Discurso durante a 52ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

ANALISE DO FENOMENO JEAN MARIE LE PEN NO CONTEXTO DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DA FRANÇA.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. SENADO.:
  • ANALISE DO FENOMENO JEAN MARIE LE PEN NO CONTEXTO DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DA FRANÇA.
Aparteantes
Casildo Maldaner, Eduardo Suplicy, Gilberto Mestrinho, Waldeck Ornelas.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/2002 - Página 6794
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. SENADO.
Indexação
  • COMENTARIO, POLITICA INTERNACIONAL, EUROPA, ELEIÇÃO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, CRITICA, IMPRENSA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, INEXATIDÃO, ANALISE, POSSIBILIDADE, RETORNO, NAZISMO, CONTRADIÇÃO, DEMOCRACIA.
  • ANUNCIO, ADIAMENTO, AUDIENCIA, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, JOSE MAURICIO BUSTANI, EMBAIXADOR, DESTITUIÇÃO, ORGÃO ESPECIAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), COMBATE, ARMA, ENGENHARIA QUIMICA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo hoje esta tribuna para falar um pouco sobre o assunto do momento na Europa: o fantasma do Sr. Jean-Marie Le Pen.

Sr. Presidente, a política, no Brasil e em toda parte, é um teatro. É um palco iluminado em que atores se apresentam para os aplausos de uma platéia, muitas vezes iludida, mas, escondendo, nos bastidores sombrios, o desenrolar da verdadeira peça. O pior é que, muitas vezes, o repertório desse palco é pautado pelos meios de comunicação. Eles decidem o que é encenado, e quem é bom e quem é ruim. Às vezes, atores mambembes são consagrados e, outros, talentosos, são execrados.

Há mais de uma semana os meios de comunicação de todo o mundo fazem um escarcéu a respeito da ida de Le Pen para o segundo turno, e dizem que a Europa está ameaçada pelo fascismo. Parece até que vivemos nos anos 20 ou 30 do século passado.

Sr. Presidente, há uma completa irracionalidade na análise desse acontecimento na França, para o qual estão dando uma importância que realmente não tem, e há um verdadeiro desvirtuamento dos fatos. Isso não é só com a imprensa brasileira, não, também com a imprensa mundial; parece uma orquestração.

Mas o que aconteceu realmente na França, Sr. Presidente? De repente, o partido do Le Pen teve um crescimento avassalador? Não teve. Cresceu 3%. O que aconteceu é que os discursos do Lionel Jospin e Jacques Chirac se tornaram muito semelhantes. Ocorre que o eleitorado, tanto de Esquerda quanto de Direita, compreendeu que não haveria mudança de substância com a vitória de um ou de outro e desinteressou-se; e uma boa parte ficou em casa dormindo ou se divertindo no dia da eleição, tanto que a abstenção subiu de 20 para 27%. Ou seja, 7 pontos percentuais de aumento de eleitores certamente de Esquerda e de Direita, desinteressados, porque jamais lhes passou pela cabeça que Jospin e Chirac não estivessem no segundo turno. E Le Pen, com o pequeno aumento de 3% e uma diferença de 1% em relação a Jospin, foi para o segundo turno. E, de repente, faz-se um alarde em todo o mundo sobre a ameaça de Le Pen ganhar a eleição, o que, de fato, não existe, Sr. Presidente, porque Chirac vai esmagar Le Pen na eleição. Não há a mais remota possibilidade de Le Pen ganhar a eleição. E se inicia uma campanha que, apesar de eu discordar totalmente das idéias do Le Pen, não concordo com o terrorismo verbal que se está fazendo. Le Pen é um direitista cheio de idéias que, às vezes, nos assustam, mas está longe de ser um nazista, não está pregando a ditadura na França. Defende coisas como a pena de morte, a saída da União Européia, a restrição de imigração, propostas conservadoras com as quais não concordamos, mas num partido legal, às claras.

