Discurso durante a 149ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apelo ao Governo para a liberação de recursos para os programas de desapropriação e assentamento rural, destacando a realidade no Estado do Mato Grosso.

Autor
Carlos Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MT)
Nome completo: Carlos Gomes Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • Apelo ao Governo para a liberação de recursos para os programas de desapropriação e assentamento rural, destacando a realidade no Estado do Mato Grosso.
Publicação
Publicação no DSF de 07/11/2001 - Página 27935
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • CRITICA, NEGLIGENCIA, GOVERNO, IMPLEMENTAÇÃO, REFORMA AGRARIA, COMPARAÇÃO, ATUAÇÃO, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), PUBLICIDADE, GOVERNO FEDERAL, ATRASO, ASSENTAMENTO RURAL, SEM-TERRA, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), REGISTRO, DADOS, FEDERAÇÃO, TRABALHADOR, AGRICULTURA.
  • CRITICA, INFERIORIDADE, RECURSOS, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), DESTINAÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), FALTA, INFRAESTRUTURA, ASSISTENCIA TECNICA, RISCOS, INSUCESSO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CARLOS BEZERRA (PMDB - MT) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o assunto não é original, tampouco esfuziante. Mas a indiferença e o pouco caso com que nossas autoridades o tratam merece, ao menos do Senado Federal, uma consideração à altura de seu alcance social e político. Refiro-me, naturalmente, à questão da distribuição, concentração e ocupação das terras brasileiras. Não é preciso ser nenhum doutor para identificar, no solo brasileiro, disparidades as mais esdrúxulas no processo de aproveitamento socialmente produtivo do latifúndio chamado Brasil.

            Por inspiração menos romântica e mais política, carrego em mim a convicção de que a reforma agrária ainda não se transformou em jargão esvaziado de sentido prático. Porém reduzir o problema da terra a parcas desapropriações, aqui e acolá, já representa atitude de menos por parte das políticas públicas do Brasil. No Mato Grosso, em particular, a atmosfera de auspiciosa cumplicidade política envolvendo sociedade e Estado, no que diz respeito às políticas agrárias adotadas, atravessa, no momento, uma fase de perda progressiva de força e eficácia. Vejamos por quê. 

            O Incra age de modo aparentemente bastante correto, anunciando o assentamento de quase 25 mil famílias de trabalhadores rurais em abril último, em nome do Programa de Reforma Agrária. Na verdade, a meta do órgão e do Banco da Terra é de assentar, até o final de 2001, nada menos que 100 mil famílias. No entanto, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) já esclarece que, desse total, foram excluídos as famílias e os trabalhadores que tiveram comprovadamente participação em invasões de terras ou de prédios públicos.

            Sempre exalando euforia, o Incra somente enxerga aquilo que quer ver. Por isso informa que, quanto a áreas para assentamentos, de um total de 636 imóveis rurais previstos para desapropriação neste ano, quase 95% encontram-se em fase de vistoria, de ajuizamento, avaliação ou publicação de decreto. Além do Distrito Federal, mais 15 Estados da Federação se enquadram no programa do Incra, do qual inexplicavelmente se excluiu o Estado de Mato Grosso.

            Em números mais precisos, 45 mil famílias serão assentadas por meio de terras desapropriadas, 15 mil em terras públicas, 20 mil por meio do Programa de Crédito Fundiário e as outras 20 mil por obtenção fundiária. Segundo o Incra, até o momento, cerca de 230 mil pessoas se inscreveram nacionalmente no programa de assentamento.

            No caso do Mato Grosso, o Incra firmou recentemente convênio com a Prefeitura municipal de Diamantino no valor de 670 mil reais, destinados a reduzir custos e agilizar a construção e recuperação de estradas em projetos de assentamento. Prevêem-se a abertura e a recuperação de 519 quilômetros de estradas em 10 assentamentos implantados naquela cidade. Desse montante de recursos, mais de 90% são provenientes do Incra, na expectativa de que sejam aplicados no desenvolvimento econômico e social das famílias assentadas.

            Mais especificamente, no Mato Grosso, o MDA aplicou cerca de 8,5 milhões de reais, em 1999, configurando quase 60% do total planejado para aquele ano. Tal índice, apesar de relativamente medíocre, representa muito para o Incra quando se leva em consideração as médias dos demais Estados da Federação.

            Sr. Presidente, apesar do quadro positivamente delineado pelos técnicos do Incra, a situação dos sem-terra de Mato Grosso não é nada confortável. Segundo dados divulgados pela Fetagri (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Mato Grosso), a reforma agrária no meu Estado consumou 317 assentamentos graças a pouco mais de 4 milhões de hectares desapropriados, abrangendo cerca de 67 mil famílias. Para tanto, a Fetagri esclarece que, desde 1986, a maioria das áreas desapropriadas se deu por pressão popular, em contraste com o percentual conferido por influência política, que não ultrapassa os 35%.

            Mais que isso: a Federação reclama que falta desapropriar cerca de 70 milhões de hectares, caso ainda se persiga o ideal de cumprir o assentamento integral das famílias sem-terra do Mato Grosso. O próprio Ministério do Desenvolvimento Agrário, que deveria estar repassando verbas progressivas para a execução do Pronaf nos Estados, tem constantemente vacilado nas ações. 

