Discurso durante a 147ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

ANALISE DO RELATORIO DA ANISTIA INTERNACIONAL, DIVULGADO NO ULTIMO DIA 19, QUE DENUNCIA A PRATICA DA IMPUNIDADE PELA JUSTIÇA E CASOS DE DESERESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS.

Autor
Geraldo Cândido (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Geraldo Cândido da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. COMERCIO EXTERIOR.:
  • ANALISE DO RELATORIO DA ANISTIA INTERNACIONAL, DIVULGADO NO ULTIMO DIA 19, QUE DENUNCIA A PRATICA DA IMPUNIDADE PELA JUSTIÇA E CASOS DE DESERESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS.
Publicação
Publicação no DSF de 02/11/2001 - Página 27447
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • COMENTARIO, RELATORIO, ORGANISMO INTERNACIONAL, ANISTIA, VIOLAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, TORTURA, AUTORIA, POLICIA, FORÇAS ARMADAS, IMPUNIDADE, OMISSÃO, INVESTIGAÇÃO, DENUNCIA.
  • REITERAÇÃO, DENUNCIA, ENTIDADE, IGREJA CATOLICA, VIOLENCIA, CRIME, CAMPO, VITIMA, TRABALHADOR RURAL.
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, GILBERTO SABOIA, SECRETARIO, DIREITOS HUMANOS, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), RESPONSABILIDADE, GOVERNO ESTADUAL, IMPUNIDADE, TORTURA.
  • COMENTARIO, DISCURSO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, VISITA OFICIAL, PARLAMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, ESPECIFICAÇÃO, NECESSIDADE, CONTROLE, DESEQUILIBRIO, ABUSO, MERCADO.
  • SOLICITAÇÃO, APOIO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, REFERENCIA, TARIFAS, IMPORTAÇÃO, PRODUTO AGRICOLA, COMBATE, CONCORRENCIA DESLEAL, SUBSIDIOS, PAIS ESTRANGEIRO.
  • CRITICA, DISCURSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEFESA, SOBERANIA NACIONAL, CONTRADIÇÃO, ACORDO, UTILIZAÇÃO, CENTRO DE LANÇAMENTO DE ALCANTARA (CLA), PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).

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            O SR. GERALDO CÂNDIDO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez assomo à tribuna para abordar assunto de extrema importância: a violação dos direitos humanos. Embora a ditadura militar tenha findado há 21 anos, o desrespeito aos direitos humanos ainda acontece, como demonstram os relatórios da Anistia Internacional.

            Toda a imprensa noticiou na última sexta-feira, dia 19, fato que consideramos preocupante e que deve merecer desta Casa especial atenção, porque diz respeito à violação em escala dos direitos humanos em nosso País. Trata-se do relatório divulgado no dia 18 pela Anistia Internacional, denunciando que o Brasil é uma das dez nações que mais praticam a tortura policial no mundo e que o nosso País entrou no século XXI usando os mesmos instrumentos de tortura utilizados no regime militar. Mas isso não é propriamente uma novidade para muitos de nós nem para as autoridades brasileiras. De acordo com o jornal O Globo, o próprio Secretário de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, Embaixador Gilberto Sabóia, “reconhece que há prática de tortura no País e culpa os Governos estaduais pela falta de empenho na apuração de casos de tortura policial, afirmando, inclusive, que as autoridades estaduais devem ser responsabilizadas judicialmente por deixarem de apurar as denúncias”.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há menos de dois meses trouxe a esta Casa denúncia do movimento Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, com 23 registros de prática de tortura, neste caso, no interior das Forças Armadas.

            Um caso emblemático, já denunciado à ONU, ocorreu há 11 anos: é o do cadete da Academia Militar das Agulhas Negras, em Rezende, Rio de Janeiro, Márcio Lapoente da Silveira, de 20 anos, espancado porque desmaiou em treinamento. Márcio, depois de espancado pelo instrutor, foi deixado inconsciente ao sol. Morreu a caminho do hospital. A indignação da família de Márcio é perfeitamente compreensível, e, sobre esse caso especificamente, tive oportunidade de falar desta tribuna, pois, depois de muitas controvérsias, a Justiça Militar reconheceu, documentalmente, que houve “excessos” praticados por oficiais e negligência e erro médico por parte dos médicos da Aman. Apenas um oficial foi julgado e punido, mas foi beneficiado por sursis pelo Superior Tribunal Militar, depois foi promovido a capitão e, hoje, é major.

