Discurso durante a 38ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas a declaração à imprensa do Deputado João Paulo, Presidente da Câmara dos Deputados, a respeito da posição contrária do PT às reformas durante o Governo Fernando Henrique Cardoso.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA.:
  • Críticas a declaração à imprensa do Deputado João Paulo, Presidente da Câmara dos Deputados, a respeito da posição contrária do PT às reformas durante o Governo Fernando Henrique Cardoso.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Fernando Bezerra, José Agripino, Magno Malta, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 16/04/2003 - Página 7812
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ASSUNTO, ETICA, POLITICA PARTIDARIA, CRITICA, DECLARAÇÃO, JOÃO PAULO, PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, REFERENCIA, ATUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), ATRASO, VOTAÇÃO, REFORMA CONSTITUCIONAL, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, DISPUTA, PODER.
  • DEFESA, ETICA, ATIVIDADE POLITICA, COMPROMISSO, INTERESSE NACIONAL, REITERAÇÃO, POSIÇÃO, ORADOR, VOTAÇÃO, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PAIS.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Como Líder. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras e Srs Senadores, temos um dever fundamental na vida pública que é o da manutenção e sustentação da coerência pessoal e da coerência política. Acredito importante, relevante e essencial, no processo de entendimento entre as forças que democraticamente compõem o mosaico político deste Congresso, representando o povo deste País, o respeito à opinião pública, respeito mútuo: a Oposição respeitando o Governo, apesar do combate renhido, e o Governo respeitando a Oposição, apesar do combate necessariamente duro nos momentos em que assim tiver de ser.

Peço, Sr. Presidente, antes de mais nada, que os Anais da Casa registrem o editorial da edição do jornal O Estado de S.Paulo de hoje, 15 de abril, intitulado “Sobre a Ética Fisiológica do Poder”, que faz, a meu ver, uma crítica contundente à declaração infeliz do Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado João Paulo Cunha, quando diz que o Partido dele, o Partido dos Trabalhadores, teria ficado contra as reformas no período do Governo Fernando Henrique, tão-somente porque aquilo fazia parte do jogo do poder. Não tinha , no fundo, nada contra as reformas, mas tinha necessidade de impedir que o País andasse, porque seu Partido aspiraria chegar ao Poder.

Da mesma maneira, peço a inscrição, nos Anais da Casa, de matéria da Folha de S.Paulo em que o Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado João Paulo Cunha, critica o que ele chama de “fetiche” pelas reformas, 24 horas após o Presidente Lula ter dito que, se a reforma da Previdência e a tributária fossem realizadas ainda neste ano, o País avançaria dez anos nesses poucos meses.

Nada tenho a ver com a eventual pendência entre o Presidente Lula e o Presidente da Câmara dos Deputados. Esse problema realmente não é meu, não é do meu Partido; é um problema da Nação, sim, até porque é fundamental que essas instâncias de Poder se entendam entre si, para que o Brasil marche de maneira segura rumo ao seu melhor destino.

Dizendo, o que é de seu direito, que haveria um fetiche, algo fantasioso em relação às reformas, o Deputado João Paulo novamente afirma: “Claro que ficamos contra as reformas propostas pelo Governo FHC, porque era o contexto da disputa política nacional. Não estávamos disputando só aquele ponto da reforma; estávamos disputando o poder do País”. Na verdade, S. Exª sugere estar praticando o maquiavelismo de província, o maquiavelismo canhestro, o que não o coloca bem perante a opinião pública deste País, a qualquer pessoa que tenha efetivo apego à democracia e respeito ao jogo ético da política.

Peço também inscrição nos Anais, Sr. Presidente, de artigo do dia 13 de abril deste ano, da jornalista Dora Kramer, do Jornal do Brasil, que, referindo-se a essa expressão do Deputado João Paulo, afirma que alguém diz claramente que “o PT votou contra as reformas, porque disputava o poder” e não por nada, não porque prejudicasse o trabalhador; não porque prejudicasse o aposentado; não porque visasse a qualquer coisa que não a simples chegada ao poder, o que, repito, configura o maquiavelismo de província, algo canhestro e indigno deste momento histórico que estamos aqui a tentar descrever.

