Discurso durante a 146ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

HOMENAGEM AO ARQUITETO OSCAR NIEMEYER, PELO TRANSCURSO DOS 95 ANOS DO SEU NASCIMENTO, QUE SERÃO COMPLETADOS EM 15 DE DEZEMBRO DE 2002.

Autor
Francelino Pereira (PFL - Partido da Frente Liberal/MG)
Nome completo: Francelino Pereira dos Santos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO ARQUITETO OSCAR NIEMEYER, PELO TRANSCURSO DOS 95 ANOS DO SEU NASCIMENTO, QUE SERÃO COMPLETADOS EM 15 DE DEZEMBRO DE 2002.
Aparteantes
Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/2002 - Página 25394
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, OSCAR NIEMEYER, ARQUITETO, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, ARQUITETURA, BRASIL, MUNDO, ESPECIFICAÇÃO, CONSTRUÇÃO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF).

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srs. Convidados, a vida de Oscar Niemeyer é a própria arquitetura que outro arquiteto e seu amigo, o crítico de arte Ítalo Campofiorito, define como “um mundo de histórias, de belezas e ensinamentos”.

Das belezas, falou o pensador francês André Malraux ao sintetizar que “as colunas do Alvorada são, depois das colunas gregas, as mais bonitas que já vi”. Das belezas, também proclamou Lúcio Costa, autor do Plano-Piloto de Brasília, três ou quatro palavras de conteúdo definitivo: “Pampulha é uma beleza!”.

Dos ensinamentos, a palavra fica com o próprio arquiteto que desenhou a Pampulha e os palácios de Brasília. Em três linhas, a declaração humana, antes da abertura do seu livro Minha Arquitetura: “Para mim, a arquitetura não é o mais importante. Importantes são a família, os amigos e este mundo injusto que devemos modificar”.

Devo, pois, neste plenário, falar da obra do grande arquiteto, lembrar o cidadão Niemeyer, extraordinária figura humana, sempre com o olhar nos destinos do País, mas, sobretudo, preocupado com o abandono de milhões de brasileiros. Não há como não exaltar a arquitetura de Niemeyer,que a cada momento nos surpreende com novas e fulgurantes belezas. No mês passado, ele esteve em Curitiba, no Paraná, para inaugurar o NovoMuseu, o maior da América Latina. E, há pouco, foi a São Paulo, cuidar do projeto de um novo auditório no complexo do Parque do Ibirapuera.

Afora essas surpresas, devo destacar o permanente zelo de Niemeyer, com Brasília. Há poucos anos, por exemplo, ele aqui esteve com o projeto da obra que vai completar o conjunto deste Congresso Nacional, fazendo com que sua frente fique, como deve, voltada para a Praça dos Três Poderes. Niemeyer observa que “muitas salas - destas nossas duas Casas - foram situadas no prédio principal (...), num acréscimo de 15 metros na profundidade do bloco (...)”. E prossegue: “Durante muito tempo, incomodou-nos o que aconteceu. Sem a ligação visual com a Praça, o Congresso Nacional dela não parecia mais pertencer (...). E resolvemos propor a solução (...), com uma passarela que ligasse o prédio do Congresso a um novo anexo, junto à Praça dos Três Poderes (...). Aí ficariam os gabinetes dos Presidentes do Senado e da Câmara, providos de todos os serviços de apoio e, no terraço, um grande salão de recepção”. Essas são as expressões do documento existente no Congresso Nacional.

Niemeyer poderia sintetizar seu currículo em apenas uma linha: Arquiteto. Autor dos projetos da Pampulha e de Brasília. Por que Pampulha? Porque foi ali, em Belo Horizonte, que ele pôde dar vazão à sua genialidade, inventando a arquitetura das curvas, em contraste com a tradicional, dos ângulos retos. Pampulha, como ele mesmo disse, foi o início de uma obra de arte que culminou com Brasília.

Em 1934, recém-formado em arquitetura, pela Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, Niemeyer, que já fazia estágio no escritório de Lúcio Costa, foi chamado pelo amigo e colega Carlos Leão a colaborar no Ministério de Educação e Saúde. O Ministro era o mineiro Gustavo Capanema.

Gustavo Capanema, com sua reconhecida visão de homem público, com certeza, percebera o talento daquele jovem arquiteto. Tanto que, em 1936, o designou para integrar a comissão que constituíra, sob a direção de Lúcio Costa e com a consultoria do renomado arquiteto franco-suíço Le Corbusier, para definir os planos da sede do Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro.

