Discurso durante a 89ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise das causas da crise no capitalismo e no sistema neo-liberal e suas implicações para a economia mundial.

Autor
Lauro Campos (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • Análise das causas da crise no capitalismo e no sistema neo-liberal e suas implicações para a economia mundial.
Publicação
Publicação no DSF de 18/06/2002 - Página 12162
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, MOTIVO, CRISE, CAPITALISMO, AGRAVAÇÃO, SITUAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. LAURO CAMPOS (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu ocupava a Presidência, quando o ilustre Senador que apresentou seu nome à disputa do PMDB, em sua última convenção, para Presidente da República, o Senador Roberto Requião, pronunciava aqui, nesta tribuna, um discurso que, se eu não estivesse ocupando a Presidência silenciosa desta Casa, certamente teria obrigação de pedir um aparte para tecer os maiores elogios ao seu pronunciamento.

Só pode merecer encômios o representante do povo intimorato, sem receio de nada, com o compromisso apenas com o povo que o elegeu, com o País a que serve e com o futuro que pretende não ver como uma triste e vergonhosa repetição do presente.

Portanto, ao Senador Roberto Requião quero dirigir essas modestas palavras e com elas o meu amplexo, o meu abraço, a minha identificação com a totalidade da análise feita, da crítica feita e das colocações em relação ao futuro, futuro este de que pretendo hoje tratar.

Acredito que devo ter escrito pelo menos duas mil páginas sobre crise do capitalismo, crise da economia brasileira, uma crise, vários diagnósticos, o caos brasileiro; e, portanto, não poderia estranhar o aprofundamento da crise do capitalismo, que, durante muitas décadas, esperei que ocorresse.

Eu tinha certeza de que o povo brasileiro só poderia despertar a sua consciência, só poderia ir para a rua, que é o seu lugar, só poderia construir uma consciência crítica em relação a esses absurdos que vêm se repetindo, divulgados por uma propaganda que faz inveja àquela propaganda de Mussolini e de Hitler, nos tempos do nazi-fascismo.

Entre outras técnicas de propaganda utilizadas, por exemplo, por Mussolini estava a que consistia em repetir diversas inaugurações de aviões e de navios. Assim, a mentira, repetida na televisão, a imagem televisiva enganosa fazia crer aos italianos que a Itália era um país inexpugnável, invencível em qualquer condição de guerra.

Pois bem, também cheguei à conclusão antiga, não apenas baseado nos meus estudos de economia, em Marx e em outros sábios com os quais deparei ao longo de minha vida, mas também em Franklin Delano Roosevelt e Dwight Einsenhower, General Einsenhower, dois ex-Presidentes dos Estados Unidos. Foi com eles que aprendi.

Roosevelt declarou - e seu secretário anotou em um livro chamado Os mil Primeiros Dias de Governo - o seguinte: “O que estamos fazendo aqui é a mesma coisa que Stalin está fazendo na Rússia e que Hitler está fazendo na Alemanha. Mas estamos fazendo essas coisas de maneira ordeira, mais ordeira do que a ordem militar de Hitler.”

De modo que Dwight Eisenhower, General vitorioso na 2ª Guerra Mundial, Presidente dos Estados Unidos, afirmou que se instalara ali, naquela democracia do norte, antiga democracia, ex-democracia, democracia aposentada. De acordo com o que o próprio Roosevelt afirmou: “o que estou fazendo aqui é aquilo que Hitler está fazendo na Alemanha”. Como é que uma democracia pode fazer a mesma coisa que em um Estado fascista, nazista, hitleriano? Obviamente, os Estados Unidos, de acordo com Roosevelt, já haviam deixado de ser democracia.

Eisenhower, em 1951, disse a mesma coisa: está se criando o Estado militar industrial; e esse Estado que está sendo criado nos Estados Unidos vai liquidar a democracia no país e precisamos, dizia ele, tomar as providências cabíveis e urgentes para que isso não ocorra.