Sr. Presidente, solicito igualmente a inscrição nos Anais da Casa de matéria do Jornal O Estado de S.Paulo, do dia 12 de abril deste ano. O cabeçalho da matéria, Líder Aloizio Mercadante, já diz tudo com muita clareza: “Fomos contra as reformas, pois estávamos disputando o poder”. Eu não estou falando de um dissidente do Partido dos Trabalhadores; eu não estou falando de quem quer que seja, a não ser do Presidente da Câmara dos Deputados, alguém que preside um Poder independente, alguém que representa, para valer, o que de mais expressivo pode haver hoje na elite decisória e decisiva deste País.

É algo que a mim me constrange, porque estamos aqui - nós do PSDB; nós da Oposição - tentando reunir a mais ampla maioria possível para votar um projeto de reformas que realmente o seja. Se a reforma vier com princípios gerais apenas, se ela vier como algo do tipo “engana mercado”, se ela vier do tipo “vamos dar a entender que estamos fazendo” sem, na verdade, fazer as reformas, não nos sentiremos obrigados a votar coisa alguma, porque só votaremos algo que, efetivamente, mexa, a fundo, nas estruturas carcomidas, atrasadas e reacionárias.

Mas se o Governo vier pagando o preço da impopularidade, se o Governo vier assumindo os seus compromissos até o final com a história futura, se o Governo vier propondo a alteração de estruturas que têm de ser mudadas, sem o que não venceremos os gargalos que nos limitam ao crescimento econômico medíocre dos últimos anos, não teremos outra conduta, a não ser cumprir com nosso dever histórico de dizer sim às reformas, que poderão não ser aprovadas de maneira acabada por nós. Poderemos aperfeiçoá-las, emendá-las, substituir parte delas, acrescentar algo, mas, pura e simplesmente, não teremos como deixar de votar reforma que efetivamente reforme. Teremos de denunciar à Nação reforma que venha como paliativo, como água com açúcar, como algo que, supostamente, não feriria interesse ou privilégio algum e, ao mesmo tempo, viria para dizer aos mercados que o Governo está em atividade. Essa farsa não passaria, e não passará, pela nossa consciência. É fundamental o apego à questão ética.

O Presidente da Câmara dos Deputados faltou, a meu ver, com o respeito à ética, ao dizer que nada tinha contra as reformas em si mesmas, mas que disputava o poder e não poderia, portanto, deixar o Governo andar. Digo isso depois de exaustiva rodada de negociação, em que, a todo momento, falo com o Governador das Minas Gerais, Aécio Neves, com os Líderes Aloizio Mercadante, José Agripino, Renan Calheiros e com todos os Líderes com assento nesta Casa. Nosso interesse é desobstruir a pauta, é retomar o processo de votações, é fazer o País andar, entendendo o Brasil como um processo feliz, em que um Governo não precisa ir mal para que o outro lado da política cresça. O partido deve crescer a partir das suas qualidades e não dos defeitos dos outros, o que seria a política medíocre da terra arrasada.

Queremos votar coisas que sejam boas para o Governo Lula, desde que sejam boas para o povo brasileiro. Queremos votar o que seja bom para a Nação, o que seja bom para mudar o País, o que seja bom para preparar o País para o futuro. Eu tenho que manifestar aqui mais do que o meu desapreço, não à figura apreciada do Presidente João Paulo, a esse momento infeliz, em que, num rasgo de sinceridade, que eu diria necessária para que nós pudéssemos desnudar certo véu, o Deputado João Paulo admite que não tem compromisso ético com o País, que não tem compromisso ético com as reformas, que não tem compromisso ético com a retirada das pessoas da situação de efetiva pobreza na qual estão. Alguém pode me dizer acreditar que essas reformas aumentem a pobreza. Eu discordo. Deploro que alguém pense assim, mas respeito, até a morte, o direito de alguém discordar de mim. O que não posso entender é alguém, num momento, dizer: “Sou contra as reformas porque elas atingem os trabalhadores; sou contra reformas, porque elas são neoliberais; sou contra as reformas porque as reformas não fazem bem ao futuro do País” e depois diz: ”Agora eu preciso das reformas porque eu quero me perpetuar no poder; preciso das reformas porque eu quero me manter no poder; preciso das reformas porque eu jogo a ética para o alto e para longe, quero a ética bem longe de mim. Eu até falto - quem sabe? - com o decoro parlamentar, quando digo: o que me interessa eu mostro, o que não é bom eu escondo; o que me interessa eu faço, o que não me interessa, não importa essa figura”, que para mim, Senador Arthur Virgílio, e para tantos de nós nesta Casa é algo fundamental, “que é a manutenção da coerência e do respeito que cada um de nós tem de ter por si próprio”. Volto ao Presidente João Paulo e S. Exª diz: “A mim não, a mim interessa o que me interessa. A reforma não me interessava antes porque ela era boa para o Governo Fernando Henrique, sendo boa para a Nação; ainda assim, dane-se a Nação.”

