Discurso durante a 23ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas às declarações do Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, sobre as ações do Movimento dos Sem-Terra para reivindicar a Reforma Agrária.

Autor
Romero Jucá (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. REFORMA AGRARIA.:
  • Críticas às declarações do Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, sobre as ações do Movimento dos Sem-Terra para reivindicar a Reforma Agrária.
Aparteantes
Amir Lando, Arthur Virgílio, Paulo Octávio, Ramez Tebet, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 25/03/2003 - Página 4552
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • CRITICA, CONTRADIÇÃO, DECLARAÇÃO, AUTORIDADE, GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • CRITICA, ENTREVISTA, MIGUEL ROSSETTO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO, PUBLICAÇÃO, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), INCOERENCIA, DECLARAÇÃO, APOIO, INVASÃO TERRITORIAL, AUSENCIA, INTERESSE, GARANTIA, ORDEM PUBLICA, DEFESA, ESTATIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA.
  • EXPECTATIVA, PRONUNCIAMENTO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, TENTATIVA, ESCLARECIMENTOS, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO DESENVOLVIMENTO AGRARIO, IMPEDIMENTO, AUMENTO, NUMERO, INVASÃO, TERRAS, VIOLENCIA, CAMPO, PREJUIZO, AGRICULTURA.

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pedi a palavra pela Liderança do PSDB porque entendo que o papel do PSDB, aqui no Congresso Nacional, tem sido um papel de oposição, mas de oposição, com muita responsabilidade. Nos custa atuar cobrando ou apontando falhas, mas é importante que isso seja feito.

Portanto, quero registrar aqui que as minhas palavras não serão palavras de agressão, mas serão, sobretudo, palavras de alerta e de preocupação. É natural que o Governo que começa cometa equívocos. É natural. Já vimos muito desse governo. Vimos tanto que, nesse final se semana, o Presidente da Câmara dos Deputados, o Deputado do PT, João Paulo, registrou que Governo está batendo cabeça, que os ministros estão batendo cabeça.

Ora, isso seria fácil de resolver. Apesar da bateção de cabeças, apesar de o Governo não se entender, bastaria que o Ministro do Trabalho, Jaques Wagner, mandasse buscar nos Estados Unidos aqueles capacetes de futebol americano e distribuíssem entre os ministros para evitar acidente de trabalho.

A questão, todavia, não é só essa. Estou vindo à tribuna, hoje, registrar algo extremamente grave. E não quero falar aqui, e não adianta falar aqui, que o Ministro não quis dizer isto que vou relatar aqui. Porque o Governo do Presidente Lula, dentro de pouco tempo, também, se continuar agindo desta forma, terá que criar uma nova figura no imaginário ou na ação política de comunicação do Governo. O Governo hoje já tem o porta-voz, que é aquele que fala pelo Presidente. Provavelmente terá que criar a figura do intérprete, aquele que tenta explicar o que os Ministros disseram desastradamente. Se formos lembrar, o Ministro José Graziano falou contra os nordestinos; o Ministro do Desenvolvimento disse que o Brasil teria lucro com a guerra; o assessor internacional do Presidente, neste fim de semana, na Revista Veja, disse que poderia dar asilo a Saddam Hussein; e por aí vai o rol de barbaridades que este Governo tem de explicar.

Entretanto, trago hoje algo mais grave. Venho cobrar uma posição do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Por que a minha cobrança? Porque, neste final de semana, lemos, estarrecidos, nas Páginas Amarelas da Revisa Veja, uma entrevista com o Ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, que tem algumas “pérolas” que precisam ser explicadas pelo Governo.

A entrevista começa explicando a posição do Ministro: “Ao comentar as ações do MST, Rossetto não usa a palavra ‘invasão’. Prefere o vocábulo mais suave, difundido pelo Movimento, que é o da ‘ocupação’. No Governo, distribuiu entre lideranças de sem-terra as diretorias do Incra, o órgão que trata das desapropriações. Numa das suas primeiras entrevistas, o Ministro falou em anular a lei que impede a desapropriação de terras invadidas, dispositivo esse que derrubou o número de invasões. Nesta entrevista à Veja, Rossetto foi um pouco mais além: disse que contrataria Stédile para trabalhar no Incra e revelou uma idéia de estatizar terras.”

