Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com o conflito entre o Paquistão e Índia. Leitura de artigo de Leonardo Boff publicado no Jornal do Brasil, intitulado "Natal. Que Natal?". (como lider)

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. IMPRENSA.:
  • Preocupação com o conflito entre o Paquistão e Índia. Leitura de artigo de Leonardo Boff publicado no Jornal do Brasil, intitulado "Natal. Que Natal?". (como lider)
Publicação
Publicação no DSF de 27/12/2001 - Página 32243
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. IMPRENSA.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, SITUAÇÃO, GUERRA, PAIS ESTRANGEIRO, INDIA, PAQUISTÃO, SOLICITAÇÃO, PAZ, ORIENTE MEDIO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PENSAMENTO, LEONARDO BOFF, ESCRITOR, CRITICA, GUERRA, ORIENTE MEDIO, MISERIA, FOME, CRIANÇA CARENTE, AMERICA LATINA.
  • SOLICITAÇÃO, RESPEITO, PAZ, MUNDO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senadora Marina Silva, quero cumprimentar o Senador José Alencar pelas reflexões que fez sobre a importância de estarmos, os brasileiros, muito voltados para a nossa realidade, sobretudo neste momento que precede o ano 2002, ano de sucessão presidencial, de sucessão de governos estaduais e escolha de membros do Congresso e Deputados Estaduais, e chamar a atenção de todos para a importância da reflexão que todos faremos para renovar as responsabilidades dos membros do Executivo. Esperamos que tenham os futuros eleitos para o Congresso Nacional compromisso com a ética da qual falava, nesta tarde, a Senadora Marina Silva, levando em consideração os ensinamentos de um dos maiores teóricos da atualidade, Leonardo Boff.

            Preocupou-me, Senador José Alencar, a notícia, que há pouco ouvi, de que, na fronteira da Índia com o Paquistão, já há 50 mortos na guerra que parece iniciar-se novamente, como se já não bastasse a guerra que acontece no Afeganistão, como se já não bastassem as ameaças de possível nova guerra, com os Estados Unidos, outra vez, invadindo o Iraque para tentar derrubar Saddam Hussein.

            Parece que a humanidade está demorando muito a aprender os ensinamentos de Mahatma Gandhi, de Martin Luther King Jr., entre outros, que tantas vezes nos alertaram que seria possível, sim, construirmos, transformarmos o mundo sem o uso do ódio, da violência, da guerra e das armas destrutivas.

            A propósito disso eu gostaria de ler a reflexão de Leonardo Boff "Natal. Que Natal?", publicada no Jornal do Brasil, por ocasião deste Natal.

      Que Natal podemos celebrar sob o abatimento que esse estabeleceu nas consciências humanas devido ao terrorismo fundamentalista e ao terrorismo da guerra que o Ocidente leva ao Afeganistão? Não será o Natal do lirismo tradicional, reforçado pela propaganda comercial. Será outro, mas, quem sabe, mais próximo do Natal histórico do Filho de Deus nascido em terra dos atuais palestinos em Belém.

      Jesus nasceu fora de casa, entre animais, numa manjedoura “porque não havia lugar para sua família na estalagem”. O evangelista João diz com infinita tristeza: “Veio para o que era seu e os seus não o receberam”. Desde o início está definida sua missão: estar do lado dos que não têm terra, teto, lugar social. A eles dirige primeiramente sua mensagem. Identifica-se com eles, como se diz na parábola do juízo final. Do ventre dos pobres Jesus continua nascendo, o libertador das gentes. Eles são a manjedoura onde ele repousa permanentemente. Eles possuem muitos rostos ontem e hoje.

      Em nosso País são milhões de crianças abandonadas, tantas quantas toda a população da América Central. São os 52 milhões...