A esse cidadão que queria chegar ao poder; o que interessava mesmo é que o Governo Fernando Henrique não deslanchasse até o ponto máximo. Agora interessa a S. Exª o êxito do Governo Lula e agora ele imagina que a reforma deve vir e que ela deve vir com os votos honrados dos seus opositores!

Digo ao Deputado João Paulo Cunha - e não é nenhum tapa com luva de pelica -: mande a reforma com coragem, mande reformas que modifiquem, mande reformas profundas e verá a diferença de comportamento, porque não mudaremos em relação ao passado recente, não mudaremos em relação à nossa perspectiva histórica. Não faremos esse jogo de maquiavelismo canhestro, de maquiavelismo não lido, de maquiavelismo não intelectualizado, de maquiavelismo não preparado, de maquiavelismo oportunista, que é o que diz: se me interessa, até fico do lado que seria o patriótico, pelo meu ângulo; se não me interessa, fico contra o lado patriótico, porque o que importa mesmo é a minha carreira pública, o que importa mesmo é que o meu grupo político se dê bem, nessa coisa macunaímica, que não quero aceitar para o País! Não quero um país de macunaímas e o Brasil virará um país de macunaímas, se o Congresso Nacional, pela palavra do Presidente de uma das Casas que o compõem, não der o exemplo da grandeza, da seriedade e do respeito à veracidade e ao compromisso efetivo com a coerência!

Ouço, com muita alegria, o Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Arthur Virgílio, V. Exª faz uma reflexão profunda sobre uma frase do Presidente da Câmara, Deputado João Paulo Cunha...

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Senador, uma frase, não. São frases que dão para escrever um livro como o das mil e uma noites.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Pelo que pude observar das manchetes citadas por V. Exª, todas se referem basicamente a uma frase que corresponde ao ponto central...

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Uma frase importante. Aquela frase: matei, porque quis ficar rico. Não preciso dizer mais nada do texto desse cidadão.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Mas não foi...

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - É, sim. Fomos contra a reforma porque pois estávamos disputando o poder. As reformas eram boas para o País e eu não poderia votar nelas, porque o que eu queria era atrasar o outro Governo, porque o que eu preciso é adiantar o meu Governo, porque eu, Fulano de Tal, quero o poder pelo poder, o poder para mim, o poder para o meu grupo. Dane-se a Nação, dane-se a ética, danem-se os famintos, danem-se os pobres, danem-se os empobrecidos, danem-se os desempregados, danem-se aqueles que, na verdade, sofrem com os privilégios de uma minoria!

Sr. Senador, tenho em V. Exª um exemplo de ética. Não defenda isso.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Pois bem. Quero comentar exatamente essa frase que V. Exª desdobra em diversas outras, mas, na verdade, foi uma frase, ponto central...