Até aqui, o Ministro ainda está no direito dele. Contratar o Stédile e distribuir os cargos de confiança do Incra para o MST são opções administrativas do Governo Lula. Mas o Ministro não parou por aqui; foi mais além.

A primeira pergunta da revista Veja foi a seguinte: “O senhor costuma usar o verbo ocupar quando os sem-terra entram em fazendas sem serem convidados. Qual a diferença entre ocupar e invadir?” Palavras do Ministro: “A idéia é que se ocupe o vazio; portanto o uso desse termo se faz pelo reconhecimento de ocupação de terras improdutivas.”

Ora, por essa teoria do Ministro, o Governo Lula deveria apoiar os Estados Unidos na ocupação do Iraque, porque o deserto também está vazio. Na verdade, é uma posição de infelicidade. Mas não acaba aqui, Sr. Presidente.

A Veja vem novamente: “E quando o MST entra numa terra produtiva, faz uma invasão?” Aí vem o Ministro: “Isso é o que tem que ser afirmado nas decisões judiciais. É muito difícil falar em tese sobre isso.” É difícil para um Ministro de Estado, responsável pela reforma agrária, falar em tese que terras produtivas invadidas têm que ser discutido apenas na Justiça?!

Mas vai mais além, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. A Veja então retruca: “Para os donos de imóveis, o problema é muito prático e objetivo. Sua visão sobre o assunto é importante até para orientar outras autoridades. Quando o MST entra em uma terra que produz, faz uma ocupação ou uma invasão?”, pergunta a revista. Vem o Ministro e responde: “O termo invadir, ocupar é secundário. Cumpra-se a decisão da justiça.” Agora vem o mais grave: “As autoridades precisam buscar um padrão de cumprimento das decisões que não seja gerador de mais violência. O exercício do Estado Democrático de Direito não pode ser gerador e ampliador de violência. Os manifestantes lutam por terras, são brasileiros como nós, e que, de uma forma positiva, estão lutando pelo direito de trabalho no campo.

Ou seja, o Ministro chega ao absurdo de dizer que o termo “invadir” ou “ocupar” é secundário e que as autoridades, depois de uma terra invadida, não podem usar a lei para retirar os invasores, porque isso geraria violência. Ora, para a violência precípua, que é a violência da invasão, o Ministro fecha os olhos. E vai mais além: diz que o exercício do Estado Democrático de Direito não pode ser gerador de violência, para tirar invasores. Srªs e Srs. Senadores, onde é que está sendo ferido o Estado Democrático de Direito? É na invasão, ou na não retirada dos invasores por decisão judicial?

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Permite V.Exª um aparte?

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR) - A Veja vai mais além.

Darei já o aparte, Senador Ramez Tebet, porque o assunto é muito sério, preciso fazer, primeiro, um relato para, depois, debatermos esse assunto.

A Veja vai mais além e pergunta: “Que diferença existe entre um sem-terra que invade uma fazenda; um “sem-saúde” que invade um hospital; e um “sem-comida” que invade um restaurante e um desempregado que invade uma fábrica?” Pergunta a revista Veja.

Responde o Ministro: “Na condição de cidadão que luta pela garantia dos direitos fundamentais à sobrevivência humana, nenhuma.”

Ou seja, segundo o Ministro da Reforma Agrária do Governo Lula, todos podem invadir e tomar na marra o que quiserem, porque é legítimo socialmente. Algo extremamente grave na afirmação de qualquer cidadão brasileiro; algo muito mais grave na afirmação de um Ministro de Estado, ainda mais um Ministro de Estado responsável por uma área sensível e explosiva como a área da reforma agrária.