No entanto, parece que a vitória do Le Pen, se ocorresse, seria a instalação do nazismo na França, o que não é verdade. Mas suponhamos que ele vencesse. Não poderia fazer muita coisa porque ele não tem maioria no Parlamento. Tudo isso que ele prega e que condenamos teria de ser instituído por leis aprovadas pela Assembléia Nacional Francesa. Mesmo que vencesse a eleição, o que está fora de cogitação, ainda assim ele estaria controlado por um Legislativo livremente eleito, no qual não tem maioria. No entanto, a impressão que querem passar é a de que a França, e a Europa estão à beira de um ressurgimento do fascismo. Trata-se de um completo desvirtuamento da realidade. Le Pen é tratado como um réprobo, um cão sarnento. Na verdade, se Le Pen é um fascistóide, os que o hostilizam têm atitudes fascistas, Sr. Presidente. Ele foi impedido, outro dia, de dar uma entrevista, na União Européia. Essa é uma atitude fascista. Isso porque o fascismo hoje não é mais uma ideologia. É um comportamento autoritário de quem não admite divergência e não aceita conviver com o contrário. Quem não permite que o Sr. Le Pen exprima as suas idéias, gostemos ou não delas, é um fascistóide também. E se Le Pen ganhasse a eleição? Não o deixariam assumir? Nesse caso, deve-se modificar a Constituição francesa e jogar o partido de Le Pen na ilegalidade. Caso contrário, a democracia passará a ser uma farsa: eu permito que você constitua um partido, eu permito que você dispute a eleição, mas não permito que vá ao poder. Que espécie de democracia é essa? Onde está a consciência democrática desses opositores de Le Pen?

Eu, se estivesse na França, no primeiro turno teria votado em Jospin; no segundo turno, teria votado em Chirac. Mas, negar a Le Pen o direito de defender suas idéias, de disputar a eleição e, se vencer, de ir ao poder, é uma contradição em termos. É o que se está fazendo.

Portanto, é uma farsa, uma ópera-bufa que se está encenando na Europa. Infelizmente, a política é feita destas coisas: é ópera-bufa, na França; comédia, no Brasil; e tragédia, na Argentina. E, o público, a patuléia iludida, aplaudindo ou vaiando, porque é só o que pode fazer.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Senador Jefferson Péres, V. Exª me concede um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - Ouço V. Exª com prazer, Senador Casildo Maldaner.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB - SC) - Hoje, V. Exª medita sobre uma questão importante. No fundo, dar a Le Pen o direito de discutir significa conceder às minorias o direito de exporem suas idéias. Em qualquer país democrático do mundo, as minorias possuem o direito de exporem seus pensamentos à sociedade. A França vai decidir se para ela serve essa tese ou não. Mas, de antemão, não se pode proibir o debate. Comecei a refletir com V. Exª e, à primeira vista, também estava comungando com o povo francês. Ficamos todos surpreendidos com o fato de Jospin não conseguir ir para o segundo turno. E, agora, todos estão formando uma corrente para que Chirac seja vitorioso. Mas, como diz V. Exª, ao proibir o debate à minoria, estaríamos vedando o direito democrático, o exercício da democracia em seu sentido mais substantivo. V. Exª faz essa reflexão em boa hora. Fazer com que as teses de Le Pen não sejam aceitas pelo povo francês democraticamente é muito melhor do que proibir, rechaçar e utilizar de outros instrumentos que não os da urna. Essa meditação tem procedência. Compartilho o pensamento de V. Exª, Senador Jefferson Péres.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - Muito obrigado, Senador Casildo Maldaner. Procuro ser racional na vida e nunca seguir com espírito de rebanho. Não importa que eu seja o único do batalhão com o passo certo; se eu achar que o meu passo é o certo, fico sozinho com o batalhão. Ao subir nesta tribuna para dizer isso, talvez não falte quem pense que sou fascistóide também, mas, no dia em que eu não tiver coragem de dizer o que penso, dissentindo de todo mundo, nesse dia é melhor eu deixar a cena política e me recolher. Batráquio, coaxando com todos, isso jamais serei.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - Muito obrigado, Senador Casildo Maldaner, mas procuro ser racional na vida e nunca seguir com espírito de rebanho. Não importa que eu seja o único do batalhão com o passo diferente; se eu achar que o meu passo é o certo, fico sozinho no batalhão. Ao subir nesta tribuna para dizer isso, talvez não falte quem pense que sou fascistóide também, mas, no dia em que eu não tiver coragem de dizer o que penso, dissentindo de todo mundo, nesse dia é melhor eu deixar a cena política e me recolher. Batráquio, coaxando com todos, isso jamais serei.

