados e Senadores, seriamente intencionados a proteger a saúde e a vida do homem do campo e o meio ambiente.

            Tal é o espírito das autoridades no Brasil. Em vez de se empenhar em cumprir a legislação que protege a vida e o meio ambiente, concede-se que se demore mais um ano em fazer com que ela se cumpra, quando o correto seria cobrar das empresas produtoras e dos Estados que criassem mecanismos de emergência para atender as determinações legais. Isso serviria, inclusive, de estímulo a que se apressassem em criar a estrutura permanente necessária para dar destino às embalagens desses produtos.

            Afinal, não estamos falando de pouca coisa. O Brasil comercializa 115 milhões de embalagens de agrotóxicos por ano, das quais apenas 20% são atualmente recicladas. A venda desses produtos no País é responsável por um volume de negócios em torno de US$2,5 bilhões, segundo dados publicados pela Gazeta Mercantil. É muito material a ser adequadamente descartado, num mercado bilionário, em que não se pode dizer que faltem recursos às empresas para o correto e rápido cumprimento da lei.

            Mas esta é outra das características do Estado brasileiro. A tolerância para com os grandes é constante, restando para os pequenos os rigores da lei ou até mesmo o desrespeito a ela, como acontece no caso presente. O agricultor, pequeno e pobre, continua exposto aos graves perigos do veneno porque os grandes e ricos precisam de tempo para cumprir a lei como melhor lhes convier.

            Não posso me calar, Sr. Presidente, diante de tanto desrespeito. Desrespeito para com a Casa, na qual exercemos mandatos populares, desrespeito para com a lei e, sobretudo, desrespeito para com a população que nos conferiu os mandatos que hoje exercemos.

            É urgente e imprescindível que o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso se explique. Quero ver se é capaz de encontrar boas justificativas, justificativas que convençam este Parlamento de que agiu bem ao prorrogar, no meu entender, de maneira ilegal, a entrada em vigor da Lei nº 9974.

            Entendo que merecemos uma satisfação. Entendo que o homem do campo merece uma satisfação. Entendo que toda a sociedade brasileira merece uma satisfação, porque esse problema é, afinal, do interesse de todos os brasileiros. E espero que, a exemplo do que foi feito com a vigência da lei, não se postergue essa resposta para o ano que vem.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.


            Modelo17/27/245:35



Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/10/2001 - Página 25368