Vem mais. A revista Veja diz: “Por exemplo, uma pessoa que invade um hospital para exigir tratamento está agindo de forma legítima?” Responde o Ministro: “Eu penso que sim. O que não quer dizer que seja legal”. O Ministro, agora, duas questões a serem avaliadas: o que é legítimo e o que é legal; e dá a entender que o que é legítimo, mas que não é legal deve ser buscado. É a ausência completa do cumprimento da lei, dos direitos individuais e coletivos neste País.

O Ministro, mais na frente, registra que “os assentamentos, apesar de não terem condição, servem para dar segurança aos assentados”. Mais na frente, ele diz que lutará para obter os recursos necessários para a reforma agrária. Já começo a imaginar que ele, junto com o MST, vai invadir o Ministério da Fazenda, do Ministro Palocci, para, efetivamente, conseguir recursos a fim de fazer a sua reforma agrária.

Em continuação, a revista Veja pergunta: “O senhor falou em anular a lei que impede desapropriações de terras invadidas. Em que essa mudança vai melhorar o relacionamento entre os sem-terra e os setores produtivos?” E o Ministro responde: “O problema dessa lei é que ela confunde medidas agrárias e penais. Nós somos contra”. O problema do Ministro é que ele confunde tudo. Não é a lei que está confundindo medida penária com agrária. O Ministro está confundindo responsabilidade, legalidade, democracia e tudo o mais com anarquia, bagunça e a negação do Estado de Direito.

O Sr. Paulo Octávio (PFL - DF) - Senador Romero Jucá, V. Exª me permite um aparte?

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR) - Senador Paulo Octávio, a entrevista já está no fim, e terminarei de relatá-la.

            O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos) - Senador Romero Jucá, peço que V. Exª balize o final de seu pronunciamento. V. Exª já ultrapassou em cinco minutos o tempo destinado à fala da Liderança e há um entendimento firmado pela Mesa no sentido de que, em sendo o horário destinado à Liderança fixado em cinco minutos, nesse período específico, o aparte fica prejudicado por ter o mesmo o tempo máximo de dois minutos.

A Mesa estende o tempo. Continua V. Exª com a palavra.

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR) - Sr. Presidente, como o tema é extremamente grave, terminarei rapidamente e peço a V. Exª um pouco de condescendência.

Mais na frente, a revista Veja pergunta: “Mas só o MST ganha alguma coisa com a anulação dessa regra. Aparentemente, acabar com ela só favorece os que invadem. Responde o Ministro: “Qualquer cidadão que cometa atos ilegais deve responder perante a Justiça. Essa lei tem um conjunto de artigos inadequados.”

Ora, inadequado para o Ministro não são as invasões, mas os artigos da lei.

E aí o Ministro continua dizendo que não é o Ministério do Desenvolvimento Agrário não é instituição policial e que não verificará essa questão das invasões. E, para concluir, o Ministro ainda coloca uma pérola do seu pensamento, que é a seguinte: “Tenho algumas idéias, mas são apenas idéias que nem cheguei a apresentar. Uma delas é não entregar o título de propriedade da terra aos assentados. O Governo seria o dono das terras e os assentados teriam apenas a posse para nelas trabalhar.” Ou seja, além de tudo, o Ministro ainda quer estatizar a reforma agrária e involuir. Quero ver o Governo Lula chegar nos assentamentos de Roraima e de todo canto e dizer que não vai mais dar o título de terra ao assentado que está lá lutando pela sua família e pelo seu futuro.

O Ministro se contradiz nessa afirmativa, porque, no início da entrevista, ele diz que o título, que a terra é a segurança para o cidadão e para a família. E agora, no final, releva ou demonstra uma vontade estatizante, algo sem precedentes na ação programática do Incra ou na reforma agrária brasileira.

Concedo o aparte ao Senador Ramez Tebet, rapidamente, Sr. Presidente. Depois, ao Senador Paulo Octávio, e já encerro.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Romero Jucá, é de muita importância o pronunciamento de V. Exª, ao analisar essa entrevista infeliz, profundamente infeliz, lamentável, de S. Exª, o Ministro da Reforma Agrária no País. Felizmente, um outro Membro do Governo do Presidente Lula, Chico Graziano, parece que está pensando inteiramente diferente. Estou lendo a opinião de Chico Graziano...