Havia receios antigos levantados pelos federalistas, os pais da pátria, de que um militar nos Estados Unidos de um dos grupos do Cincinate que, naquela ocasião, era um dos grupos mais direitistas, mais violentos, poderia colocar a coroa na cabeça de um cincinate, de um militar, e transformar o país em um império semelhante a qualquer império europeu.

De modo que para mim não há dúvida alguma de que estamos constantemente correndo riscos muito grandes de ver transformada essa democracia, democracia que é sempre uma planta muito tenra, muito delicada, como já disse um grande orador e político baiano. Realmente estamos correndo riscos a cada momento; vemos essa planta, a democracia, fenecer sob essas forças avassaladoras.

Do meu ponto de vista, assim como Hitler surgiu da crise dos anos 30 e como Mussolini o antecedeu nos anos 20 também em uma situação crítica, acho que a contraface política do capitalismo é e sempre será o Estado industrial militar, o Estado fascista, o Estado nazista ou Estados que tangenciam, disfarçam o conteúdo violento e desumano que a superestrutura política assume a fim de tentar conter as ondas exacerbadas que a economia capitalista apresenta de quando em vez.

No livro A Crise da Ideologia Keynesiana, o professor que fez o prefácio e foi o verdadeiro autor de vários planos recentes, monetaristas e de falso combate à inflação escreveu, nesse prefácio, que eu havia antecedido em 17 anos Lord Hicks, para surpresa dos ingleses e dos europeus eruditos, quanto à crise do keynesianismo; que Hicks a havia descoberto, mas 17 anos depois que a minha modesta capacidade de penetração a apontara. Apontara para o nada, apontara para o silêncio, para o depois da hora.

Eu sempre falo em crise, sempre me refiro a esse movimento inexorável, inevitável em que as contraditórias forças produtivas do capitalismo desembocam e se aprofundam; as crises, que fazem as suas metamorfoses, mudam de forma, como tudo muda neste mundo: desde a crise de 1810, que foi uma crise de subconsumo na Inglaterra, até a crise de 1929 e a atual crise da economia do sistema dinamizado depois de 1929 pelas medidas keynesianas.

Do meu ponto de vista, até 1929 tivemos o mundo das mercadorias analisado melhor por Karl Marx. O mundo das mercadorias, suas contradições, mercadoria e dinheiro, mercadoria e crédito, mercadoria e capital. Capital é poder; acabar com o Estado é para o capitalismo a mais insana loucura. Porque capital é poder, poder é capital. Foi o poder que pariu o capital, ajudou-o em todos os seus momentos, desde o seu berço, no séc. XV, ajudou-o a se desenvolver, a alimentar, a dar as mamadeiras, como dizia Delfim Netto aos empresários, aos fazendeiros, aos governos e, obviamente, a conter os avanços e as reivindicações dos trabalhadores. Inventar, descobrir novos instrumentos de exploração, de acumulação de capital.

E esses instrumentos de extração da mais-valia, esse processo de acumulação de capital, como dizia o Presidente Fernando Henrique Cardoso antes de ser Presidente, só pode ser compreendido se respondermos a algumas perguntas essenciais: de quem se tira, de quem se apropria a mais-valia, o excedente produzido pelo trabalho humano não pago? De quem se tira? Com que instrumento se tira? Para quem é dirigido esse excedente extraído do trabalho humano? Se soubermos isso, de acordo com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, estaremos então começando a entender o processo de acumulação de capital.

Pois bem, o processo é tão eficiente; o capitalismo é tão revolucionador do mundo, do homem e da natureza, o capitalismo é inigualável, não há exemplo histórico de um sistema tão eficiente, produtivo e inventivo quanto foi o capitalismo até 1929. Era o mundo das mercadorias, fazendo com que as novas técnicas e relações entre os trabalhadores e entre os trabalhadores e as máquinas, as novas formas de produção e de distribuição do produto criassem forças produtivas fantásticas. E não precisamos ir longe. Essas forças produtivas, devido ao caráter fetichista da mercadoria, acabam governando os governos e os homens e não apenas agindo como instrumentos de exploração, espoliação e esvaziamento do ser humano.