Foi Capanema também quem apresentou Niemeyer a Juscelino Kubitschek, quando este, Prefeito de Belo Horizonte, no início da década de 40, procurava um arquiteto para projetar o bairro da Pampulha, na minha capital, que queria moderno, inovador, arrojado.

Niemeyer era a pessoa talhada para o que Juscelino tinha em mente. Foi imediato o entendimento entre ambos. O arquiteto pôde dar vazão às suas fantasias, em busca da beleza. E a beleza, disse ele, citando o poeta francês Baudelaire, “tem como características o espanto e a surpresa”.

Espanto e surpresa não faltaram na Pampulha. Niemeyer explorou os novos caminhos que o concreto armado abria para a arquitetura, permitindo formas novas e imprevisíveis. Surgem o Cassino, a Casa do Baile, com a sua marquise sinuosa, o Iate e a controvertida Igreja de São Francisco, com curvas de variadas dimensões. Com ela, Niemeyer contestava a arquitetura retilínea então predominante.

A Pampulha despertava, em uns, admiração entusiasmada; em outros, críticas ferozes. Juscelino, com sua audácia e otimismo a toda prova, não se abalava com as críticas e problemas. Seu apoio ao arquiteto e seu entusiasmo pela obra não tinham limites. Niemeyer conta que, às vezes, ele o levava de barco, altas horas da noite, para ver os edifícios se refletindo nas águas da represa da Pampulha.

Nada mais natural, pois, que, decidido a construir a nova Capital, Juscelino Kubitschek, então Presidente da República, tivesse na cabeça os traços originais da Pampulha e fosse atrás do mesmo arquiteto.

Niemeyer conta que JK foi buscá-lo em sua casa, no Rio, e lhe disse: “Vamos construir a nova Capital do País?” O arquiteto recusou, no entanto, o convite para projetá-la, sugerindo a abertura de concurso nacional. Faria o projeto dos prédios monumentais.

Não é preciso falar da beleza plástica do Palácio da Alvorada, do Palácio do Planalto, do Itamaraty, do Ministério da Justiça, da Catedral, do Congresso Nacional e dos novos prédios que ainda surgem, como o Panteão dos Heróis Nacionais, o Memorial JK, a sede do Superior Tribunal de Justiça e a novíssima sede da Procuradoria Geral da República, além dos anexos do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União.

Mas é preciso ver o que o próprio arquiteto fala do seu trabalho. Em novembro de 1998, Niemeyer disse:

É uma arquitetura mais livre, em que a curva é mais freqüente, mais ligada às velhas coisas brasileiras. O Palácio da Alvorada, por exemplo, se verá que ele tem a predominância horizontal das casas de fazenda, a varanda que ampliava as salas, a primeira capela.

Neste ponto, Sr. Presidente, uma observação: quando me coube a tarefa de coordenar, do início ao fim, a obra do Centro Cultural do Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, na Rua 1º de Março, durante três anos, ali estive todos os fins de semana e, naturalmente, desejava que toda aquela obra, que era a reformulação do prédio e a sua nova destinação, tivesse o apoio, a solidariedade e a visão otimista do povo carioca. Para isso, preocupei-me principalmente em convidar Niemeyer, Lúcio Costa, Burle Marx, Tom Jobim, os arquitetos, os acadêmicos e os jornalistas, para que todos participassem da transformação daquele prédio -- onde se situara o Banco do Brasil - no Centro Cultural - o famoso CCBB, que é o novo endereço cultural do Rio de Janeiro.

Niemeyer não se surpreendeu com as linhas diferentes da sua visão modernista e, ao contrário, louvou essa compatibilização entre as linhas antigas e as linhas novas, como aplaude sempre, inclusive o barroco mineiro, famoso no mundo inteiro.

Sr. Presidente, voltando ao que disse Niemeyer a respeito de sua arquitetura:

Não pensei em nada disso quando fiz o projeto, mas, sem querer, há uma influência. Corbusier me disse que eu tinha as montanhas do Rio nos meus olhos. A gente guarda tudo o que amou na vida: montanhas, rios, o ambiente brasileiro, mulheres, etc.

A monumentalidade da arquitetura da nova Capital era, entretanto, fundamental para o arquiteto.