O Sr. Waldeck Ornelas (PFL - BA) - Senador Jefferson Péres, V. Exª me concede um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - Ouço V. Exª com prazer, Senador Waldeck Ornelas.

O Sr. Waldeck Ornelas (PFL - BA) - Senador Jefferson Péres, concordo plenamente com a abordagem que V. Exª faz da sucessão presidencial na França, mas quero fazer uma analogia com a sucessão presidencial no Brasil. Ainda ontem, dois bancos internacionais rebaixaram a classificação de crédito do Brasil sob a alegação de que Lula havia subido nas pesquisas. Não conheço nenhuma atitude desses mesmos estabelecimentos financeiros em relação ao risco para a União Européia, do ponto de vista da unidade européia, já que um dos pontos de defesa da campanha de Le Pen é exatamente a questão do rechaço à União Européia e ao euro. Isso me parece muito mais grave, do ponto de vista da estabilidade da economia internacional, do que a ascensão de Lula, candidato do PT, nas pesquisas. Quero registrar no discurso de V. Exª essa minha preocupação, mas, sobretudo, esse uso de dois pesos e duas medidas que os estabelecimentos financeiros internacionais usam em relação aos países.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - É verdade, Senador Waldeck Ornelas. Além de dois pesos e duas medidas, o que a Merrill Lynch está fazendo no Brasil é terrorismo, é uma tentativa de intervir no processo eleitoral brasileiro. É o tipo da profecia auto-realizável. Se essas agências, de repente, anunciam que a vitória de um determinado candidato leva a um rebaixamento e, portanto, a uma fuga de capitais amanhã e a uma crise, essa crise acabará se realizando. O eleitorado brasileiro pode ficar amedrontado com isso e deixar de sufragar aquele candidato. Poderá chegar um tempo, na marcha em que estamos indo, que não será mais o povo brasileiro que irá eleger os representantes, mas sim os marqueteiros e as agências internacionais que atribuem risco ao Brasil.

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - Senador Jefferson Péres, V. Exª me concede uma aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - Nobre Senador Jefferson Péres, eu me acostumei a admirar o exercício racional da palavra que V. Exª faz sempre nessa tribuna, a análise dos fatos de acordo com a razão e com a observação daquilo que não parece ou que não é hipocrisia. O que acontece é que vivemos em um mundo cada vez mais hipócrita. Há democracia e democracias. Fala-se em democracia quando é do interesse próprio; fala-se em fascismo, quando é de interesse contrário. E o mundo está caminhando, efetivamente, para uma época de fascismo. A dominação, o poder único no mundo, a imposição da vontade, tudo isso não é democrático, exceto para eles. O que aconteceu na França foi conseqüência da má gestão de Jospin como Primeiro-Ministro, exatamente quem dirige, conduz, governa. O Ministro Jospin, nesse período, fez mais privatizações na França, adotou mais o liberalismo, do que Margaret Thatcher na Inglaterra. Isso desconsertou os socialistas franceses e fez com que o eleitorado não comparecesse às urnas. O socialismo falhou e faliu na França, com a derrota para Jean-Marie Le Pen. Jean-Marie Le Pen é odiado, tem idéias totalmente contrárias ao que se pensa, mas pertence a um partido legal, registrado, reconhecido pela sociedade, que trabalha de acordo com a Constituição francesa. Ele tem coragem de defender seus pontos de vista e não usa a hipocrisia, o que é importante.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - Muita gente pensa como ele e não tem coragem de dizer, de assumir.