Em 1929, encerrou-se essa fase. Houve uma crise de sobreacumulação, excesso de capital. Lord Maynard Keynes, secundando Karl Marx, afirma que, entre as crises a que ele se referiu, esta crise de sobreacumulação seria o corolário, o término do processo de desenvolvimento capitalista.

Assim, obviamente, depois que desenvolveu ao máximo as forças produtivas, erotizou o mundo com o trabalho humano, vivo; depois dessa fase, o capitalismo passa a desenvolver as forças destrutivas, tanáticas, letais. Passa, portanto, a remunerar muito bem, a encontrar uma nova forma monetária, um novo governo, novas relações políticas. Uma nova superestrutura tem que ser construída rapidamente, para que a taxa de lucro não caia, como ocorreu em 1929; para que o desemprego não atinja 44%, mas seja reabsorvido pelo Estado, como funcionários públicos, como soldados e militares convocados para a guerra, como trabalhadores empregados em setores, porque nos setores produtivos não havia consumo para o resultado do trabalho, para as mercadorias. Então, eles foram empregados nesses setores destrutivos, no governo, no setor público e também para fazer estradas, estádios, nos quais Hitler foi derrotado em uma olimpíada mundial. Keynes afirma que essas obras do governo não devem ser parcialmente dissipadoras, mas ser totalmente dissipadoras. Não há como produzir mais. O governo Roosevelt manda que se pague para que não se produza, tal como os Estados Unidos estão querendo fazer agora no Paraná e em Santa Catarina: pagar para não produzir. A Suprema Corte julgou isso inconstitucional. Roosevelt teve que pagar para plantar cactos, um não meio de consumo e um não meio de produção, algo inconsumível: cactos. Esse foi um passo à frente das loucuras, contradições e incongruências do sistema capitalista.

Era preciso um governo fantasticamente hipertrofiado, produtor do seu dinheiro, um governo que não precisava esperar receita tributária. Ele tinha pressa e fome, precisava produzir. Então, a moeda também mudou, para satisfazer as novas necessidades de um mundo que passou a desenvolver as forças destrutivas, tanáticas, ao lado de um resquício, de um resto de produção de mercadorias, que passou a ser secundária em relação ao setor mais importante e mais dinâmico, onde se situava agora, entre outras, a pesquisa, as novas tecnologias. Todas passam a brotar nesse momento desse setor novo, dinamizador e contraditório do sistema que entrou em colapso total em 1929, o neoliberalismo.

Diante disso, eu previa, obviamente, que também essa dinâmica keynesiana, estes gastos públicos, esta fantástica dívida pública, este emprego de trabalho improdutivo e destrutivo teria de ter um fim e de encontrar a sua crise. A crise atual não é apenas de sobreacumulação; ela é também de desproporção. O governo é dissipador, bélico, fazedor de guerra e dedica os recursos da coletividade a setores wholly wastful, completamente dissipadores, como diz Keynes. Os gastos do governo não devem ser parcialmente dissipadores, devem ser wholly wastful, completamente dissipadores, para manter a taxa de lucro, para sustentar a demanda efetiva combalida, para ampliar as agências do governo, para vencer a guerra.

Aquilo que dinamizou o capitalismo após a crise de 1930 também entra em crise. O Estado, que era reempregador, passa a ser desempregador. O Estado, agora, estando perdido, não sabendo o que fazer, passa a afirmar que é bonito ser magro, entra em uma anorexia voluntária, deixa de gastar e se atrofia, como se quisesse desaparecer. Vende as empresas estatais, ele, o Estado produtor de capital, amparador e reprodutor do capital vende o capital, se desfaz de tudo.

Esta crise final, do meu ponto de vista, é a crise completa do sistema que desenvolveu forças positivas, que entraram em crise e desenvolveu forças destrutivas, dissipadoras e improdutivas, que entraram em crise também: a crise atual do capitalismo keynesiano. O que fazer diante desta situação? Do meu ponto de vista, o presente está sempre grávido do futuro, como escreveu Leibniz, o matemático: "O presente está sempre grávido do futuro", basta saber olhar, vislumbrar e enxerguar o futuro no presente. Chumpeter, um grande estudioso da história da análise econômica capitalista, afirma que o presente está sempre incrustado pelo futuro. O futuro está presente, incrustado e prisioneiro do nosso mundo presente.