            Os casos de tortura na Polícia ou nas Forças Armadas têm em comum o descaso e a impunidade movidos principalmente pelo corporativismo. Some-se a isso as péssimas condições do sistema penitenciário brasileiro. Somente no ano passado, houve cerca de 258 denúncias feitas por promotores públicos, foram abertos 56 inquéritos policiais, mas apenas oito casos foram julgados, e, desses, nenhum resultou em prisão.

            Uma declaração do pesquisador de Assuntos Brasileiros da Anistia em Londres, Tim Cahill, parece-me confirmar essa constatação: “A impunidade é resultado de um círculo vicioso envolvendo toda a máquina do Judiciário”. Segundo ele, a Polícia, por corporativismo, não investiga os casos; o Ministério Público, por negligência ou ignorância, não denuncia; e juízes aceitam confissões arrancadas sob tortura. Em grande parte dos casos, segundo a entidade, os policiais e agentes penitenciários são condenados apenas por abuso de autoridade ou lesão corporal - uma forma branda de tratar um crime classificado como hediondo, cuja pena varia de 2 a 8 anos de reclusão em regime fechado.

            Nesse ponto, aproveito para trazer aqui novamente a denúncia da Pastoral da Terra. Sr. Presidente, de 1985 a 1995, foram assassinados 922 trabalhadores no campo, houve mais de 820 registros de tentativas de assassinato e 2.412 ameaças de morte. Em razão desses crimes, apenas 57 pessoas foram processadas, e somente 12, condenadas. Portanto, a impunidade, também aqui, é quase um reforço à prática de crimes contra os direitos humanos e acaba por estimular ações criminosas de latifundiários, quase sempre beneficiados por um Judiciário lento e omisso na apreciação dos litígios.

            Em tese, até poderia ser legítimo o repúdio do Embaixador Gilberto Sabóia, Secretário de Direitos Humanos, frente à afirmação da Anistia Internacional de que “a tortura no Brasil é sistemática e generalizada” e de que “o Governo não tem vontade política de combater esses crimes”, afinal, instrumentos para receber e apurar casos de denúncias foram realmente criados pelo Governo: a própria Secretaria Nacional de Direitos Humanos, o Plano Nacional de Direitos Humanos, além da lei contra a tortura. E o Secretário anuncia, para os próximos 30 dias, o lançamento de uma campanha nacional contra a tortura.

            Sr. Presidente, se a tortura no Brasil é generalizada, só uma apuração mais detalhada poderia demonstrá-lo - a propósito, a Anistia Internacional chega a propor a instalação de uma CPI para que se faça um levantamento nacional da tortura -, mas podemos afirmar que esse crime e também outros contra os direitos humanos são cometidos em nosso País de forma sistemática e corriqueira.

            E, nesse sentido, recorro a uma passagem da declaração do representante da Anistia Internacional para finalizar esta intervenção: “O Brasil entrou no século XXI usando os mesmos instrumentos de tortura do regime militar (pau-de-arara e choque elétrico), utilizados, naquela época, contra presos políticos e, agora, contra presos pobres”.

            Sr. Presidente, quero abordar outro assunto que considero importante e que, ontem, foi motivo de debate neste plenário. Trata-se do discurso do Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, na Assembléia Nacional francesa, o qual foi objeto de muitas intervenções, no dia de ontem, nesta Casa. O Líder do Governo chegou a indagar se há alguém, entre os concorrentes à Presidência da República, com capacidade de representar tão bem o nosso País no exterior. Ao que parece, a disputa eleitoral no Brasil se transferiu momentaneamente para o campo da política internacional.