Minha preocupação - assinala ele em Minha Experiência em Brasília - era encontrar, sem limitações funcionalistas, uma forma clara e bela de estrutura que definisse e caracterizasse os edifícios principais, os palácios propriamente ditos, dentro dos critérios de simplicidade e nobreza, indispensáveis. Mas, preocupava-me, fundamentalmente que esses prédios constituíssem qualquer coisa de novo e diferente, que fugisse à rotina em que a arquitetura atual vai melancolicamente estagnando-se, de modo a proporcionar aos futuros visitantes da nova Capital uma sensação de surpresa e emoção que a engrandecesse e caracterizasse.

Niemeyer disse que Juscelino não queria “uma cidade qualquer, feia e provinciana, mas uma cidade moderna, que exprimisse o futuro e a grandeza do Brasil”.

Em 1960 - acrescentou o arquiteto -, Brasília foi inaugurada, diferente de todas as capitais até hoje construídas - diferente de Washington, por exemplo, que em nada contribuiu para o mundo da arquitetura e do urbanismo.

Após concretizar a Pampulha - em parte, talvez, por isso -, nosso homenageado teve sua primeira experiência internacional. Em 1947, integrou a comissão encarregada de projetar a sede da Organização das Nações Unidas, em Nova York. Seu projeto foi o escolhido, mas, por uma generosidade, mais tarde admitida por Le Corbusier, aceitou uma alteração por este proposta - e o prédio construído resultou da associação de ambos. Os brasileiros que vêem o prédio da ONU não deixam de nele identificar linhas que lembram este Congresso Nacional.

Depois de Brasília, o nome do arquiteto brasileiro firmou-se no cenário nacional. Há obras suas em 20 países da América, da Europa, do Oriente Médio e do norte da África. São seus, entre outros, os projetos da sede do Partido Comunista Francês, em Paris; do Centro Cultural do Havre, na França; da Editora Mandadori, em Milão; e da Universidade de Constantine, na Argélia.

No Brasil, há obras dele em oito capitais, destacando-se as do Parque do Ibirapuera e o Memorial da América Latina, em São Paulo; o Museu de Arte Contemporânea, em Niterói, e o recentíssimo NovoMuseu, de Curitiba, Paraná. Com 33.000m2 de área construída, dos quais mais de 16.000 destinados a exposições, é um dos maiores museus do mundo.

É notável que esse homem, aos 95 anos, ainda se debruce sobre as pranchetas para produzir novas maravilhas, como o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, que lembra um disco voador pousado no alto do morro. Ainda agora, em Brasília, está em construção a nova sede do Tribunal Superior do Trabalho, por ele projetada, e aguardam execução os projetos que irão completar a Esplanada dos Ministérios, com biblioteca, museu e centros cultural e de laser.

Seria natural supor que, autor da Pampulha e dos principais prédios de Brasília e de mais de 400 projetos realizados, dos quais 180 no exterior, Niemeyer fosse dono de considerável fortuna. Não é, porém, o que ocorre. E esta é a sua outra faceta: a do homem que nunca fez do dinheiro um fim em si mesmo, a do homem que tem aguçada consciência social, que não se conforma em ver no País tanta riqueza de um lado e tanta pobreza e miséria do outro.

Niemeyer trabalhou em Brasília projetando palácios como simples funcionário público. Israel Pinheiro, encarregado de dirigir a construção da nova Capital, disse a Niemeyer, com a conhecida franqueza, que só poderia pagá-lo como funcionário, mas poderia dar-lhe uma comissão sobre o custo das obras, conforme tabela do Instituto dos Arquitetos do Brasil. Niemeyer conta que, como detestava a palavra “comissão”, ficou recebendo apenas como funcionário da Novacap.

Juscelino preocupava-se com o sacrifício que o arquiteto fazia, pois fechara o escritório de arquitetura no Rio para dedicar-se à Brasília, viver no desconforto do grande canteiro de obras, primeiro na moradia de madeira denominada Catetinho e, depois, numa das primeiras casas populares construídas no Plano Piloto.

Um dia, JK telefonou para Niemeyer para encarregá-lo de projetar as sedes do Banco do Brasil e do Banco de Desenvolvimento Econômico pela tabela do Instituto dos Arquitetos do Brasil. Era uma maneira de lhe proporcionar alguma compensação financeira: “Não posso” - respondeu-lhe o arquiteto - “sou funcionário”.

Niemeyer disse que teria vergonha de ser rico. Ele próprio explica: “Não quer dizer que não tenha ganhado dinheiro. Mas gastei e ajudei outros. Hoje, tenho que lutar pelo dia seguinte”.

