Discurso durante a 129ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Posicionamento contrário ao adiamento da votação da Reforma do Judiciário pelo Plenário, amanhã.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONGRESSO NACIONAL. REFORMA JUDICIARIA.:
  • Posicionamento contrário ao adiamento da votação da Reforma do Judiciário pelo Plenário, amanhã.
Publicação
Publicação no DSF de 19/11/2002 - Página 22156
Assunto
Outros > CONGRESSO NACIONAL. REFORMA JUDICIARIA.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, PREPARAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, ATUAÇÃO, RENOVAÇÃO, GOVERNO, POSTERIORIDADE, ELEIÇÕES, ESPECIFICAÇÃO, COMBATE, DESIGUALDADE REGIONAL, VOTAÇÃO, ORÇAMENTO, SUPLANTAÇÃO, CRISE, REPRESENTAÇÃO, LEGISLATIVO.
  • ELOGIO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ESTABILIDADE, ECONOMIA, CONTROLE, INFLAÇÃO, PREPARAÇÃO, POSSIBILIDADE, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, CANDIDATO ELEITO, IMPLEMENTAÇÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, MOBILIZAÇÃO, SOCIEDADE.
  • CRITICA, LIDERANÇA, SENADO, REQUERIMENTO, ADIAMENTO, VOTAÇÃO, REFORMA JUDICIARIA, ALEGAÇÕES, NECESSIDADE, POSSE, GOVERNO, CANDIDATO ELEITO, PROTESTO, ORADOR, DESRESPEITO, DEBATE, SENADOR.

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Senadores, estará o Congresso Nacional preparado para corresponder às esperanças que tantos milhões de brasileiros depositaram nas urnas deste ano? Estará o Congresso Nacional como um todo preparado para desvendar a vocação brasileira de crescer e, simultaneamente, desconstruir a terrível desigualdade social que nos atormenta nos dias de hoje? Será o Congresso Nacional capaz de liderar a história deste País em vez de apenas correr atrás dela, como eu diria, a reboque dela?

Estas são as perguntas que cabe fazer neste momento em que o Presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, mobiliza a sociedade em torno de um pacto para promover as mudanças com que acenou para o País.

A avassaladora votação por ele obtida, quase 53 milhões de votos, demonstra estar o povo ansioso por mudança. Não significa desaprovação de tudo que se fez nesses oito anos e sim o desejo de novos rumos, desejo de que o País volte a crescer para criar oportunidade de emprego, de expansão econômica e bem-estar social.

O Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, com o apoio da sociedade e do Congresso Nacional, preparou o terreno para isso; cumpriu a meta principal e essencial de conter a inflação, sanear e estabilizar a economia. Sem base econômica sadia não se conseguirá o desenvolvimento. Nenhum empreendedor pode planejar investimentos num regime de inflação elevada, descontrolada, sem mencionar que a inflação é o mais injusto dos impostos por atingir justamente as camadas mais pobres, aquelas que não têm instrumentos para defender o dinheiro da erosão causada pelo aumento constante dos preços.

Aliás, são as camadas pobres as que mais sofrem os efeitos da inflação; são também elas as que menos aceso têm aos governantes. O fato, sempre lembrado, é que, no Brasil, o Estado se legitima com os votos dos excluídos, mas governa com os incluídos. A legitimidade de quem governa vem das urnas livres. Mas onde estão os pobres, que também decidem pelo voto, senão no abandono, nas cidades e no campo, confinados pela exclusão cada vez mais agravada pela brutal distribuição de renda e de riqueza? O Presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, disse ter sido sua eleição “a vitória da esperança”.

De fato, em recente pesquisa, a CNT/Sensus apurou que 82,8% das pessoas consultadas acreditam na possibilidade de um pacto social para fazer o Brasil crescer mais e mais; 70,7% confiam na redução do desemprego; 64,3% acham que a corrupção diminuirá; 58% estão seguros de que haverá êxito no combate à violência e nada menos que 59,2% se disseram dispostos a fazer algum esforço pessoal, até a pagar mais imposto, em benefício do País.

O que estamos vendo é a sociedade se mobilizando em seus mais variados setores. Dessas articulações, resultarão propostas de reformas, que virão de fora para dentro do Congresso Nacional. Propostas que virão com a força da opinião pública e amplamente amparadas pela mídia.

Digo que virão para dentro do Congresso Nacional porque aqui é onde, institucionalmente, terão de tomar a forma final. Aos legítimos representantes do povo, livremente escolhidos nas urnas, caberá a decisão final sobre essas matérias, certamente complexas e relevantes para o destino do País.