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Se eu for ler tudo, eu teria de ser proprietário do Senado e não quero. O Senado tem que ser de propriedade do povo brasileiro.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - ... e com a qual, pode estar certo V. Exª, de que muitos de nós, no Partido dos Trabalhadores, não concordamos porque ela não reflete o comportamento do Partido dos Trabalhadores na sua inteireza. Acredito que essa frase do Presidente João Paulo Cunha não corresponde àquilo que efetivamente temos feito aqui no Congresso Nacional. Muitos são os exemplos, e eu poderia aqui discorrer a respeito, em que o Partido dos Trabalhadores votou a favor do Governo. Ainda que não fôssemos do Partido do Presidente Fernando Henrique Cardoso, à época o PSDB, examinamos muitas vezes propostas, inclusive de Parlamentares do PFL, como por exemplo, recentemente, a proposição do Senador Antonio Carlos Magalhães referente ao Fundo de Combate à Pobreza, em que votamos favoravelmente porque vimos que havia pontos importantes. Estivemos juntos com o PSDB, que colaborou naquela Comissão de Combate à Pobreza. Muitos seriam os exemplos que eu poderia citar de ocasiões em que votamos favoravelmente às proposições do Presidente Fernando Henrique Cardoso, mas sempre que houve questões relativas a discordâncias sobre o método, o procedimento e o instrumento que se estava utilizando, dissemos por que votaríamos contrariamente. Em verdade, no episódio da reforma tributária, o Partido dos Trabalhadores e outros Partidos chegaram a um entendimento - e V. Exª é testemunha - na Comissão presidida pelo então Deputado Germano Rigotto. E só não houve a votação porque o Executivo preferiu que não houvesse. Então, gostaria de salientar que não há concordância em relação à frase do Presidente João Paulo Cunha, um Parlamentar que tem honrado muito o seu mandato. No momento em que a proferiu, ele expressou algo que não é o entendimento que tenho e, tenho certeza, o que o Partido dos Trabalhadores em geral tem tido. Assinalo que nesse ponto V. Exª tem razão de mostrar que houve uma falha importante, que certamente será objeto de reflexão do meu companheiro, Deputado João Paulo Cunha.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB-AM) - E que ele reflita, como qualquer pessoa que possa errar e acertar. No entanto, os erros são mais graves quando partem de alguém que está investido das altas funções de Presidente de um Poder, o Poder Legislativo. A fraqueza, que é humana, pareceu-me nesse caso próxima a um desvio de caráter. É preciso que S. Exª explique a situação, pois não é essa a impressão que tenho do seu Partido.

Senador Eduardo Suplicy, eu sabia que V. Exª, com a pureza de sua alma, tentaria, por todos os meios, amaciar a situação do Presidente da Câmara dos Deputados, mas não o defenderia, porque nesse ponto S. Exª é indefensável. Foi algo que beirou o cinismo, o desrespeito, enfim, tudo aquilo que procuramos negar como valor político, esteja o político de bem onde quer que esteja, em qualquer quadrante ideológico. A honradez pessoal e a honradez intelectual não são propriedade de um partido, de um grupo ou de quem quer que seja. Pertencem a qualquer pessoa de boa vontade que tem respeito por si própria.

Em nome do decoro desta Casa, do Congresso Nacional, digo que foi deplorável a mais alta autoridade da Câmara dos Deputados dizer, pura e simplesmente, como se tivesse o direito de dizer tudo -Senador Tião Viana, em breve concederei um aparte a V. Exª -: Eu faço aquilo que me interessa. Transformo-me numa espécie de Macunaíma parlamentar, faço aquilo que me interessa. Quando não me interessa, eu simplesmente rompo com qualquer preceito, com qualquer eiva de compromisso ético. Eu, pura e simplesmente, apenas deixo o barco correr, seguindo a correnteza, jamais remando contra ela, ou seja, jamais construindo, com a coragem necessária das pessoas que mantêm o seu brio, a verdadeira história.

Líder Tião Viana, concedo um aparte a V. Exª com muita honra.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Senador Arthur Virgílio, V. Exª cumpre um papel fiscalizador, que impõe coerência nas atitudes políticas, ao trazer esse pronunciamento ao plenário do Senado Federal.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Agradeço a V. Exª.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Entendo que temos o dever de defender a honradez do Parlamento, do comportamento parlamentar. Portanto, louvo a intenção do pronunciamento de V. Exª. Gostaria apenas de esclarecer que lamento profundamente que o Deputado João Paulo, companheiro dos mais brilhantes em sua biografia política, em sua luta política, não tenha tido tempo de procurar seus Colegas de Partido para esclarecer essa entrevista, que é um fato que V. Exª traz ao plenário do Senado Federal. Lamento profundamente, porque seguramente seria fácil o debate que travaríamos, neste momento. Mas gostaria de dizer que esse comportamento precisa ser permanente, precisa ser como o rio, que sempre vai para o mar. Tivemos o episódio do Ministro Rubens Ricupero, que dizia claramente que o que era ruim se colocava embaixo do tapete e o que era bom...

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - S. Exª pagou com o cargo. Seria o caso de o Deputado João Paulo renunciar?