Sua preocupação com a injustiça social o levou à ideologia marxista, da qual não desistiu nem depois da experiência soviética. Ele acredita que um dia a idéia da igualdade acabará prevalecendo. Não agora, porém, porque, como dissera antes, “o ser humano ainda não está qualificado para a sociedade horizontal, sem classes”. “Temos que mudar o homem”, acrescentou. “No dia em que ele perder essa idéia de importância, de preocupação com o dinheiro, com o poder, aí tudo começará a mudar”.

Niemeyer devota imensa relevância a esse “outro lado” de sua vida. Por isso, merece o respeito e o aplauso de todos nós a preocupação de Niemeyer com a injustiça social. Merece - também e sobretudo - caloroso aplauso a grande obra arquitetônica que ele construiu e continua a construir.

Aqui estou para trazer a Oscar Niemeyer o abraço fraterno de Minas, dos 18 milhões de mineiros, pelos 95 anos do grande arquiteto, pela sua jovialidade, lucidez e pela sua inteligência, ele que é tão ligado às Alterosas.

Foi um grande mineiro, Gustavo Capanema, quem primeiro acreditou no talento de Niemeyer. E foi outro mineiro, Juscelino Kubitschek, que deu asas a sua imaginação e genialidade, confiando-lhe Pampulha e, depois, Brasília.

Minha presença nesta tribuna, pois, é a presença de Minas, de Minas que me fez líder universitário, inclusive ao tempo da União Nacional dos Estudantes; que me fez Vereador, Deputado Federal, Governador do Estado e Senador. E o mais importante: deu-me o prêmio de me casar com uma mineira e vir a ser mineiro mais do que qualquer outro. Niemeyer também é literalmente mineiro, porque seu destino sempre esteve ligado ao destino de Minas e dos mineiros.

É esta a saudação que transmito a Niemeyer, o reinventor das linhas arquitetônicas, às quais soube levar a leveza das curvas. É a saudação a um notável brasileiro, que, ao provocar mudanças nas linhas arquitetônicas, não rompeu com as linhas clássicas, inclusive o barroco, que evocam o passado. Niemeyer, com sua arquitetura moderna e arrojada, mas de linhas suaves, é o grande arquiteto respeitado no Brasil e no mundo todo.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG) - V. Exª tem a palavra.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL - AM) - Ainda há pouco, Senador Francelino Pereira, eu ouvia um aparte do Senador Roberto Saturnino, quando me encaminhava para cá, dizendo que se houvesse um Prêmio Nobel de arquitetura Niemeyer já o teria recebido, até porque se o seu nome - Oscar - fosse pronunciado em inglês, ele teria outro prêmio no próprio nome. Juntar-se-iam as duas coisas: o Prêmio Nobel e o Oscar de uma vida inteira. O que é interessante é que ao homem público nunca, ou com muita dificuldade, os seus contemporâneos lhe proclamam os méritos. Quando muito, os pósteros lhe fazem justiça. O que é fantástico é que da mais alta tribuna desta Casa está a se fazer justiça, reconhecendo-se competência, dignidade, integridade e austeridade no mineiro Oscar Niemeyer. Estava a me perguntar: “Por que esses discursos, que são menos laudatórios do que fantasticamente o reconhecimento a um homem como Niemeyer?”. E cheguei à seguinte conclusão: com os grandes homens, geralmente faz-se comparação; no terreno da arquitetura, deveríamos buscar alguém para compararmos a Niemeyer. Aí, cheguei à conclusão dessa homenagem: Oscar Niemeyer não pode ser comparado. Niemeyer é separado e, por essa razão, quero cumprimentar o discurso denso e escorreito de V. Exª. Parabéns a Minas e ao mineiro Francelino Pereira.

O SR. FRANCELINO PEREIRA (PFL - MG) - Senador Bernardo Cabral, o aparte de V. Exª, pela expressão de sua vida, pelo itinerário da sua existência e pelo talento da sua figura, completa a homenagem que estamos prestando a um carioca que se fez mineiro e brasileiro para todos nós.

Apenas para lembrar a V. Exª, o memorialismo é, hoje, um caminho seguro para a literatura, para os testemunhos daqueles que se foram para outro mundo e talvez para outra vida. E é fácil escrever sobre os mortos, porque os mortos não falam. O que importa é que Niemeyer está vivendo muito bem ainda, jovial, inteligente, competente. Estamos lhe prestando uma homenagem quando está vivendo uma vida fantástica, emoldurada pelas águas de Copacabana, sempre com um traço no papel revelando o seu gênio e a sua presença no coração do Brasil.

Muito obrigado.

 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/2002 - Página 25394