            Como é sabido, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar se propõe a destinar recursos às famílias que se assentam nas terras, com o objetivo de ajudar na instalação da nova vida econômica. No entanto, para o caso específico de Mato Grosso, cujo teto estabelecido para investimento e custeio é de cerca de 9 milhões de reais, o valor de recursos necessários para honrar o compromisso com as famílias assentadas deveria somar mais de 200 milhões de reais, conforme cálculos da Fetagri.

            Para os técnicos da entidade, a infra-estrutura dos assentamentos, que já deveria estar plenamente instalada, funciona precariamente, comprometendo os resultados esperados nos programas do Incra. Por exemplo, o processo paralelo e necessário de industrialização carece de investimento e capacitação de trabalhadores, bem como o setor de comercialização não dispõe, até hoje, de garantia de comércio, tampouco de preço mínimo.

            Isso para não falar da falta de qualidade técnica no que concerne à elaboração dos projetos e ao acompanhamento junto aos assentados. Os quesitos educação e saúde mostram condições de absoluto descaso. Por conta das enormes distâncias que separam a localização dos assentamentos e os grandes centros consumidores, perdura pouco estímulo produtivo entre os trabalhadores. Em suma, para a Fetagri, todas essas faltas, carências e desajustes acabam por pressionar as famílias rumo ao abandono da terra, à venda de seus direitos e à migração para as cidades em busca de renda mais estável.

            Por sua vez, a Secretaria de Agricultura e Assuntos Fundiários, do Governo de Mato Grosso, reconhece os problemas e apresenta um quadro analítico por assentamento muito interessante. No caso do município da Chapada dos Guimarães, por exemplo, há um projeto de assentamento compreendendo uma área de 15 mil hectares, cujas carências se estendem desde a liberação do financiamento do Pronaf para todas as famílias aptas, até a construção de escolas, posto de saúde e ruas no núcleo urbano. Igualmente, para o município de Colniza, em cujo território se implantaram dois projetos distintos de assentamento, somando uma área que supera os 22 mil hectares, as necessidades verificadas correspondem à falta de construção de estradas internas e também à liberação do Pronaf.

            Em Porto Alegre do Norte, as condições do assentamento denominado Nova Floresta não diferem das dos demais em carência de infra-estrutura. Nesse contexto, o projeto local carece da liberação imediata dos recursos do Pronaf, pelos quais as famílias tanto lutam para garantir a sobrevivência. Pelo lado positivo, Nova Floresta já conseguiu a publicação da portaria que cria o assentamento pelo Governo do Estado e pelo Incra. Além disso, cumpre registrar que a área desse assentamento não é nada desprezível porque cobre exatos 21 mil hectares, divididos em 102 lotes, metade dos quais já com título definitivo de posse pelas famílias lá instaladas. 

            Por último, o caso do município de Paranatinga salta aos olhos, na medida em que abriga um assentamento, cuja área totaliza nada menos que 38 mil hectares. Trata-se de um projeto que possui 85 lotes, cujas famílias instaladas têm como ocupação econômica mais expressiva a plantação de frutíferas e a criação de gado leiteiro. Apesar de toda essa mastodôntica área, as necessidades detectadas não fogem à regra aplicada aos demais. Mesmo assim, além destas, acrescente-se o crítico problema de desvio de recursos do Incra por parte de alguns parceleiros, que simplesmente fugiram do assentamento com o dinheiro no bolso.

            Em condições muito semelhantes às acima descritas, outros assentamentos se espalham por Mato Grosso em busca de melhores dias para produção, negociação e venda de bens agrícolas, bem como de melhores dias para a qualidade de vida e a realização de sonhos. No meio desses municípios, destacam-se, além da capital Cuiabá, Poxoréo, Acorizal, Alta Floresta, Poconé, Santo Antônio de Leverger, Nossa Senhora do Livramento e Diamantino.

            Do ponto de vista da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), o panorama dos assentamentos não lhe parece nada propício ou adequado. Não por acaso, representantes da entidade e sindicalistas rurais cobram do governo o Plano de Safra 2001-2002 para a agricultura familiar e a liberação dos recursos do Pronaf para custeio e investimento, além da renegociação das dívidas dos agricultores com o programa.

            Por fim, a Contag lembra que o plano de safra para a categoria patronal foi anunciado com a liberação de créditos de R$14,7 bilhões, enquanto os agricultores familiares, que deveriam receber créditos de apenas R$4,7 bilhões, ainda estão esperando uma decisão do Governo Federal. Tudo isto evidencia que a prioridade do governo ainda é a agricultura de exportação, em detrimento do pequeno agricultor. Vale ressaltar que a agricultura familiar é responsável pela produção de quase 70% de tudo o que chega à mesa do brasileiro.

            Diante do exposto e para concluir, fica a impressão de que há muito o que fazer no Brasil para que os projetos governamentais ligados à reforma agrária sejam, de fato, implementados. A julgar pelos dados preliminares divulgados pela Fetagri sobre os programas de assentamento em Mato Grosso, necessidades e carências múltiplas ainda bloqueiam uma melhor avaliação das medidas e ações executadas pelo Incra e pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário. Nesse contexto, gostaria de apelar às autoridades competentes por um maior empenho na liberação de recursos para os programas de desapropriação e assentamento rural, na expectativa de plantar no campo brasileiro sementes de esperança e vida para milhares de famílias sem-terra do País.

            Era o que tinha a dizer.

           Muito obrigado.

 

            


            Modelo17/27/247:29



Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/11/2001 - Página 27935