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR) - É a bateção de cabeças, a que se referiu o Deputado João Paulo.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) -... quando ele afirma, e afirma o que é verdade, que a produção de grãos do Brasil, em duas décadas, evoluiu de 46 milhões de toneladas para pouco mais de 100 milhões de toneladas. Estou aqui com um artigo de O Estado de S.Paulo que merecia ser transcrito, sob o título, “A agropecuária exige respeito”. Esse artigo demonstra, sem dúvida alguma, que a agropecuária, no Brasil, o setor produtivo agropecuário do Brasil, é que tem sido responsável pelo superávit da balança de pagamento. Uma entrevista dessa prejudica o sistema produtivo do País, deixa intranqüilos os produtores rurais. Não podemos incentivar invasão sob o título ou o nome que se queira dar a ela, ocupação ou invasão. Isso aí é um jogo de palavras para justificar o movimento daqueles que não querem respeitar, pelo menos, a propriedade produtiva. E, olha, Senador Romero Jucá, venho do Estado de Mato Grosso do Sul, onde já começa a haver intranqüilidade. E é o Estado que possui o maior rebanho bovino do País, é o segundo produtor de soja do País. E tudo isso não pode, sem dúvida alguma, Senador Romero Jucá, ser esquecido. E lá está existindo uma intranqüilidade, graças a essas entrevistas e falas que não correspondem positivamente sequer à realidade do Governo do Presidente Lula. O que é preciso é compreender a linguagem, e essa linguagem do Ministro da Reforma Agrária está, sem dúvida, levando insegurança ao campo e incentivando a violência lá. Já existe a violência urbana, e agora querem ainda aumentar a violência no campo. Parabenizo-me com a maneira com que V. Exª está abordando essa entrevista, para demonstrar que não concordamos com esse estado de coisas reveladas nessa entrevista, muito menos com a revogação da medida provisória que impede a vistoria de terras invadidas. Positivamente, Senador Romero Jucá, se se revogar uma medida provisória dessa natureza é praticamente dizer: “Tomem conta de tudo, façam o que quiserem que o Governo garante”. E, positivamente, não quero acreditar, eu me recuso a acreditar que isso vá ocorrer.

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR) - Agradeço o aparte do Senador Ramez Tebet.

O Sr. Paulo Octávio (PFL - DF) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Romero Jucá?

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR) - Pois não, nobre Senador Paulo Octávio.

O Sr. Paulo Octávio (PFL - DF) - Senador Romero Jucá, é muito oportuno o pronunciamento de V. Exª. Considero a entrevista um desastre; deixou o Brasil todo perplexo. E o interessante que a entrevista começa falando em respeito às leis. A violência no Brasil aumenta, vivemos um momento de insegurança, e o próprio Ministro incentiva o desrespeito às leis, à Constituição brasileira. É muito grave. É tão grave que desejo sugerir à Casa - o PFL está disposto a assinar - um pedido de convocação ao Ministro, a fim de que venha ao Senado Federal explicar exatamente o que pensa. E, por sinal, o que S. Exª pensa está muito bem descrito na entrevista e no pronunciamento de V. Exª. Trata-se de uma matéria desastrosa para o futuro do País. Justamente quando batemos recorde de safra, quando começamos a produzir, nós, que somos o celeiro do mundo, de repente podemos estar desestimulando a produção agrícola e criando uma verdadeira tensão no campo. E é o que não desejamos, definitivamente. Por essa razão, o PFL está disposto a assinar com o PSDB um pedido de convocação ao Ministro, para que venha prestar os devidos esclarecimentos a respeito da infeliz entrevista à revista Veja.

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR) - Agradeço o aparte, Senador Paulo Octávio. Gostaria de registrar que já assinei um pedido de convocação para o Ministro no plenário do Senado. Ficarei muito satisfeito se V. Exª puder assinar, ser co-autor, a fim de que possamos amanhã votar o requerimento e trazer o Ministro para debater tais questões.