      São 52 milhões que passam fome. São os sofredores de rua, pivetes que sobrevivem de pequenos furtos. São as milhões de meninas que se prostituem para ajudar em casa. São cerca de 42 milhões de negros que carregam no corpo e na alma o estigma da discriminação. São os sobreviventes indígenas expulsos das terras que sempre foram suas. São os milhões de sem-terra que, como Abraãos, andam por aí errantes em busca de terra para morar e trabalhar. São os operários empobrecidos que se julgam ainda privilegiados por ser explorados por sistema do capital a preço de uma Carteira de Trabalho assinada e dos parcos benefícios da Previdência Social.

      São todos esses, tidos por zeros econômicos, os esquecidos de nossa memória nacional, que são os irmãos e as irmãs mais humildes do Filho de Deus, encarnado em nossa miséria. Eles gritam: “Queremos viver. Queremos ser gente. Nós também somos filhos e filhas de Deus. Até quando, Senhor, até quando nos fazes esperar a tua vinda e, com ela, a tua justiça, a tua ternura, atua paz”?

      No Natal esse lamento lancinante foi escutado. Deus deixa a sua luz inacessível e seu mistério sacrossanto e vem morar no meio dos humilhados e ofendidos. Fez-se criança que choraminga entre o boi e o asno. E lhes faz entender: “Vocês são meus irmãos e irmãs, filhos e filhas do Pai querido. Quero ser para vocês o Emanuel, o Deus conosco. Eu lhes enxugarei todas as lágrimas dos olhos. Serei a vida e o direito que buscam. Meu nome é Jesus, o Deus libertador, alegria para todo o povo”.

      Passei por Belém de Judá e ouvi um sussurro terno. Era a voz de Maria embalando o filhinho: “Sol, meu filho, como posso cobrir-te de panos? Como vou amamentar-te, tu, que nutres a toda criatura?” E José, perplexo, exclamava: “Como pode? Como ter forma de criança aquele que deu forma a todos os seres? Como pode fazer-se pequeno na Terra quem é grande no Céu? Como pode o estábulo conter aquele que contém todo o universo? Como podem seus bracinhos estarem enfaixados, se seu braço governa a Terra e o Céu? Como pode?”

      Eis que apareceram no presépio “ a bondade e o amor humanitário de nosso Deus”. Agora não se trata mais do Deus de quem se dizia: Grande é o nosso Deus, infinito o seu poder. Agora vale: Pequeno é o nosso Deus, infinito é o seu amor. Ele não temeu a matéria. Revestiu-se dela. Não receou a condição humana, por vezes trágica e sob muitos aspectos, absurda. Entrou inteiro nela para nunca mais sair dela. Por isso, apenas das tribulações e angústias do tempo presente, podemos ainda celebrar, reunir a família, tomar a ceia e trocarmos presente. Para milhares, por causa da Ação da Cidadania e do Natal sem Fome, haverá comida na mesa e alegria nos olhos.

      Irmãos e irmãs, nesse dia olhemos para nossos morros, para nossos pobres na rua. Olhemos fundo: eles estão grávidos de Jesus Cristo. Ele suplica nascer de novo mediante nossa solidariedade, com-paixão e fra-ternura.

      De nada vale Jesus nascer em Belém

      Se não nascer em ti de novo.

      Não o busques no além.

      Faça-o nascer do povo.

            Senador José Alencar, quando V. Exª diz que hoje todos aqueles que aspiram a servir e a ajudar o povo demonstram a preocupação com o social, V. Exª está dizendo justamente aquilo que nesta reflexão diz Leonardo Boff.

            É preciso que venhamos a ter esse espírito natalino. Trata-se de um espírito que, por vezes, está distante dos lugares do mundo onde há dificuldades. Falo, por exemplo, da dificuldade de Yasser Arafat e de sua esposa participarem, em Belém, da missa de Natal. Por quê? Será que não podem judeus e palestinos encontrarem o caminho da paz? Será que não poderão os afegãos, de todas as tribos, encontrarem um meio de se respeitarem? E os norte-americanos, será que não encontrarão um meio de se respeitarem e de respeitarem os povos do mundo?

            Se seguirmos bem essa mensagem, saberemos, sim, construir a paz fundada na justiça.

            Muito obrigado.

 

            


            Modelo14/30/242:08



Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/12/2001 - Página 32243