Discurso durante a 155ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de revisão dos critérios para indicação de transplante hepático.

Autor
Carlos Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MT)
Nome completo: Carlos Gomes Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Necessidade de revisão dos critérios para indicação de transplante hepático.
Publicação
Publicação no DSF de 15/11/2001 - Página 28576
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • CRITICA, NORMAS, SAUDE, RESTRIÇÃO, ACESSO, PUBLICO, ASSISTENCIA MEDICO-HOSPITALAR, ESPECIFICAÇÃO, TRANSPLANTE DE ORGÃO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, HOEL SETTE JUNIOR, MEDICO, ASSUNTO, TRATAMENTO, DOENÇA GRAVE, REGISTRO, DADOS, AUMENTO, MORTE, TRANSPLANTE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DISCUSSÃO, ALTERAÇÃO, CRITERIOS, PRIORIDADE, PACIENTE, SITUAÇÃO, RISCO DE VIDA.
  • DEFESA, URGENCIA, PROGRAMA, TRANSPLANTE, ORGÃO HUMANO, CAMPANHA, VACINAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, POPULAÇÃO, DOENÇA GRAVE.

O SR. CARLOS BEZERRA (PMDB - MT) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nos últimos tempos, o Brasil tem logrado êxito no campo da saúde, mas ainda deixa muito a desejar em áreas específicas que regulam o acesso do público ao atendimento médico e hospitalar. Refiro-me, mais exatamente, às regras que dispõem sobre os critérios para indicação de transplante hepático. Bem a propósito, há poucos dias, o Dr. Hoel Sette Júnior publicou artigo na imprensa, argumentando sobre a necessidade de revisão de tais critérios.

Intitulado “A Espera por um Fígado que não Chegará”, o artigo do atual chefe do Grupo de Hepatologia do Instituto de Infectologia Emílio Ribas de São Paulo debruça-se sobre o tema da precariedade do sistema de transplantes de fígado no Brasil. Mais que isso: o artigo denuncia literalmente que “a situação dos portadores de doenças hepáticas crônicas e cirrose no Brasil é grave”. Com dados bem atualizados, declara que se trata da quinta causa de óbito para homens na faixa etária de 24 a 64 anos, com a cifra anual assustadora de mais de 44 mil mortes dentro dos limites do Estado de São Paulo apenas.

Num panorama mais ampliado, o País já contabiliza entre três e oito milhões de infectados somente pelo vírus da hepatite C, cuja alta incidência consiste na maior causa de indicação de transplante hepático em todas as estatísticas. As estimativas mais assombrosas já anunciam que, até o final da década, o número de mortes por doenças hepáticas e cirrose terá tido uma expansão de quase 230%, além do que a necessidade de transplantes terá aumentado em quase 600% por conta da hepatite C.

Nesse quadro melancólico de futurologia, o Conselho Federal de Medicina resolveu, há poucas semanas atrás, recolocar em discussão os critérios para a alocação de fígados para transplantes. Com a participação de representantes do Ministério da Saúde e da sociedade civil, a reunião cogitou a possibilidade de alterar os critérios vigentes, defendendo, daqui por diante, a prioridade máxima para os pacientes mais graves, em vez do critério vigente que privilegia o fator cronológico de modo rígido. Vale esclarecer que, inusitadamente, tal critério somente encontra validade no caso de transplantes de fígado, pois em relação a coração, pulmão e rins prevalecem critérios mais sensatos.

De qualquer modo, o mais preocupante é que, após dois anos de implantação da lista por critérios cronológicos, instituiu-se a denominada “fraude da inscrição precoce”, que decorre principalmente do acúmulo de óbitos. Contra isso, pouco se tem feito no âmbito das políticas públicas, mesmo porque o problema se inscreve dentro da própria forma corrosiva e potencialmente corrupta de organizar transplantes por critério cronológico. Tal forma de alocar fígados aos pacientes portadores de doença hepática em fase terminal fere os princípios da ética médica, da justiça distributiva e dos direitos humanos.

Mais do que nunca, a obediência ao princípio de gravidade é dogma sagrado na arte da medicina. Não encontrando similaridade nem na Europa, tampouco nos Estados Unidos, o critério cronológico colide frontalmente com a prerrogativa de o médico classificar prioritariamente os pacientes mais graves e prestar socorro em caráter de urgência. Com isso, pode-se correr o risco de interpretar tal atitude como negligência, incompetência ou omissão de socorro. Afinal de contas, nenhum grupo transplantador tem dificuldade de apontar os pacientes cujo diagnóstico revele aqueles com piores condições clínicas.

Diante disso, não há como fingir que o sistema de transplantes de fígado no Brasil esteja funcionando no melhor de sua potencialidade. Precisamos, com urgência, lançar um programa nacional que promova campanhas de esclarecimento junto à população de risco, sobretudo junto àqueles pacientes que receberam transfusão de sangue antes de 1992, dependentes de drogas, usuários de seringas e agulhas não descartáveis. Mais que isso, há a necessidade precípua de estender os programas de vacinação contra a hepatite B a toda a população e estender a vacinação contra a hepatite A e B ao menos aos portadores de doenças hepáticas crônicas e cirrose.

Para resumir e visando à conclusão, o transplante hepático é a última esperança de vida aos pacientes terminais, o que deveria significar prioridade obrigatória da alocação àqueles pacientes com quadro clínico grave. Nesse sentido, como bem afirma o Dr. Hoel Sette Júnior, se a magnitude do problema dos portadores de doenças hepáticas crônicas e cirrose ultrapassa as possibilidades resolutivas do Ministério da Saúde, não é por meio do extermínio dos pacientes mais graves que se revolverá o impasse. É com o bom senso que devemos contar. Que o Ministério da Saúde também siga a mesma orientação.

Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/11/2001 - Página 28576