Um exemplo: durante a chamada Guerra Fria, quando o Instituto PEW fez uma pesquisa para saber o que consideravam mais fantástico e mais extraordinário do século que se acabava, o século passado, o seu diretor afirmou que o que ele considerou mais estranho foi que nem um dos entrevistados respondeu que a coisa mais fantástica foi terem sido consumidos US$17 trilhões na Guerra Fria.

Então, parece-me que, não podendo produzir mais meios de consumo nem mais meios de produção, o capitalismo pega o excedente e coloca nesses setores destrutivos, improdutivos, tanáticos, letais. Se não fosse a necessidade de se transformar numa mercadoria lucrativa, esse excedente dos meios de produção ou dos meios de consumo, obviamente, poderia servir para criar um futuro muito mais rico, muito mais humano, muito mais saudável, muito mais dinamizador da vida, da sensibilidade, da inteligência, das artes etc., do que pôde fazer.

De modo que essa montanha de dinheiro e de recursos, somada a muitas outras iguais, em outras décadas desse século, em que Eric Hobsbawn afirma que “é impossível entendermos o século XX sem as guerras”. São 87 guerras, entre 1840 e 1940.

O capitalismo só encontrou uma saída para o excedente: colocá-lo ou na forma de cactos, ou na forma de guerra, ou na forma de tanque, ou na forma de espaço, ou na forma de dissipação e de poluição, em escala mundial. Esses recursos são o futuro incrustado e prisioneiro distorcido pelas relações capitalistas. Se as relações de consumo, se as relações sociais fossem outras, esse excedente produzido pelo trabalho humano não precisaria ser transformado em desemprego, em guerras, ou em atividades destrutivas, wholly wasteful, completamente dissipadoras.

            O que devemos fazer, hoje, diante de 800 milhões de pessoas desempregadas, é vislumbrarmos pontes para o futuro, uma vez que o lucro já não pode ser sustentado pelo Estado, o lucro que se transformou em eficiência marginal do capital, nome dado por Keynes ao lucro, que chamo de eficiência fictícia; um lucro sustentado pelo Governo e não mais extraído apenas do trabalho humano.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            Estou terminando, Sr. Presidente. Se o lucro passou para o vermelho, se até banco estão a falir pelo mundo afora, se as bolsas já começaram a espocar e as suas crises não páram, desde as ocorridas no Sudeste Asiático. Se estamos paralisados como um peru diante de um círculo de giz, sem sabermos que estamos na nossa pré-história, sem sabermos que temos um mundo pela frente a ser construído e que estamos limitados, transformando, necessariamente, o nosso excedente em destruição, em desumanidade. Diante disso, o que devemos fazer hoje é procurar saber não o setor que dará mais lucro para ali empregar o trabalho humano e os recursos excedentes, nem aquele que é mais destrutivo, porque como destrutivo ele tem que ficar na pré-história do capitalismo. Uma sociedade realmente humana, não pode levar para ela esses setores destruidores e improdutivos. O que devemos fazer é abandonar esses nossos parâmetros antigos - todos eles entraram em crise - para, então, criarmos pontes para o futuro, a exemplo de obras, atividades e pesquisas que vão durar na sociedade, no mundo que vem por aí. Porque a negatividade deste mundo atual será destruída, porque é incompatível com o superior, com a superação que virá por aí.

Então, isso não é tarefa para uma pessoa; isso é tarefa, obviamente, para o dia em que a consciência estiver bem formada, desiludida e crítica do presente e do passado que a gerou, para olhar para o futuro e perceber, no presente, aquilo que poderá ser desenvolvido e que perdurará na sociedade futura. Pontes para o futuro, é disso que estamos precisando. E só essas pontes dignificarão o trabalho humano, nos setores em que o trabalho - ora paralisado, ora desempregado, ora vilipendiado -, se transformar numa força, numa chama viva que incendeia, que erotiza o mundo no melhor sentido, e dignifica o homem.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/06/2002 - Página 12162