            Como primeiro Presidente latino-americano convidado a se pronunciar naquela Casa, Fernando Henrique Cardoso, a partir daquele dia, figura entre as estrelas da política internacional, como Tony Blair e Bill Clinton, algo que, segundo alguns oradores, distingue-nos entre outras nações e deve ser motivo de orgulho para o povo brasileiro.

            Mas sabermos que a viagem do Presidente - que também incluiu no roteiro Espanha e Inglaterra - ganhou esse destaque em função da ida do Presidente de Honra do Partido do Trabalhadores à França e das declarações do nosso candidato à Presidência da República sobre protecionismo, manipuladas e distorcidas pela imprensa brasileira. Ao final, o que nos parece é que o Presidente Fernando Henrique Cardoso foi à Assembléia Nacional francesa ratificar o que Lula declarou sobre protecionismo.

            Há ainda outros aspectos sobre o discurso do Presidente que gostaria de comentar. As intervenções de ilustres Senadores deixam escapar as muitas agruras causadas pela política social e econômica do Presidente Fernando Henrique Cardoso que recaem sobre os ombros e a barriga de milhões de brasileiros. E, diante de um quadro interno de instabilidade social e econômica, tenho dúvidas de que o Presidente seria ovacionado pelos representantes do nosso Congresso Nacional, como o foi pelos Parlamentares da Assembléia Nacional francesa, em uníssono.

            Concordamos, por exemplo, com o Presidente quando afirma que “é hora de controlar a instabilidade dos fluxos financeiros. Se o mercado é o instrumento mais eficiente para a geração de riqueza, é preciso impor limites às suas distorções e abusos”. Pois se é mesmo uma determinação do nosso Presidente, apelo à base governista desta Casa para que aprove o projeto de lei que dispõe sobre a aplicação dos tetos tarifários previstos pelo Acordo Agrícola, firmado pelo Brasil junto à OMC, sobre as operações de importação de produtos agropecuários. Esse projeto, de minha autoria, tramita nesta Casa desde 1999. A realidade é que os países desenvolvidos, para garantir as políticas de sustentação de renda dos seus produtores, passaram a lançar mão, com mais intensidade ainda, de medidas protecionistas e subvencionistas internas face aos desdobramentos da crise sobre os preços e renda agrícolas. Enquanto isso, o Governo brasileiro, indiferente aos vultosos prejuízos sofridos pelos agricultores do País, prosseguiu com a política de liberalização radical da economia agrícola nacional.

            Sr. Presidente, estamos em contato com o movimento social e o movimento sindical. Sabemos muito bem o quanto nos tem custado defender o papel do Estado diante das sistemáticas ações do Governo para desmontá-lo. Por isso, soa estranho verificar a seguinte afirmação do Presidente: “Sabemos que o interesse geral pode reclamar restrições à soberania estatal, mas a soberania popular não prospera sem a presença ainda maior dos Estados nacionais”. Isso soa estranho no momento em que o Governo submete a esta Casa acordo de salvaguardas tecnológicas com os EUA, para utilização da Base de Alcântara, que atenta claramente contra a soberania nacional, e com isso concordam, inclusive, muitos Parlamentares da Base governista. Esse acordo de salvaguardas seria assinado com a maior potência bélica do planeta.

            Uma política de afirmação do Brasil passa pela defesa de uma nova ordem econômica, mas também pela aplicação de um programa democrático e popular capaz de distribuir renda e dar dignidade a mais de 50 milhões de brasileiros abaixo da linha de pobreza.

            Por último, quero finalizar esse pronunciamento citando Alain Touraine, sociólogo e mentor intelectual do Presidente Fernando Henrique Cardoso, publicado pelo jornal Folha de S.Paulo, sob o título “Touraine elogia ex-aluno, mas não lhe dá 10”. Sua declaração é lapidar, entre outras coisas, porque demonstra que o Presidente não tem feito o dever de casa de socialdemocrata: “Ele é a maior personalidade política do continente”, mas lamenta duas coisas: “não deu maior atenção ao movimento popular” e, em segundo, que “a desigualdade social tenha permanecido grande no Brasil”.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


            Modelo17/27/245:19



Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/11/2001 - Página 27447