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - O que quero dizer é que o Deputado João Paulo ainda merece um esclarecimento sobre esse episódio. Não vi a intensa crítica feita ao Ministro Rubens Ricupero, à época, pelo Partido de V. Exª. Então, é uma cobrança construtiva que faço neste momento, lembrando um passado que tivemos. Houve um episódio conclusivo, com a renúncia do Ministro Rubens Ricupero. Gostaria muito que refletíssemos e rompêssemos um pouco, dentro do debate elevado que V. Exª está construindo hoje, com a tese do maniqueísmo: o que é mal está do lado de lá e o que é bom está do lado de cá. A nossa construção política é de que o PSDB é um Partido fundamental na construção, na elevação e no avanço da reforma estrutural do Brasil no campo político, como é o Partido dos Trabalhadores a matriz de um sonho, de um projeto que o Presidente Lula representa tão bem. Então, por acreditar profundamente na coerência de meu Partido, na matriz moral que levou o meu Partido a chegar ao poder, é que faço essas observações, no elogio e respeito ao pronunciamento de V. Exª e lamentando que meu companheiro, Deputado João Paulo, não tenha tido tempo ainda de esclarecer. Entendo que não é de seu caráter, de sua biografia, esse tipo de manifestação, que foi transformada num fato verdadeiro dentro da imprensa brasileira.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Senador Tião Viana, concluo, respondendo a V. Exª, que, mais do que esclarecer, seria o caso de pedir desculpas, porque não há muito o que esclarecer. Seria questão de dizer se ele compactua mesmo com essa declaração impensada que proferiu ou se, na verdade, foi colhido por um momento de absoluta infelicidade.

O Embaixador Rubens Ricupero, que foi meu professor e tenho por ele um carinho pessoal muito grande, foi muito criticado por mim no foro pequeno de que dispunha à época para discuti-lo, até porque estava, tanto quanto V. Ex.ª, sem mandato, mas deplorei profundamente e não posso deixar de fazer isso agora.

É um grande avanço V. Exª falar sobre maniqueísmo. Não podemos mesmo separar o Brasil entre os eternamente bons de um lado, apesar do que digam e do que façam, e os maus. de outro. É preciso que nós todos aqui sejamos cobradores da postura uns dos outros, sem perda de fraternidade, sem perda sobretudo do compromisso com a Casa e, por outro lado, com absoluta convicção de que não podemos passar a mão por cima da cabeça dos que erram contra a instituição.

Chego a dizer que temos procurado colaborar para que o Governo governe, ao mesmo tempo em que afirmamos a nossa forma maiúscula de fazer oposição, mas tenho a impressão de que ajudamos tanto o Governo que, nesta hora, talvez eu esteja expressando o que muita gente perto de V. Ex.ª gostaria de dizer, recriminando o Presidente da Câmara. Não foi bom para o seu partido, não foi bom para o seu governo, Senador Tião Viana, não foi bom para esta Casa, não foi bom para a Câmara dos Deputados, não foi bom para o segmento político. Imagino as pessoas na idade dos nossos filhos menores dizendo “puxa vida, que caminho posso trilhar na vida, pela frente?” Basta, quando quero o poder, dizer as coisas mais agradáveis para as pessoas ouvirem. Basta, quando o poder está nas mãos de outros, ou quando está nas minhas mãos, negar tudo aquilo que havia construído. Não é um bom exemplo. Tenho certeza de que V. Exª, hoje, como grande líder que é, cumpre, até com um certo constrangimento, com o dever de tentar esboçar uma defesa que, na verdade, é um reforço à acusação que fiz ao comportamento deturpado do Líder João Paulo.

O Sr. José Agripino (PFL - RN) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Se o Sr. Presidente me permitir, concedo a palavra ao Senador José Agripino Maia e depois ao Senador Magno Malta.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Quero lembrar ao orador que o seu tempo já está esgotado.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Sim. Dependo apenas da bondade de V. Exª, porque vejo companheiros desse escol, desse porte; se V. Exª permitir, fariam os três um aparte.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Como vejo que muitos querem aparteá-lo, apenas o adverti quanto ao tempo, porque, além da tolerância que a Mesa possa ter, temos o Regimento Interno da Casa. Muito obrigado.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Sr. Presidente, sei disso. V. Exª é um homem de enorme sensibilidade, é alguém que é exemplo para todos nós, do ponto de vista do seu comportamento parlamentar, e V. Exª pressente, apesar da desimportância de quem o profere, quando é um discurso que, na verdade, traz um tema, esse sim, relevante. E aí, quem sabe, nessa hora, vamos um pouco mais além. Mas não quero de forma alguma ir mais do que telegraficamente às respostas dos três companheiros que solicitaram os apartes para, em seguida, concluir o meu pronunciamento.