A Nação já deu o recado, pelas urnas, que anseia por mudanças e isso sugere que o Congresso Nacional caminhe nessa mesma direção. E abandone a apatia, para corresponder às esperanças que milhões de brasileiros depositaram nas urnas.

É aí que cabe a pergunta: estará o Congresso Nacional preparado para essa importante missão? Depois de 28 anos de parlamento; 4 na Câmara Municipal de Belo Horizonte, em Minas Gerais; 16 na Câmara dos Deputados e 8 no Senado Federal, acredito ter o direito de fazer essa indagação, Sr. Presidente.

Considero que é chegada a hora de o Congresso Nacional olhar para dentro de si mesmo. Fazer um urgente check up de suas estruturas, buscar modernizar-se, tanto em relação aos meios como aos métodos de ação legislativa.

O Orçamento Geral da União é a mais importante lei do País. Dele depende, em grande parte, como vai viver cada cidadão, que recursos ele terá para cuidar da saúde, da educação, qual a qualidade dos serviços públicos que lhe serão oferecidos.

No entanto, para o Congresso Nacional, o Orçamento é apenas uma peça de ficção. Neste momento, em que votamos a proposta orçamentária para o próximo ano, é que percebemos, em toda a sua extensão, a escassez dos recursos e as limitações do Poder Legislativo.

A margem de manobra para a atividade parlamentar na votação do Orçamento é risível. Os recursos estão em grande parte vinculados por mandamentos constitucionais e compromissos intransponíveis tanto na área interna como externa. Nós nos conformamos com a apresentação de emendas, inclusive as proposições coletivas e individuais de interesse vital dos Estados, mas que não podem ultrapassar os limites estabelecidos pelo Poder Executivo, e ainda temos de enfrentar os contingenciamentos no pagamento das dotações aprovadas.

A capacidade de mobilização da opinião pública pelo Congresso é ínfima, quase desprezível, apesar dos avanços registrados nos meios próprios de divulgação da atividade parlamentar com a implantação de emissora de rádio e de TV nas duas Casas legislativas. Esse novo sistema de comunicação informa tudo em tempo real, mas as informações não são acolhidas pela mídia nacional e regional no volume necessário.

É a mídia, que tudo antecipa com extrema velocidade, que, de certo modo, pauta a agenda do Congresso.

As pesquisas divulgadas, envolvendo a opinião das pessoas sobre as instituições nacionais, mostram claramente o distanciamento entre o Congresso e os cidadãos. Só isso seria suficiente para estimular uma reação dos congressistas na identificação das causas desse comportamento dos cidadãos e na busca de meios e formas de recuperar a credibilidade da instituição parlamentar.

Como representante do povo, conforme dispõe a Constituição, o Congresso tem de caminhar à frente dos acontecimentos, identificar problemas, aprofundar os debates, chegar e permanecer no olho do furacão das crises e não se deixar conduzir por elas. Cabe indagar - repito - se as Lideranças estão realmente preparadas para cumprir esse papel.

Não estou aqui, entretanto, para espalhar o pessimismo, lançar água fria na chama da esperança nacional. Quero que minhas palavras sejam recebidas como um alerta para que o Congresso Nacional, por meio das lideranças partidárias, cumpra o papel que lhe cabe nesta nova e instigante etapa da vida do País.

Sr. Presidente, a instituição parlamentar, como se sabe, passa por uma crise, não apenas no Brasil, mas no mundo todo. A idéia básica do Estado liberal de que a soberania popular e a representação política, instrumentos infalíveis da participação da sociedade no poder, eram intocáveis foi afastada pela chegada do Estado social.

Maurice Duverger, por sua vez, nota que “o problema fundamental consiste em medir o grau de exatidão da representação, isto é, o grau de coincidência entre a opinião pública e a sua expressão parlamentar”.

Não posso deixar de mencionar também o que a esse respeito disse o nosso estimado colega, amigo e imortal Senador José Sarney. Diz S. Exª:

A democracia representativa está em crise e em revisão. Busca encontrar formas de regressar à democracia direta. Há um novo interlocutor da sociedade democrática, a opinião pública, expressa pela mídia avassaladora e pelas organizações não-governamentais. Os parlamentos têm de conviver com essa nova realidade. Os mandatos envelhecem com rapidez espantosa, e sua legitimidade tem de ser renovada a cada dia.