O Sr. Paulo Octávio (PFL - DF) - Conte com a assinatura do PFL.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Romero Jucá?

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR) - Concedo o aparte ao Senador Tião Viana.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos) - A Presidência solicita apenas, em respeito aos demais oradores, que os aparteantes colaborem com a Mesa na condução dos trabalhos.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Sr. Presidente, eu agradeço e serei rigoroso na atenção ao tempo. Senador Romero Jucá, cumprimento V. Exª por um tema que interessa ao Brasil: o tema da reforma agrária e da gestão pública. Eu gostaria apenas de afirmar a minha concordância em que o Ministro Miguel Rossetto possa vir ao Senado Federal debater com os Senadores e expor as razões dos argumentos que utilizou perante a jornalista que o entrevistou, trazendo, assim, o debate da reforma agrária para dentro do Parlamento, a Câmara Alta do Congresso Nacional. Eu só gostaria que V. Exª considerasse que, às vezes, há uma interpretação equivocada daquilo que se diz e não há uma sedimentação efetiva daquilo que se expõe. V. Exª lembra que o Presidente Fernando Henrique, uma vez, disse que só vagabundo se aposentava com determinada idade. Foi necessária uma justificativa dele de quase três anos. Então, essas expressões, às vezes deslocadas, trazem interpretações hostis, duras e que, com o tempo, podem ser plenamente reparadas e esclarecidas à sociedade. Há um debate efervescente sobre o que é governar. E considero absolutamente injusto qualquer julgamento do governo do Presidente Lula, pelo pouco tempo em que está governando este País. Quem praticou a maior fase de descaso e de desconsideração com o setor produtivo rural neste País e com a reforma agrária foi o governo em que V. Exª atuou como Vice-Líder, porque colocou pessoas sem qualquer opção de vida em uma condição pior ainda, na miséria, porque não havia crédito, não havia extensão rural. Tudo era apenas colocado no papel e as pessoas eram transferidas. As maiores violências no campo da fase de redemocratização do Brasil ocorreram na gestão do Governo que V. Exª defende, como os assassinatos de Corumbiara e outros. Lamentamos aquilo que aconteceu. Sei que V. Exª lamentou e que seu Partido lamentou, mas isso ocorreu ali. Carajás, Eldorado dos Carajás é um grande exemplo de tristeza e flagelo e de luto deste País e que até hoje nos agride. Então, creio que temos que dar um prazo para o Ministro Rossetto achar o caminho da gestão com resultados. Uma posição clara do atual Governo é a qualidade dos assentamentos existentes. Não queremos mostrar números para fazer propaganda de Governo; queremos dar qualidade ao homem que está sendo assentado no campo. O Brasil, Senador Romero Jucá, tem dez vezes terras mais agricultáveis do que a China e produz quatro vezes menos. Isso é uma herança que vamos mudar. E o Governo Lula achará um outro caminho para a produção agrícola; e a nossa política agrária será infinitamente mais qualificada e mais acertada, com certeza.

O Sr. Amir Lando (PMDB - RO) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR) - Darei o aparte ao Senador Amir Lando e, depois, ao Senador Arthur Virgílio.

Mas não há dúvida, Senador Tião Viana, que as palavras do Ministro são muito claras. Não é a primeira vez que o Ministro diz isso. E ele foi afirmativo. Pode ser - e V. Exª não estava aqui quando comecei a falar - que realmente o Governo do PT vá ter que criar a figura de intérprete de Ministro. O Ministro fala uma coisa e, depois, o intérprete vem e diz: não, ele não quis dizer que era contra nordestino, ele quis dizer isso; não, ele não quis dizer que a guerra vai dar lucro, ele quis dizer isso; não, ele não quis dizer que pode invadir e sim que não pode invadir.

Aí, tudo bem! É muita bateção de cabeça, como diria o Deputado João Paulo. Não dá para ser desse jeito. Um Ministro de Estado tem que ter a responsabilidade quando fala.