Senador José Agripino Maia, por favor.

O Sr. José Agripino (PFL - RN) - Senador Arthur Virgílio, vou ser muito econômico nas minhas palavras, até porque creio que o discurso de V. Exª tenha falado por si só. Mas gostaria de fazer apenas um recall. V. Exª está chamando à coerência, em última análise; coerência que, segundo penso, é fundamental em política - e o político merece respeito quando é coerente, quando cumpre o que promete. É importante relembrarmos o tema do final da campanha do Presidente Lula, talvez a frase ou o tema com que ganhou a eleição: “A esperança venceu o medo”. E talvez isso diga respeito à observação que V. Exª faz em relação ao Presidente da Câmara, João Paulo. Dizia a campanha do PT que o eleitor havia vencido o medo devido à esperança. Esperança de quê? De ruptura. Ruptura de quê? Do modelo econômico; de ruptura com o FMI; de ruptura com a elevação dos salários dos servidores públicos, que votaram maciçamente no Governo do PT; no dobrar do salário mínimo em quatro anos. O medo venceu a esperança, ou a esperança venceu o medo? É a questão que se coloca, porque o que está sendo praticado na verdade, graças a Deus, é o equilíbrio e o bom senso; é o prosseguimento do que vinha dando certo. Mas não é o que foi prometido ao eleitor que, no meu entender, está frustrado, está decepcionado com aquilo que lhe prometeram. O que V. Exª coloca é importante para que aqueles que estão nos vendo e nos ouvindo reflitam, pois em política o mais importante é a coerência. E a campanha foi ganha com uma frase: “A esperança venceu o medo”. Coloco uma interrogação e peço a reflexão dos brasileiros.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Muito obrigado, Senador José Agripino. Digo apenas que minha esperança é de que a esperança, ela própria, derrote o espírito de Macunaíma.

O Sr. Magno Malta (Bloco/PL - ES) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Pois não, Senador Magno Malta.

O Sr. Magno Malta (Bloco/PL - ES) - Desejo ser breve, Senador Arthur Virgílio. A reflexão de V. Exª é coerente, tem fundamento. Eu, que faço parte da base do Governo, li as matérias e fiquei estarrecido com a vaidade do Presidente João Paulo. De fato, S. Exª cometeu um momento de fraqueza. Não posso nem sequer imaginar que S. Exª seja movido a tanto maquiavelismo político a ponto de ter tratado a coisa pública assim para chegar ao poder. Mas concordo com V. Exª que essa é uma dose excessiva de vaidade. As pessoas precisam entender que um mandato eletivo, no Brasil, ou dura quatro anos ou dura oito anos. Ninguém é eleito para ser rei e ficar eternamente no poder. É essa vaidade que impulsiona os homens a querer falar a qualquer preço e a estampar sua imagem nos jornais de qualquer maneira. Sem dúvida, entendo que o próprio Presidente da República, ao ler essas matérias, ficou tão chocado quanto eu e V. Exª, e V. Exª um pouco mais, por conta de estar na Oposição. Eu tenho todo o respeito por meu Líder, Senador Tião Viana, e gostaria de chamar a atenção dos demais Líderes para a sua figura, que não deixou que o poder fizesse de S. Exª uma estátua de vaidade, mas o episódio Ricupero não serve para justificar o erro e a vaidade do Deputado João Paulo. Espero que o Presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, o Presidente de um Poder, seja mais comedido, até porque alguém já disse que quem fala pelo cotovelo é obrigado a desmentir com a boca. O Presidente da Câmara falou pelo cotovelo e agora está devendo uma explicação com a boca.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Obrigado, Senador. Ponha-se na minha posição. Pedem a mim e ao meu partido que votemos reformas que supostamente seriam boas para o Governo Lula, e nós não o faríamos simplesmente porque as reformas seriam boas para o Governo Lula. Nós o faríamos, e até o faremos, se elas forem reformas boas para o País e reformas para valer. Agora, pedem-nos e uma das mais altas autoridades desta República, o Presidente da Câmara dos Deputados, diz: - Quando interessa, ele faz e, quando não interessa, ele não faz pura e simplesmente porque o que vale não é o interesse da Nação, mas, sim, o interesse do seu grupo político, o interesse do seu partido e seu próprio interesse pessoal. É lamentável e até revoltante e, por outro lado, ainda assim, não nos tira o ânimo de fazermos exatamente o oposto e trabalharmos com muita coerência para que este País, seja quem for o seu Presidente, encontre o seu melhor destino.