O Sr. Gilberto Mestrinho (PMDB - AM) - Ele não é hipócrita. O que aconteceu? Como Jospin falhou, o grupo que está insatisfeito com o processo imigratório, especialmente em conseqüência da perda de empregos na França, e o que não está satisfeito com a adesão daquele país à Comunidade Econômica Européia aumentaram os 3% do eleitorado de Le Pen, colocando-o no segundo turno, embora se saiba - porque as pesquisas estão apontando - que Jacques Chirac ganhará com mais de 81% dos votos. O que há é uma demonstração de antidemocracia em vários segmentos da sociedade e dos meios de comunicação. O direito democrático possibilita a manifestação dos partidos registrados legalmente, desde que seus dirigentes tenham a coragem de expor seus pontos de vista, algo que falta a muitos. Parabéns a V. Exª pelo discurso.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - É verdade, Senador Gilberto Mestrinho. Além da atitude fascista dos que tentam impedir Le Pen de falar, houve também a atitude “facistóide” dos Estados Unidos, com a destituição do Embaixador José Maurício Bustani.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Jefferson Péres, V. Exª me permite um aparte?

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - Ouço V. Exª, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Em primeiro lugar, é importante que V. Exª traga ao Plenário a preocupação com a candidatura de Le Pen, na França. É essencial que os franceses, acordados diante da ameaça fascista, votem de maneira a evitá-la, ainda mais diante da forma tão estreita como pensa o candidato Le Pen sobre as oportunidades de trabalho apenas para os franceses. Cada nação precisa obter soluções que também levem em conta as necessidades dos povos de todo o mundo. Não podemos simplesmente olhar as questões domesticamente. O Brasil, por exemplo, precisa ter uma visão de interação com os países da América Latina e do Mercosul, inclusive no que diz respeito às oportunidades de trabalho, direitos dos seres humanos, direitos dos trabalhadores. V. Exª acaba de mencionar o Embaixador José Maurício Bustani e a atitude nitidamente fascista do governo dos Estados Unidos em realizar um verdadeiro “golpe de Estado” na Opaq. Nobre Senador Jefferson Péres, Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, quero ressaltar, justamente, a iniciativa de V. Exª de marcar uma audiência com o Embaixador José Maurício Bustani, que já se encontra no Senado Federal, para prestar seu depoimento sobre os episódios - tão sérios para o Brasil - que levaram à sua destituição, depois de ter sido eleito e reeleito para Diretor-Geral da Opaq. Sei que alguns dos Srs. Senadores estão preocupados com a realização dessa audiência hoje. Gostaria apenas de dizer que, ao lado do Senador Roberto Saturnino, que foi um dos que estimulou esse convite ao Embaixador José Maurício Bustani, estou preparado para tão importante diálogo, que, conforme avalio, possibilitará o completo esclarecimento do assunto. V. Exª, como Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, fez muito bem em realizar o convite.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - O Embaixador José Maurício Bustani já está na Casa. Creio que o melhor é realizarmos a audiência, embora com o Senado esvaziado, afinal de contas, a TV Senado transmitirá o depoimento para todo o País.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Daí a importância de V. Exª, como Presidente da Comissão, convidar todos os Srs. Senadores presentes na Casa para a audiência.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - Espero que todos os Senadores presentes, não apenas os membros da Comissão, lá compareçam, dada a importância do depoimento que o Embaixador prestará na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, hoje, às 17 horas.

Em boa hora, a Secretária da Comissão me informa que o Embaixador José Maurício Bustani, apesar de ter comparecido ao Senado, em face de uma sessão vazia, concordou com o adiamento da audiência para a próxima terça-feira, com o endosso do Líder do Governo, Senador Artur da Távola.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/2002 - Página 6794