E não adianta vir falar sobre o Governo Fernando Henrique. O Governo Fernando Henrique avançou na reforma agrária. Enfrentou problemas, enfrentou violência no campo, violência muitas vezes perpetrada também pelo MST. A fazenda do Presidente Fernando Henrique foi invadida - nem assim o Presidente desviou um milímetro, um milímetro da lei. Pelo contrário. Por meio da lei e da ação, conseguiu colocar nos trilhos essa questão. Ela precisa avançar. Somos favoráveis à reforma agrária. No entanto, não é falando como o Ministro que faremos reforma agrária neste País. Desculpe-me Senador Tião Viana, mas a violência que V. Exª tanto repudia e eu também e que houve também um pouco no Governo Fernando Henrique infelizmente, será muito maior. A mesma revista Veja, que publica a entrevista com o Ministro, traz a matéria: “A guerra aqui é de outro tipo. Com o MST mais desinibido e influente no governo petista, fazendeiros do país começam a formar suas milícias privadas”.

É isso que está acontecendo no campo. É isso que acontecerá quando o Ministro falar uma bobagem dessa. Vai acender o conflito, piorando a situação. É por isso que falamos aqui, alertando para a situação.

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR) - Ouço o Senador Amir Lando.

            O Sr. Amir Lando (PMDB - RO) - Nobre Senador Romero Jucá, esse tema, infelizmente, não pode ser abordado em um espaço de tempo tão curto. A questão fundiária brasileira remonta 500 anos. É difícil tratar com palavras, quando é isso que se vê. Realmente, temos que examinar a reforma agrária com o maior cuidado. A questão é epistemológica. Há uma confusão de termos, mas queria lhe dizer que o grande Clóvis Bevilácqua, autor do Código Civil, quando se referiu à posse - o fez um pouco enuviado e muitos juristas de escol naufragam no assunto. Entendo o que o Ministro quis dizer, porque tenho dedicado minha vida à reforma agrária. Referindo-se a posse, a posse é uma questão privada, tanto é que o interdito possessório está previsto no Código Civil. E, ali, cabe ao lesado agir; não é o poder público que pode fazer as vezes do proprietário invadido ou ameaçado de invasão. Ele pode lançar mão dos interditos proibitórios da reintegração, conforme o caso. Então, nessas condições, o que é ocupação, qual é o sentido de ocupação? Ocupação é posse mais trabalho (ao menos a legislação estabelece assim) mais morada efetiva. Isso é ocupação. E a ocupação se refere muito mais a terras públicas do que terras privadas. Mas, para V. Exª saber, há um sentido técnico. Quem conhece o direito agrário sabe distinguir todas essas situações. E é por isso que não gostaria de entrar nessa polêmica. Entendo que o Ministro, realmente, não foi claro nos seus conceitos. É uma questão epistemológica e que precisa ser redefinida. Mas queria dizer a V. Exª dois temas. Gostaria de derrubar, um pouco, esse tabu que se faz aqui sobre essa medida provisória que proíbe a desapropriação de terras invadidas. Ora, nobre Senador, a reforma agrária existe para eliminar os conflitos, para redefinir a questão fundiária, sobretudo sobre aquilo que o estatuto da terra prevê no art. 16: exatamente a propriedade familiar, a partilha da terra, visando à propriedade familiar produtiva, com respeito a propriedade produtiva. Mas não se refere ao latifúndio, ao latifúndio por dimensão, ou seja, a partir de 600 módulos de exploração indefinida, que, como V. Exª sabe, pode ser produtivo e ser objeto de desapropriação. Essa é a legislação; esse é o quadro. Trabalhei nisso por mais de vinte anos. Devo dizer a V. Exª que, no meu tempo, não havia nenhum decreto, nada que proibisse invasão, porque se fazia reforma agrária. Quando se faz reforma agrária, não é preciso lei proibindo. Ela conduz, orienta, realiza a ocupação do território nacional. Por isso, nobre Senador, a medida provisória não atende a essência da reforma agrária. No meu entender, instaurado o conflito, o Poder Público não podendo desapropriar, vamos deixar que isso se resolva na justiça privada, na busca da proteção judicial? Creio que o Poder Público, diante da tensão social, deve intervir. A medida provisória inibe algo que é essencial à reforma agrária: a eliminação de conflitos. Eu poderia citar a V. Exª uma centena de casos impedidos que conheço. Nestes prolifera, sobretudo, o prejuízo para o proprietário. Ninguém retira 500 ou 600 famílias do dia para a noite. Não há polícia, não há decreto judicial que realize essa tarefa. Por isso, quero dizer que temos que repensar a questão e exigir a reforma agrária no campo, de fato, e não apenas na mídia. Durante os últimos anos, em Rondônia, as terras públicas serviram de base à geração de latifúndios, de base a um desvirtuamento daquilo que seria a destinação das terras devolutas. As áreas desapropriadas não foram destinadas. São mais de 300 mil hectares desapropriados sem destinação até hoje. Oito anos passaram-se e as terras desapropriadas estão servindo de base para a formação de latifúndios. É um crime previsto pela Lei nº 4.947, em seu art. 20, onde está capitulado o crime. Temos que refletir um pouco mais sobre a reforma agrária. O Ministro também tem que aprimorar seus conceitos. Neste particular, concordo com V. Exª.