O Sr. Fernando Bezerra (Bloco/PTB - RN) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Concedo o aparte ao Líder Fernando Bezerra.

O Sr. Fernando Bezerra (Bloco/PTB - RN) - Senador Arthur Virgílio, sabe V. Exª da profunda admiração que tenho por V. Exª.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - É recíproca, Senador.

O Sr. Fernando Bezerra (Bloco/PTB - RN) - O discurso de V. Exª põe em relevo uma frase infeliz ou todo um pensamento infeliz do Presidente da Câmara. Falo aqui em nome do meu Partido, o PTB, que integra um bloco de apoio ao Governo Lula. Passei uma vida inteira defendendo as reformas, sobretudo a reforma tributária, ainda no Governo Fernando Henrique Cardoso, não a reforma do Presidente Fernando Henrique Cardoso, e nem votaria a reforma do Presidente Lula. Votarei a reforma que vai ajudar o Brasil a ter um crescimento sustentado; que vai gerar emprego e renda ao Brasil; que vai aumentar a sua produção. Então, eu queria apenas colocar a posição do meu Partido, que compõe o bloco de sustentação do Governo, que aqui no Senado é liderado pelo PT, mas também composto pelo PL e o PSB. Nossa posição de apoio à reforma não busca o poder, ela busca uma melhor condição para o futuro do nosso País. Discordo frontalmente das palavras do Deputado João Paulo, mas reconheço que cada um de nós tem um momento de infelicidade ao soltar uma palavra a mais. Dizem os mais sábios que ninguém se perde pela palavra que não disse, talvez o Presidente da Câmara tenha perdido um pouco pela palavra a mais que disse. Não privo da sua intimidade, tenho por S. Exª grande respeito e que me permite dizer até que essa não é a sua intenção real, porque não é a intenção do PTB e da grande maioria dos Senadores desta Casa que querem um reforma tributária para ajudar a mudar o Brasil.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Senador Fernando Bezerra, V. Exª foi líder de Governo junto comigo, foi Ministro quando eu era líder, tenho por V. Exª um apreço pessoal muito grande e conheço o tamanho de seu coração, que sem intimidade com o Presidente da Câmara consegue perdoá-lo. Isso mostra como todos devemos ser cativos, ser escravos do seu coração.

Encerro dizendo da minha absoluta convicção de que se impõe uma autocrítica. Não podemos passar para as gerações futuras esse exemplo, não podemos criar a idéia de que o oportunismo é a melhor escada para se transitar uma carreira política, não podemos passar a idéia de que a conjuntura é capaz de mudar essencialmente o caráter e a postura de um homem público. Queremos, na verdade, não mais do que representar a média honrada do pensamento brasileiro, a média honrada dos trabalhadores brasileiros, a média honrada dos intelectuais brasileiros, a média honrada das pessoas que trabalham nas fábricas, dos desempregados, das pessoas que, às vezes sem ter o que comer, ainda assim não enveredam para o caminho da criminalidade, mantendo-se no estrito limite da honra. Por isso a crítica que faço. Fosse ele um Deputado qualquer, certamente talvez devesse criticá-lo, sendo ele Presidente da Câmara, alguém de quem nunca vi ou ouvi nada a respeito de qualquer deslize em sua vida pública ou sua vida pessoal. Ele, como Presidente da Câmara, cometeu um erro grave, um erro crasso, um erro que coloca em xeque o caráter da nação, porque não é possível tabularmos a idéia de que digo que estou servindo ao País, mas não estou servindo ao País, estou servindo a mim e ao meu Partido, ao meu grupo político e a minha ambição; digo que estou me opondo, mas não estou me opondo porque acho que me opor seja a melhor forma de defender o meu País, de defender o meu povo, a minha nação, mas, ao contrário, porque estou preparando a escada, o caminho, a rota e o rumo para retornar ao poder.

Em nome da ética, Sr. Presidente, encerro dizendo que o Presidente da Câmara dos Deputados deve uma clara, cabal, imediata, urgente, inadiável, humilde e sincera resposta à nação brasileira.

Muito obrigado. Era o que tinha a dizer.

 

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            DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ARTHUR VIRGÍLIO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/04/2003 - Página 7812