É exatamente isso que estamos vendo agora. A sociedade se mobiliza para fazer chegar a sua vontade ao Congresso Nacional, e ela chegará com a avassaladora pressão a que se referiu o Senador José Sarney. O Congresso Nacional deverá estar preparado para conviver com isso e cumprir sua missão institucional sem frustrar as esperanças do País.

Esta é, Sr. Presidente, a hora mais delicada vivida pela instituição parlamentar no Brasil. O povo está participando dos debates promovidos pelo governo eleito, nesta fase de transição, e o Congresso Nacional não pode ficar a reboque dos acontecimentos básicos do País. É preciso abrir as portas. O Congresso tem que ir ao povo em todos os recantos desta Nação, ouvir os sentimentos coletivos e debatê-los fora e dentro de suas estruturas. O Congresso tem de repelir a apatia e o imobilismo. As inquietações que mobilizaram a Nação e as esperanças que saíram das urnas não podem ser frustradas. A agenda de hoje não pode ser a agenda de ontem. Temos de enxergar além do horizonte.

Sr. Presidente Ramez Tebet, gostaria que V. Exª me ouvisse. Ao terminar essas palavras de chamamento à razão, ao sentimento e à vontade nacional e de alerta contra a apatia e o imobilismo que, de certa forma, penetram o tecido da instituição parlamentar brasileira, estou sendo surpreendido por um requerimento encaminhado à Mesa solicitando o adiamento de um projeto que está chegando à sua fase final, a fim de ser debatido na outra legislatura, por amor à nova Administração Pública nacional que vai se inaugurar no dia 1º de janeiro de 2003.

O requerimento está assinado pelos ilustres Senadores Eduardo Suplicy, Renan Calheiros, Carlos Patrocínio, Geraldo Melo, Antônio Carlos Valadares e José Alencar. Todos são Líderes. Não assinaram apenas o Líder do Governo nesta Casa, Senador Romero Jucá, e o Líder do meu Partido, o Partido da Frente Liberal, Senador José Agripino, que não está aqui no momento.

O requerimento pede o adiamento do debate para chegar-se a um consenso, inclusive com o novo Governo que tomará posse no dia 1º de janeiro próximo. Esse é um sinal claro de apatia e de imobilismo em torno de um projeto que tramita nesta Casa por mais de dez anos.

O Senador Bernardo Cabral - que, por coincidência, está à nossa frente nos ouvindo - sabe que amanhã esta Casa examinará o requerimento assinado pelos Líderes, por amor à nova ordem política que se instalará no País e que está convivendo, de forma admirável, com o status quo atual. Pois bem, esta Casa examinará o adiamento, apesar do projeto da reforma do Poder Judiciário ter sido amplamente discutido nesta Casa, especialmente na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania por mais de 10 anos. O Senador Bernardo Cabral poderia muito bem ter oferecido um substitutivo, mas preferiu discutir emenda por emenda, debatê-las e, afinal, chegar a um consenso.

No requerimento, segundo estou informado por alguns dos signatários, declara-se que não há consenso em torno das emendas oferecidas pelo Relator. Não é verdade. Se houve divergência, ela foi superada com a votação do Plenário da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

O requerimento anuncia o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil, da Associação dos Juízes Federais do Brasil, da Associação dos Magistrados Brasileiros, da Associação dos Magistrados Trabalhistas e diz que é preciso formar um consenso sobre o tema e aprofundá-lo de acordo com o novo Governo.

Sr. Presidente, será possível que este Senador, que deixará esta Casa em alguns meses, assistirá a essa demonstração de apatia, de imobilismo e de amor à sedução de um governo que não é de ruptura, mas apenas de mudanças? Ainda ontem, o Presidente eleito foi recebido pelo Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, no Palácio da Alvorada.

Alguns líderes partidários, num gesto lamentável, requerem o adiamento da discussão, sem observar que a proposição aprovada pelo Plenário do Senado ainda vai à Câmara dos Deputados, que poderá aprovar ou não as emendas acolhidas por esta Casa.

Manifesto, portanto, minha estranheza à atitude dos Senadores Eduardo Suplicy, Renan Calheiros, Carlos Patrocínio, Geraldo Melo, Antonio Carlos Valadares e José Alencar e louvo os Senadores Romero Jucá e José Agripino, que não assinaram esse documento.

Esse é o nosso posicionamento em face desse requerimento que representa também uma demonstração de desapreço à figura exponencial de um dos homens públicos mais honrados, competentes, lúcidos e corajosos desta Nação: o Senador Bernardo Cabral.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/11/2002 - Página 22156