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR) - Caro Senador Amir Lando, V. Exª tentou explicar a posição do Ministro, mas, sinceramente, não me convenceu. Brincando com V. Exª, direi que, apesar de não me convencer, V. Exª pode ter prestado um serviço ao Governo Lula. Se for criado um ministério da interpretação para tentar interpretar essa questão, ele poderá ser entregue ao PMDB, e V. Exª poderá ser um dos cotados, pois fez um grande esforço para tentar explicar o inexplicável da posição do Governo.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR) - Concedo a palavra ao nobre Senador Arthur Virgílio.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Parabéns, Senador Romero Jucá, pela fala oportuna, clarividente. Espero que sua idéia do ministério da interpretação não vingue, pois ele seria o trigésimo.

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR) - Seria o trigésimo primeiro, pois criaram um no último final de semana.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Significaria mais dinheiro investido no custeio e menos à disposição, por exemplo, do programa Fome Zero, dos programas sociais que visam à distribuir a riqueza neste País, que, segundo o Presidente Fernando Henrique Cardoso, não é subdesenvolvido, mas injusto, desde Cabral. Faço um paralelo usando duas pessoas do Governo Lula. O Líder Tião Viana tem toda a razão quando se refere a uma frase profundamente infeliz em que o Presidente Fernando Henrique Cardoso se referia aos “vagabundos”. O ex-Presidente purgou-se.

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR) - O PT tirou proveito disso durante muito tempo.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - E não tiramos proveito de nada porque estamos aqui tranqüilos, calmos. De qualquer maneira, foi infeliz aquela frase. Hoje, li na revista Veja, na coluna de Diogo Mainardi, uma coleção de pérolas que atribuo ao cansaço do Presidente Lula. São coisas que não significam nada mais do que nada. Não é grave. A frase do ex-Presidente Fernando Henrique se referindo aos servidores públicos, que se aposentavam tão cedo, foi mais infeliz, mais grave. Aqui me dá a entender que um pouco mais de estresse e o Presidente Lula sairá do nada grave para dizer alguma coisa que poderá, amanhã, servir de bateria contra Sua Excelência mesmo. Mas quero me fixar em duas pessoas do Governo Lula para dizer qual é a sensação que uma e outra causam. Uma figura muito bem escolhida para o momento, e espero que no momento certo possa ousar, o Ministro Palocci, tranqüiliza, tem tranqüilizado o mercado, tem tranqüilizado investidores, tem tranqüilizado os Chefes de Estados de países credores, tem tranqüilizado o Fundo Monetário Internacional, tem tranqüilizado a sociedade de um modo geral e tem tido, eu diria, uma atuação positiva diante do quadro posto. Agora o Ministro Palocci errou, e todos erramos, quando disse que a guerra não causaria nenhuma mal à economia brasileira porque o Brasil estava preparado para isso. Não! A guerra causa enormes males a médio prazo, se tanto, para a economia brasileira. Mas devo registrar que considero, e a sociedade também, a atuação do Ministro Palocci como positiva. E considero, Sr. Senador Romero Jucá, que tem sido intranqüilizadora a presença do Ministro Rossetto, porque dúbio em relação as suas afinidades ou não com o MST, porque tem um conceito que chamaria de antiquado, imaginando que soluções econômicas de grande porte saem da reforma agrária, quando não saem. A reforma agrária é uma grande resposta social que estava sendo dada nesses últimos oito anos e que continuará sendo dada daqui para frente, se Deus quiser. Mas as respostas econômicas vêm da agricultura produtiva e competitiva brasileira, que está ameaçada pelo avanço e pela desinibição, propiciada pela abertura que lhe dá o Ministro Rossetto, do Movimento dos Sem-Terra. Às vezes, duvido que S. Exª não tenha uma parte que queira realmente aprofundar a reforma agrária brasileira e outra que sonhe um delírio, um pesadelo zapatista, algo revolucionário. Em outras palavras, talvez houvesse alguém no MST que, sendo-lhe perguntado se queria reforma agrária, injetando-se soro da verdade nele, diria: “Não, não quero reforma agrária. Não quero a reforma agrária para poder ter razão para encetar uma campanha tipo revolucionária, tipo zapatista, tipo delirante, tipo pesadelo”. Não estou seguro quanto ao que deseja o Ministro Miguel Rossetto, figura correta de homem público gaúcho. Apenas eu e, acredito, as torcidas do Flamengo e do Corinthians não nos tranqüilizamos com o Ministro Rossetto como temos ficado, de certa forma, tranqüilos com as palavras sempre sensatas do Ministro Antônio Palocci.

O SR. ROMERO JUCÁ (PSDB - RR) - Agradeço ao Senador Arthur Virgílio, mas registro que o Ministro Rossetto foi muito claro. Diria que, até essa entrevista, o Ministro tergiversava, tomava uma posição e outra. A partir dela, ele falou claramente o que pensa. É preciso saber se isso é o que o País e o Governo pensam.

Sr. Presidente, também lamento uma entrevista do assessor do Presidente Lula, Sr. Marco Aurélio Garcia, à revista Época, dizendo que aceitaria Saddam Hussein no Brasil. Provavelmente, deve ser para formar, junto com Fidel Castro e Hugo Chávez, um conselho da reforma agrária. Quer dizer, o Ministro Rossetto poderá formar um conselho consultivo com eles.

Estou fazendo este discurso hoje, da tribuna, não para cobrar uma posição do Ministro Miguel Rossetto, porque S. Exª tem uma posição clara, mas para cobrar uma posição do Governo Lula. O Presidente precisa dizer se autoriza essa palavra, se compactua, mesmo pelo silêncio, com as palavras do Ministro ou se o desautoriza por não ser essa a posição do Governo brasileiro. Sou muito claro e direto nisso. Se não houver, através do porta-voz ou de um novo intérprete, uma resposta do Governo, procurarei uma forma, através de interpelação judicial ou qualquer caminho, de, efetivamente, deixar isso claro. É importante que todos os brasileiros saibam claramente qual a posição do seu Governo, eleito democraticamente, através de uma Constituição vigente, mas essa Constituição e essa democracia também exigem um cumprimento dos direitos individuais e coletivos.

Portanto, a palavra não está mais com o Ministro Miguel Rossetto, ela está com o Presidente Lula. O Governo respalda ou condena essas considerações feitas pelo Ministro na revista Veja?

Sr. Presidente, encerro minhas palavras pedindo a transcrição de todas as matérias que registrei neste debate.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ROMERO JUCÁ EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/03/2003 - Página 4552